"É provável" que chegue a Portugal uma "ameaça para o ambiente": o que se sabe sobre a maré de pellets que invadiu Espanha

CNN Portugal , com LUSA
10 jan, 19:41

A "maré de plástico" que invadiu o Norte de Espanha, nomeadamente a costa da Galiza e das Astúrias, constitui uma "ameaça para o ambiente" e para a atividade piscatória, adverte a Comissão Europeia. Mas ainda não são conhecidos todos os impactos destes microplásticos para a saúde humana. O governo espanhol garante que as partículas "não são perigosas", mas, como são plástico, têm de ser eliminadas da costa. Em Portugal, as autoridades dizem estar a acompanhar a situação "de forma a verificar se os pellets chegam à costa" - algo que, segundo um hidrobiólogo português, será "provável" dentro de alguns meses

A Comissão Europeia alertou esta quarta-feira que a descarga de 25 toneladas de pellets na costa da Galiza e das Astúrias constitui uma "ameaça para para o ambiente" bem como para a atividade piscatória. 

"As 25 toneladas de pellets de plástico que foram derramadas na costa da Galiza ameaçam o ambiente e atividades económicas como a pesca. Estamos ansiosos por discutir a melhor forma de ajudar", adiantou o comissário europeu do Ambiente, Oceanos e Pesca, Virginijus Sinkevičius, numa publicação na rede social X.

Em causa está uma descarga 25 toneladas de pellets (microplásticos no mar) na costa da Galiza e das Astúrias, que levou o governo espanhol a ativar o plano territorial de contingência por contaminação acidental.

Apesar do alerta de Virginijus Sinkevičius, um porta-voz da Comissão Europeia lembra cabe às autoridades nacionais gerir no imediato as descargas de pellets, como a que ocorreu em Espanha, enquanto as instâncias europeias se dedicam ao trabalho a médio e longo prazo para reduzir a contaminação por microplásticos no bloco comunitário.

Ainda em outubro passado, a Comissão Europeia avançou com uma proposta para limitar as descargas e reduzir a contaminação por microplásticos, estando a mesma a ser analisada pelas restantes instâncias europeias. A proposta faz parte do Plano de Ação Poluição Zero, adotado pela Comissão Europeia em 2021, e que estabelece como objetivo reduzir até 30% a quantidade de microplásticos que são despejados no ambiente.

Bruxelas justifica esta proposta com o facto de os microplásticos, por não serem biodegradáveis, se acumularem no ambiente, contaminando peixes e mariscos e, como consequência, os humanos, na base da cadeia alimentar.

Tendo em conta a proximidade com Espanha, as autoridades portuguesas dizem estar a seguir de perto o caso "de forma a verificar se os pellets chegam à costa portuguesa". Perante a ameaça, as autoridades decidiram avançar com a preparação de um plano de ação para o caso de os pellets serem arrastados até ao país. "Estamos a ver o plano de resposta para a eventual remoção dos objetos. Plano este que envolve várias entidades como as autarquias", revela a Autoridade Marítima Nacional, em declarações à CNN Portugal.

Pescadores preocupados com "impacto na cadeia alimentar"

Os pescadores de Viana do Castelo e Caminha estão atentos às toneladas de minúsculas bolas de plástico que deram à costa no país vizinho e reivindicam ações para tentar recuperar o material que ainda está no mar.

“Deviam começar a trabalhar para ver se é possível recuperar os contentores antes de os sacos [com pellets] se desfazerem e libertarem o plástico. Os seguros da embarcação têm de assumir isso”, defendeu, em declarações à Lusa, Portela Rosa, da cooperativa de produtores Vianapesca, com sede em Viana do Castelo.

O responsável confirmou que as bolas com cerca de cinco milímetros de diâmetro, usadas para fabricar plásticos, “ainda não apareceram” na costa portuguesa, mas poderão deslocar-se “com o vento”, estando em causa “um risco” que, “por cautela, devia deixar a Agência do Ambiente e a autoridade marítima preparados”.

“Não sei se não seria de colocar as barreiras que se colocam para o petróleo [referência ao Prestige, petroleiro que em 2002 afundou na costa galega, produzindo uma maré negra que afetou a zona entre o Norte de Portugal e França]”, defendeu Portela Rosa. A medida, explicou, poderia “defender a parte da rocha e da costa”, onde “será mais difícil conseguir apanhar” as partículas de plástico.

“A cada 10 metros de profundidade, a pressão aumenta em um bar, que corresponde a um quilograma. Portanto, dificilmente as embalagens conseguirão aguentar o plástico no seu interior”, alertou. A “maior preocupação”, vincou, é “na entrada dos rios”, onde as partículas podem “entrar na cadeia alimentar e na alimentação humana”.

A Associação de Pescadores de Vila Praia de Âncora, no concelho de Caminha, manifestou-se “atenta” e “preocupada” com o problema, porque “o impacto na cadeia alimentar é grande”, embora “nada” tenha sido detetado na pesca. “As correntes, nesta altura do ano, empurram para Norte. Mas se algum conteúdo ainda estiver em sacos, poderá chegar à costa portuguesa”, indicou à Lusa Vasco Presa.

De acordo com o investigador português Bordalo e Sá, esta "maré de plástico" pode mesmo afetar Portugal, apelando por isso à ativação de um plano de contingência nacional: “Neste momento as correntes dominantes são para norte. É provável que estas partículas cheguem a Portugal lá para a primavera, quando mudar a direção das correntes, e se não tiver dado à costa todo o conteúdo [dos contentores que transportavam o plástico] que caiu ao mar, embora com um impacto menor. O primeiro passo será acionar a vigilância das praias, usando também a sociedade civil, e o segundo passo será implementar um plano de contingência desenhado à medida e supervisionado."

Afinal, quão perigosos são estes microplásticos no mar?

Segundo Bordalo e Sá, os pellets, uma vez libertados, facilmente se transformam em nanoplástico, chegando à cadeia alimentar de peixes e bivalves e, consequentemente, à dos seres humanos, desconhecendo-se ainda todos seus os impactos.

Apesar da cautela das autoridades, das nacionais às europeias, o governo espanhol já veio tranquilizar a população, adiantando que "não existe neste momento nenhuma informação" sobre eventuais riscos para a saúde decorrentes do consumo de peixes contaminados com pellets.

O ministro espanhol da Agricultura, Pescas e Alimentação, Luis Planas, disse mesmo não ter informações de que o setor das pescas tenha sido "afetado" pela descarga de pellets na costa da Galiza e das Astúrias.

Ánxeles Vázquez, vice-presidente do Governo Regional da Galiza e conselheira para o Ambiente, explicou que os pellets que chegam à costa são do tipo "PET", que é utilizado na  produção de embalagens de alimentos. Todavia, ressalva, "isto não significa que não tenha impacto no ambiente". Ou seja, os pellets "não são tóxicos, não são perigosos, mas como é plástico, devem ser retirados da costa" de forma "coordenada".

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