Maior viveiro natural de peixes do mundo descoberto na Antártida

CNN , Katie Hunt
28 jan 2022, 17:00

Os investigadores estimam que a colónia contenha cerca de 60 milhões de ninhos ativos. A descoberta revela um ecossistema globalmente único

Uma colónia de reprodução de 60 milhões de peixes foi descoberta no gelado Mar de Weddell na Antártida, um exclusivo e até agora desconhecido ecossistema que cobre uma área da dimensão da ilha de Malta.

A fascinante descoberta mostra o quão pouco se sabe das profundezas do oceano.

A vasta colónia, que se acredita ser a maior do mundo, alberga os notáveis peixe-gelo (Neopagetopsis ionah), que têm um crânio e sangue transparentes. O peixe-gelo é o único vertebrado que não possui células sanguíneas vermelhas.

Para sobreviver a tão baixas temperaturas, evoluiu como proteína anti-congelamento no seu transparente sangue que impede que se formem cristais de gelo.

A colónia de reprodução foi descoberta em fevereiro de 2021 pelo navio de pesquisa polar Polarstern, que estava a perscrutar o fundo do mar cerca de 500 metros abaixo do navio. Recorre a um sistema de câmaras da dimensão de um automóvel acoplado à popa do navio, que transmite imagens para o convés à medida que vai sendo rebocado.

Os ninhos estão espaçados uniformemente ao longo do leito do mar.

A expedição estava centrada nas correntes marítimas e a descoberta dos ninhos, tornados visíveis no lamacento fundo do mar por um círculo de pedras, constituiu uma surpresa.

"Vimos ninho após ninho durante quarto horas, e nesse tempo cobrimos cerca seis quilómetros (3,7 milhas) de leito do mar," declarou Autun Purser, um investigador de pós-doutoramento no Instituto Alfred Wegener em Bremerhaven, na Alemanha. É o principal autor de um estudo sobre a colónia de peixes-gelo que foi publicado na revista Current Biology na quinta-feira.

"Nunca tinha visto nada assim em 15 anos como cientista marinho," declarou Purser. "Após esse mergulho, enviámos email aos peritos em terra que conhecem peixes destes tipo. Eles disseram que sim, que era uma coisa única."

As focas que vivem na área são, provavelmente, predadoras dos peixes-gelo

Extensão dramática

Quatro mergulhos adicionais das câmaras revelaram a extensão dramática da colónia de reprodução e a sua impressionante natureza uniforme.

"Trata-se realmente de uma descoberta surpreendente," declarou John Postlethwait, professor de biologia na Universidade do Oregon, que estuda os peixes. Ele não esteve envolvido na investigação.

"Também é significativo. A extensão da biomassa é, para mim, no mínimo inesperada. E à medida que o peixe altera a estrutura do fundo do mar de sedimentos, cria um habitat para uma comunidade que altera a cadeia alimentar para apoiar uma grande variedade de espécies," acrescentou.

A colónia cobre mais de 240 quilómetros quadrados (93 milhas quadradas), declararam os investigadores. Havendo, em média, um ninho a cada três metros quadrados, estimam que a colónia contenha cerca de 60 milhões de ninhos ativos.

Cada um dos ninhos uniformemente espaçados tinha cerca de 15 centímetros (6 polegadas) de profundidade e 75 centímetros de diâmetro, e continha em média 1735 ovos. A maioria era guardada por um peixe adulto. Alguns ninhos continham apenas ovos, e outros não estavam a ser usados.

"O espaçamento dos ninhos é do género do espaçamento das aves numa linha telefónica," acrescentou Postlethwait por email.

"Alguns animais gostam de ser sociais, mas há um limite. Congregarem-se pode trazer-lhes vantagens para encontrarem parceiros, mas também se torna uma fonte rica para os predadores."

Os peixes parecem ser atraídos por uma zona de águas mais quentes, que rondam mais de 2 graus Celsius do que o leito do mar em redor, com uns frescos 0 graus Celsius, declarou Purser (a água do mar congela a uma temperatura mais baixa do que a água doce).

Os investigadores destacaram dois sistemas de câmaras para monitorizar os ninhos de peixes-gelo até ao regresso de um navio de pesquisa. A esperança é que as fotografias captem mais pormenores sobre o ecossistema dos ninhos de peixe.

Uma questão que os investigadores querem esclarecer é quanto tempo um peixe adulto guarda os ovos - os peritos suspeitam que podem ser meses - e se quem faz a guarda é a fêmea ou o macho.

"Parece que o comportamento reprodutivo da maioria, se não de todos os peixes-gelo, gira em torno da corte do macho às fêmeas através da construção de um bom ninho, declarou o perito em peixes-gelo H. William Detrich, professor emérito de bioquímica e biologia marinha na Universidade Northeastern, por email. Ele não esteve envolvido na investigação.

As descobertas revelam um ecossistema globalmente único, segundo os investigadores, e dizem que deveria ser considerada área protegida.

"As implicações da conservação desta espécie são claras, deveria ser estabelecida uma área marinha protegida no Mar de Weddell para evitar a exploração desta espécie de peixe-gelo," acrescentou Detrich.

A descoberta foi feita por uma equipa a bordo do navio polar de pesquisa alemão, Die Polarstern vor A74

Marisco?

Apesar de o mar de Weddell estar coberto de gelo todo o ano, o gelo é relativamente fino, com uma espessura de um metro, significando que a fotossíntese pode ser feita e a vida pode florescer. Purser declarou que o leito do Mar de Weddell está longe de ser estéril, contendo esponjas marinhas, corais, polvos e estrelas-do-mar que povoam o leito do mar.

Cerca de 2000 focas vivem também na zona e provavelmente mergulham na zona de reprodução e alimentam-se de peixes-gelo, declarou ele, apesar de não haver provas definitivas.

Purser disse que, apesar de haver espécies de peixes de água doce que fazem ninhos semelhantes, os cientistas “nunca tinham visto colónias como esta no mar profundo."

"Acho que só filmámos talvez 1% do leito do Mar de Weddell, e quem sabe que mais se esconde no local. Estou convencido de que há muitas falhas no nosso conhecimento das profundezas do mar."

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