Estas pedras podem brilhar mais do que o Sol. E podem também significar o fim dos combustíveis fósseis

CNN , Bill Weir
16 mar, 15:00
Pedra quente da Antora Energy (CNN)

A certa altura, nos primórdios da Humanidade, um homo sapiens mais esperto do que a média afastou uma pedra do fogo para se aquecer e inventou a bateria térmica.

Mais de um milhão de anos depois, enquanto a Humanidade se esforça para evoluir para lá dos combustíveis fósseis a tempo de evitar o colapso climático, essa ideia simples está a regressar aos tempos modernos - e as pedras quentes estão mais quentes do que nunca, literal e figurativamente.

"As pedras nesta caixa estão neste momento a cerca de 1600 graus Celsius", disse Andrew Ponec, ao lado de uma bateria térmica do tamanho de um pequeno edifício. "Mais quente do que o ponto de fusão do aço", explicou.

Mas o que torna a sua caixa de pedras quentíssimas tão importante é o facto de não terem sido aquecidas pela queima de toneladas de carvão ou gás, mas sim pela captação de luz solar através dos milhares de painéis solares fotovoltaicos que rodeiam o seu protótipo a oeste de Fresno.

Bill Weir (à esquerda), correspondente principal da CNN para o clima, passeia pelo campo de painéis solares da Antora Energy com o cofundador e diretor executivo da empresa, Andrew Ponec. Julian Quinones/CNN

Se forem bem-sucedidos, Ponec e a sua empresa start-up Antora Energy poderão fazer parte de um novo setor de armazenamento de energia, avaliado em vários biliões de euros, que utiliza simplesmente o Sol ou o vento para aquecer caixas de pedras o suficiente para fazer funcionar as maiores fábricas do mundo.

"Por vezes, as pessoas sentem que nos estão a insultar ao dizerem: 'Ei, isso parece muito simples'", riu-se Ponec. "E nós dizemos: 'Não, é exatamente esse o objetivo'."

A paixão de Ponec pelas energias limpas começou quando era um miúdo curioso de escola pública a brincar com a energia fotovoltaica na garagem dos pais e foi levado a desistir de Stanford (universidade) para construir centrais solares capazes de operar na rede elétrica.

Quando regressou para obter o seu diploma, apercebeu-se de que, embora o Sol e o vento sejam ótimos para recarregar as baterias dos carros e das casas, há uma necessidade ainda mais urgente de limpar as fontes de combustível do calor industrial necessário para fabricar tudo, desde comida para bebé a aço. E porque a procura de energia de uma fábrica é muitas vezes de 24 horas por dia, sete dias por semana, a indústria pesada ainda não tirou partido da queda do preço das energias renováveis.

"Na maior parte dos dias na Califórnia, a meio do dia, a eletricidade no mercado grossista é gratuita e, por vezes, até está a preço negativo, porque há muita energia solar instalada", disse Ponec, "e estamos a ver o mesmo noutros estados com a energia eólica. O problema é que não se pode fechar uma fábrica quando o Sol se esconde atrás de uma nuvem ou o vento para de soprar, e é exatamente nesse problema que nos concentramos".

Embora a palavra "bateria" evoque muito provavelmente o tipo de bateria química que se encontra nos automóveis e na eletrónica, as pedras quentes armazenam atualmente dez vezes mais energia do que o ião de lítio graças a uma invenção do século XIX conhecida como fogão de Cowper. Frequentemente encontradas em fábricas de fundição, estas enormes torres de tijolos empilhados absorvem o calor desperdiçado de um alto-forno até atingir cerca de 1600 graus Celsius, fornecendo depois mais de 100 megawatts de energia térmica durante cerca de 20 minutos.

O processo pode ser repetido 24 vezes por dia durante 30 anos, e a Antora está entre as empresas start-up que estão a fazer experiências com diferentes tipos de pedras em caixas isoladas ou sal fundido em cilindros, para encontrar a combinação mais eficiente.

"Ficámos bastante intrigados com a grafite por uma série de razões", disse Ponec. Este carbono barato e abundante encontrado nos lápis - que também é usado para fundir alumínio e aço - pode reter tanto calor que o faz brilhar mais do que o Sol.

"O fator-chave é que esses fornos não tinham uma forma de extrair o calor. Acrescentámos algumas cavidades, algumas aberturas no carbono que permitem a saída da luz, e algumas portas isoladas que podem abrir e fechar e que permitem a saída dessa luz quando queremos. No futuro, utilizaremos essa luz não só para criar vapor, mas também para criar calor a temperaturas muito mais elevadas para indústrias como a do cimento e do aço".

Ponec segura um bloco de carbono como o que é usado na bateria térmica da Antora. Julian Quinones/CNN
A caixa que contém os blocos de carbono superaquecidos, que Ponec disse serem mais quentes do que o ponto de fusão do aço. Julian Quinones/CNN

A Antora conseguiu cerca de 73 milhões de euros em capital inicial de investidores, incluindo Bill Gates, mas o seu principal concorrente é outra empresa da zona de São Francisco chamada Rondo, que utiliza tijolos refratários, que são mais baratos do que o carbono em peso, mas não tão densos em termos energéticos. A Rondo atraiu ainda mais dinheiro do que a Antora e a sua primeira bateria está a produzir energia comercial para uma fábrica de etanol na Califórnia.

"Tivemos esta descoberta que nos permite aquecer o tijolo diretamente com infravermelhos", disse o CEO da Rondo, John O'Donnell, à CNN. "Soubemos imediatamente, com base em relatórios de engenharia de terceiros, que este material iria durar 100 anos."

A Tesla previu recentemente que um mundo sem emissões de carbono necessitará de uns impressionantes 240 terawatts-hora de armazenamento de energia - mais de 340 vezes a quantidade de armazenamento construída com baterias de iões de lítio em 2022. O'Donnell prevê que mais de metade de toda essa nova capacidade venha a assumir a forma de baterias térmicas, simplesmente porque as matérias-primas estão prontamente disponíveis.

Ao ligarem as suas fábricas a tantas baterias térmicas quantas as necessárias, os fabricantes não terão de esperar anos a fio por ligações à rede e atualizações.

Tendo em conta este potencial financeiro, a velha frase anglófona "burro como uma caixa de pedras" poderá ter de ser revista para esta nova revolução industrial.

"As tecnologias excitantes são ótimas se formos capitalistas de risco e péssimas se formos banqueiros", disse O'Donnell. "E são os banqueiros e o pessoal do financiamento de infraestruturas que gostam de toda esta classe de tecnologias. Não é particularmente sexy, mas isso é uma coisa muito boa."

"Ambas as empresas tratam do armazenamento de calor e energia", disse Jesse Jenkins, professor de engenharia na Universidade de Princeton. "E penso que, tal como o hidrogénio, que também tem um papel flexível a desempenhar, é este tipo de tecnologia de armazenamento de longa duração que me deixa mais otimista".

Jenkins, especialista em sistemas energéticos à escala macro, é também consultor da Rondo e afirma que o modelo de pedras quentes tem uma vantagem distinta em relação às baterias químicas que podem armazenar energia, mas não calor.

"Se conseguirmos fazer as duas coisas, podemos aproveitar as curvas de custos e as vantagens de escala nos setores industriais de maior dimensão, ao passo que algumas das empresas de baterias eletroquímicas mais puras se encontram num momento decisivo”, disse Jenkins à CNN.

As pedras são aquecidas por milhares de painéis fotovoltaicos que rodeiam o protótipo da Antora Energy a oeste de Fresno. Julian Quinones/CNN

Tanto o CEO da Antora como o da Rondo participaram na cimeira do clima COP28, no Dubai, onde o poder dos petro-Estados do Médio Oriente foi suficiente para enfraquecer o compromisso global de acabar com os combustíveis fósseis. Mas ambos regressaram entusiasmados com o interesse nas suas ideias e com as dezenas de outras descobertas no domínio das energias limpas.

"Se me tivessem perguntado há cinco ou dez anos, eu teria dito: 'Não tenho a certeza de que temos tudo o que precisamos para descarbonizar'", disse Ponec, passeando pelos painéis solares que alimentam a sua bateria, enquanto uma central elétrica a gás nas proximidades estava inativa. "Mas, atualmente, temos as ferramentas de que precisamos. Só precisamos de as utilizar. A transição é inevitável. Vai acontecer. E se falarmos à porta fechada com a maior parte das pessoas da indústria dos combustíveis fósseis, elas dirão a mesma coisa".

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