Dois relatórios colocaram Patrícia Dantas no meio do megaprocesso de fraude que a fez desistir de ir para o Ministério das Finanças

17 abr, 07:00

Processo sobre uso indevido de fundos europeus colocou ex-deputada do PSD no banco dos réus. Em causa está o serviço que a entidade que liderava prestou à Oficina da Inovação, uma das empresas acusadas de receber financimentos ilícitos. Defesa de Patrícia Dantas quer desmontar tese do MP de que foram prestados trabalhos que "não têm correspondência com a realidade". Esta terça-feira, dia em que se iniciaram as alegações dos arguidos no tribunal, recuou na ideia de ir para adjunta de Miranda Sarmento

Um conluio para ter acesso a fundos europeus. É nesta teia que o Ministério Público suspeita estar envolvida Patricia Dantas, a ex-deputada social-democrata que desistiu agora de ser adjunta do ministro das Finanças, Miranda Sarmento. Segundo o processo, a que a CNN Portugal teve acesso, Patricia Dantas é acusada de um crime “de fraude na obtenção de subsídio” para uma empresa de Braga, chamada Oficina da Inovação S.A. Esta última foi dirigida durante algum tempo por André Vieira de Castro, também arguido deste caso e que liderou a Associação Industrial do Minho – organismo que, de acordo com a acusação, é o centro deste mega-processo de uso indevido de fundos europeus e que envolve mais de 100 arguidos.

Patricia Dantas era na época gerente da CEIM - Centro de Empresas e Inovação da Madeira, uma incubadora de startups tutelada pela vice-presidência do governo regional da Madeira, e que ajudava empresas a implementar projetos de inovação, na região. É no âmbito desta sua função que é agora acusada de estar envolvida, de acordo com os documentos do MP, num plano que visava a atribuição indevida de cofinanciamento público a esta empresa.  O MP defende, aliás, que estas ações resultaram em perdas de vantagem para o Estado de mais de 484 mil euros, “resultantes de factos ilícitos”.

Em causa no que se refere a Patricia Dantas estão, pelo menos, dois relatórios do organismo que liderava sobre a ação da empresa que o MP considera fazerem parte da estratégia de obtenção de fundos indevidos por parte da Oficina da Inovação.  

Trata-se de relatórios de acompanhamento e de avaliação do chamado projecto I9EIBT.  Projeto este promovido pelo BICMinho (é uma instituição sem fins lucrativos certificada pela União Europeia para a promoção do empreendedorismo e da inovação), que disponibilizou 760 mil euros para apoios à criação de empresas inovadoras de base tecnológica e que era Financiado a 70% pelo programa ON.2 – suportado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder). 

Estes dois relatórios, um intercalar em janeiro de 2013 e outro final em julho do mesmo ano, tinham o objetivo de acompanhar e avaliar o projecto I9EIBT. Foram também alguns dos documentos que as autoridades procuraram nas buscas que realizaram à sede da Oficina da Inovação, em 2017.

Patricia Dantas nega qualquer envolvimento e na contestação que a sua defesa enviou logo para o processo, alega que não teve qualquer intervenção. De acordo com o documento que consta do processo, o seu advogado defende que “o único facto alegado na acusação que lhe diz diretamente respeito “ é o de “ser gerente da CEIM”. “Não existe, em toda a acusação, qualquer outra referência a qualquer intervenção ou facto praticado pela arguida”, escreveu a defesa, acrescentando que Patrícia Dantas “é acusada e pede-se a sua condenação, só e apenas por ser gerente da CEIM!”.

O caso está agora em julgamento, no juízo central criminal de Braga, precisamente nas alegações da defesa, que tiveram inicio esta terça-feira, dia 16 de abril. Para esta quarta-feira está prevista a continuação destas alegações por parte dos advogados dos arguidos. 

Ao todo, são 120 arguidos que estão a ser julgados há quase um ano. A própria dimensão do processo levou a que se tivesse de realizar o julgamento no salão dos Bombeiros de Barcelos. Em causa, estão crimes de associação criminosa, fraude na obtenção de subsídios, burla qualificada, branqueamento, falsificação e fraude fiscal qualificada, cometidos entre 2008 e 2013

O inquérito teve início em 2012, na sequência de uma denúncia do Organismo Europeu de Luta Antifraude e durante a investigação foram realizadas quase 100 buscas e obtidas provas através de escutas telefónicas e de interseção de correspondência eletrónica. De acordo com o Ministério Público, foram investigadas 109 operações cofinanciadas por fundos europeus e pelo Orçamento do Estado, numa fraude que terá alcançado os 9 milhões e 700 mil euros.

 

MP fala em 484.498,49€. Defesa refere pagamentos de 12.200 €

Quanto a Patricia Dantas, na contestação enviada para o processo, a defesa contraria desde logo os valores apontados pelo MP, dizendo que “apenas a título de lapso (lamentável e manifesto) se compreende aquilo que o Ministério Público refere sobre “a vantagem patrimonial total de 484.498,49€, que deve ser declarada perdida a favor do Estado, em resultado de constituir vantagem resultante daqueles factos ilícitos típicos”. 

Segundo a defesa, este “ alegado benefício” corresponderia assim, “quando muito”, a 10.000,00€ + 2.200€ de IVA, o valor que o CEIM recebeu em contrapartida dos serviços prestados para a realização dos dois relatórios de acompanhamento e avaliação do projeto I9EIBT . “Nunca à exorbitante e absurda quantia incompreensivelmente indicada pelo MP”.

A defesa da ex-deputada social-democrata, que foi também diretora regional adjunta da Madeira com a pasta da Economia, pretende também desmontar a tese da acusação de que a forma como os relatórios foram feitos são sinais de que os serviços prestados pelo CEIM “não têm correspondência com a realidade” e que é “impossível” que os mesmos “possam ter correspondido ao efetivo acompanhamento do projeto”, como afirma o Ministério Público.

Por um lado, sublinha o advogado de defesa Anselmo Costa Freitas, a ideia lançada pelo MP de que os relatórios estavam desaparecidos do dossier do projeto da Oficina da Inovação, alvo de buscas em 2017, e do registo do POR Norte é “alheia” a Patrícia Dantas e ao CEIM. “O facto de os relatórios não estarem devidamente arquivados na Oficina da Inovação ou no POR Norte, 4 anos depois da sua elaboração e entrega, não pode essa falha permitir que se conclua o que quer que seja”. 

Também a acusação de que os relatórios não vinham marcados com o logótipo do CEIM é para a defesa “uma constatação totalmente neutra, que nada tira nem põe quanto ao acompanhamento do projeto”. Por outro lado, contesta ainda o argumento do MP que levanta a dúvida sobre o facto de Patrícia Dantas ser a gerente de um organismo com sede na Madeira que foi contratado para avaliar um projeto em Braga. “Pretender que uma incubadora de empresas tecnológicas, ao tempo já com cerca de 15 anos de experiência de apoio ao tecido empresarial, habituada e habilitada a trabalhar de uma forma digital e desmaterializada, não pode avaliar um projecto em Braga, é algo que tem tanto de redutor como de infundado”, refere a defesa da social-democrata.

Empresa de inovação está em liquidação

A empresa Oficina da Inovação, que contratou os serviços do CEIM, gerido na altura por Patrícia Dantas, foi constituída em 2006. Pouco tempo depois, em 2008, o empresário André Marques Vieira de Castro foi nomeado administrador, tendo ocupado esse cargo até 2018, ano em que a empresa entrou em liquidação.

Ambos os relatórios executados pela empresa da Madeira terão sido realizados entre 2012 e 2013, período em que Vieira de Castro ocupava também a vice-presidência da Associação Industrial do Minho. O empresário, que é o principal arguido neste processo, deixou o cargo desta associação também em 2018, ano em que a AIMinho entrou em liquidação após se descobrir que tinha uma dívida superior a 12 milhões de euros, sendo que dois dos seus maiores credores foram a Caixa Geral de Depósitos e o Novo Banco.

Segundo a acusação do Ministério Público, "a AIMinho e pessoas coletivas (empresas) que à sua volta gravitavam foram utilizadas pelos arguidos para obterem subsídios de forma fraudulenta". "Ficou igualmente indiciado que os arguidos agiam de forma organizada e recorriam, designadamente, à emissão de faturas falsas, através de acordos estabelecidos entre as várias entidades deste universo, conseguindo também diminuir artificialmente a matéria coletável e pagar menos impostos", aponta o MP.
 

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