"Falar com pessoas abusadas é uma experiência muito dolorosa, o que também é bom para mim" - a explicação do Papa Francisco, que está "informado" sobre o processo em Portugal

7 ago 2023, 10:16

Papa admite encobrimento da Igreja e pede responsabilidades, mas confessa-se "tranquilo" com a forma como tudo está a acontecer no nosso país

A pergunta era dura e o Papa Francisco não se desviou na resposta: "Na Igreja seguimos mais ou menos o mesmo comportamento que é seguido nas famílias e na vizinhança: cobrimos isto." O líder da Igreja Católica falava sobre a questão do abuso sexual de menores, admitindo que muitos representantes religiosos agiram da pior forma perante aquilo que considera uma "praga, um escândalo terrível".

Em conferência de imprensa no voo que o levou de Lisboa até Roma, depois de cinco dias passados em Portugal para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Papa disse que ainda é o tempo de "maturar" sobre o assunto, mas já vê a Igreja "mais consciente", sobretudo por causa do escândalo em Boston, Estados Unidos, que desvendou uma rede clara de abusos sexuais sobre menores.

"Não se podem seguir caminhos aleatórios, temos de pegar o touro pelos cornos", pediu Francisco.

O Papa continua a pedir "tolerância zero" para estes casos, mas confessa que o ajuda a lidar com a situação conhecer as vítimas. Foi o que fez em Portugal, onde esteve com 13 pessoas que foram abusadas no seio da Igreja, e que constam do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que detetou mais de 4.800 casos em Portugal.

Indo mais a fundo na questão que lhe foi feita, e que pretendia perceber qual a visão do Papa sobre o que deve acontecer aos responsáveis pelos abusos, Francisco pediu a todos, abusadores ou encobridores, que assumam as suas responsabilidades. "Os padres que, de alguma forma, não assumiram a responsabilidade, têm de assumir a responsabilidade por esta irresponsabilidade", disse, falando num "mundo severo", mas pedindo abertura a todos os envolvidos para que se denunciem estes casos.

Apesar disso, e mesmo atendendo aos números recolhidos pelo relatório da comissão independente, o Papa entende que o processo em Portugal "está a correr bem e com serenidade". Francisco lamentou que alguns dados sejam "exagerados", mas confessou-se "tranquilo" com a forma como tudo está a acontecer no país.

"Falar com pessoas que foram abusadas é uma experiência muito dolorosa, o que também é bom para mim, não porque gosto de ouvir, mas porque me ajuda a lidar com este drama. Assim, respondendo à pergunta, digo o seguinte: o processo está a correr bem, estou informado de como as coisas estão a correr", concluiu.

Leia a resposta do Papa Francisco sobre a questão dos abusos sexuais:

"Como todos sabem, num assunto que é privado, recebi um grupo de pessoas que foram abusadas. Como sempre faço nestes casos, falámos sobre esta praga, este escândalo terrível. Na Igreja seguimos mais ou menos o mesmo comportamento que é seguido nas famílias e na vizinhança: cobrimos isto… pensamos que 42% dos abusos ocorrem em locais de família ou de vizinhança. Ainda temos de maturar e ajudar a descobrir coisas. Desde o escândalo de Boston a Igreja tornou-se mais consciente de que não se podem seguir caminhos aleatórios, mas que temos de pegar o touro pelos cornos.

Há dois anos e meio houve um encontro entre os presidentes das Conferências Episcopais, onde as estatísticas oficiais sobre os abusos foram fornecidas. E é sério, uma situação muito séria. Na Igreja existe uma expressão que usamos sempre: ‘tolerância zero, tolerância zero’. E os padres que, de alguma forma, não assumiram a responsabilidade, têm de assumir a responsabilidade por esta irresponsabilidade… o mundo dos abusos é muito severo, e peço a todos que sejam abertos sobre isto. Sobre como processar o que está a acontecer na Igreja portuguesa: está a correr bem. Está a correr bem e com serenidade; a seriedade é procurada nos casos de abuso. Os números às vezes são exagerados, às vezes pelos comentários que gostamos sempre de fazer, mas a realidade é que está a correr bem e isso dá-me tranquilidade.

Queria falar sobre uma coisa e peço-vos que colaborem. Têm um telemóvel hoje? Um telemóvel. Bem, em qualquer um desses telemóveis, por um preço e uma password, têm acesso a abuso sexual de crianças. Isto chega às nossas casas e o abuso sexual de crianças é filmado em direto. Onde é filmado? Quem são os criminosos? Esta é uma das pragas mais sérias em todo o mundo, mas quero enfatizar isto, porque às vezes não percebemos que as coisas são tão radicais. Quando utilizamos uma criança para fazer um abuso, isso chama a atenção. Abuso é como consumir a vítima, não é? Ou pior, magoá-la e deixá-la viva.

Falar com pessoas que foram abusadas é uma experiência muito dolorosa, o que também é bom para mim, não porque gosto de ouvir, mas porque me ajuda a lidar com este drama. Assim, respondendo à pergunta, digo o seguinte: o processo está a correr bem, estou informado de como as coisas estão a correr. As notícias podem exagerar a situação, mas, do que sei, está a correr bem. Mas também digo: ajudem. Ajudem para que todos os tipos de abuso acabem, o abuso sexual não é o único.

Também existem outros tipos de abuso que são de bradar aos céus: a exploração infantil, a exploração infantil acontece; o abuso de mulheres, não? Ainda hoje, em muitos países, fazem cirurgias em pequenas meninas: os seus clitóris são removidos, e isso acontece hoje, e é feito com um x-ato, e adeus… crueldade… e o abuso laboral, tal como o abuso sexual, que é sério, e tudo mais: existe uma cultura de abuso que a Humanidade deve rever e entrar em conversão".

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