Desde a ecologia à redistribuição de rendimentos, o que prega a economia de Francisco?

ECO - Parceiro CNN Portugal , Mariana Espírito Santo
5 ago 2023, 18:39
Papa Francisco a chegar ao Parque Eduardo VII, em Lisboa - Jornada Mundial da Juventude (LUSA/Miguel A. Lopes)

O Papa Francisco tem apelado à necessidade de uma nova visão para a economia, tendo em vista corrigir desequilíbrios económicos e preocupações com as questões ecológicas e ambientais.

Ecologia, pessoas e o bem comum. São estes os princípios defendidos pela Economia de Francisco, que é inspirada em São Francisco de Assis e encorajada pelo Papa. Ainda que tipicamente a economia não seja o cerne dos discursos do sumo pontífice, esta semana em Portugal, durante a Jornada Mundial da Juventude, tem existido um apelo a repensar algumas questões da sociedade e olhar para elas com outra visão, segundo um quadro que não se apresenta como um novo modelo ou teoria económica.

Esta chamada Economia de Francisco “trata-se de um movimento criado pelo Papa em 2019 junto dos jovens, apelando à criação de uma nova economia, mais justa, inclusiva e respeitosa da natureza”, explica o economista João César das Neves ao ECO. “Trata-se do segundo movimento económico criado pelo Papa Francisco, depois do Encontro dos Movimento Populares em 2014”, acrescenta. O objetivo é “mudar os critérios, colocando a pessoa e não o dinheiro no centro: trata-se de uma nova atitude de amor e caridade”, indica.

Para José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, “o Papa Francisco introduziu uma visão progressista e humanitária sobre a economia quando disse que há uma economia que mata e tem que haver outra economia que se dirige a questões como o bem comum, às questões da sustentabilidade, do bom uso de recursos, da integração das pessoas e sobretudo uma economia que seja justa do ponto de vista da inclusão das pessoas nessa economia e na repartição do rendimento”, indica ao ECO.

“É uma economia justa na forma como se organiza, mas também uma economia que seja justa relativamente às pessoas e isso tem a ver com o modo como as pessoas são integradas, o tipo de empregos e forma como são remuneradas”, explica. As ideias têm assim, na base, “a forma como inclui as pessoas e como reparte rendimentos”.

Nas palavras do Papa Francisco, a “boa política” pode “gerar esperança” e “não é chamada a conservar o poder, mas a dar às pessoas a possibilidade de esperar”. “É chamada, hoje mais do que nunca, a corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riquezas mas não as distribui, empobrecendo de recursos e de certezas os ânimos. É chamada a voltar a descobrir-se como geradora de vida e de cuidado da criação, a investir com clarividência no futuro, nas famílias e nos filhos, a promover alianças intergeracionais, onde não se apague o passado mas se favoreçam os laços entre jovens e idosos”, defendeu, num discurso no Centro Cultural de Belém.

Para o sumo pontífice, a educação tem uma importância “que não pode limitar-se a fornecer noções técnicas para se progredir economicamente, mas destina-se a introduzir numa história, transmitir uma tradição, valorizar a necessidade religiosa do homem e favorecer a amizade social”.

Papa Francisco defende ainda que “temos necessidade duma ecologia integral, de escutar o sofrimento do planeta juntamente com o dos pobres; necessidade de colocar o drama da desertificação, em paralelo com o dos refugiados; o tema das migrações, juntamente com o da queda da natalidade; necessidade de nos ocuparmos da dimensão material da vida no âmbito duma dimensão espiritual. Não queremos polarizações, mas visões de conjunto“, como disse esta quinta-feira, num discurso na Universidade Católica Portuguesa (UCP).

Esta universidade anunciou no mesmo dia que iria avançar com o lançamento da nova cátedra “Economia de Francisco e de Clara” – Clara de Assis, fundadora do ramo feminino da ordem Franciscana –, “dedicada a acolher iniciativas transversais em todas as áreas de saber da universidade, destinadas a promover os princípios da Economia de Francisco [São Francisco de Assis] e desenvolver um modelo social dignificador das pessoas e do ambiente”, como anunciou a reitora Isabel Capeloa Gil. Terá como base o novo “Campus Veritati” da universidade, situado na zona norte do atual campus em Lisboa.

Isabel Capeloa Gil explica ao ECO que a Cátedra Economia de Francisco e de Clara “consiste num conjunto de iniciativas de caráter pedagógico, investigação e traslação, coordenadas e orientadas por um professor cuja investigação esteja particularmente vocacionada para o desenvolvimento dos temas associados ao Movimento da Economia de Francisco”. Vai tratar temas como economia para a sustentabilidade; ecologia integral, combate à pobreza e crescimento económico; cultura e ambiente e equidade intergeracional, contemplando palestras, seminários e projetos de investigação.

Mas afinal, quais são estes princípios? Segundo o hub Economia de Francisco, criado em Portugal, existem três pontos centrais: pessoa humana, tendo como base uma “nova economia com centro na pessoa, uma economia mais humana e inclusiva que dê voz aos mais frágeis“; ecologia integral, onde se defende a necessidade de “trabalhar em conjunto para desenhar soluções e produzir conhecimento que contribuam para uma sociedade mais justa e fraterna, onde haja lugar para todas as pessoas”; e finalmente o bem comum, que prevê “trabalhar em rede para desenhar soluções ou produzir conhecimento que contribuam para uma sociedade mais justa e fraterna”.

Para a reitora da UCP, “os princípios da Economia de Francisco e de Clara, relacionados com o pugnar por um desenvolvimento económico mais sustentável e que sirva as pessoas, não são apenas viáveis, como urgentes face aos enormes problemas da sociedade atual”. “A sua implementação exige consciencialização, aprofundamento científico e análise com base em evidência, uma estratégia educativa e decisão política, que poderá apenas ocorrer por vontade dos eleitores nas nossas sociedades democráticas”, diz. “Ou talvez não, se existir verdadeira coragem política e comprometimento com o horizonte de uma sociedade que potencie o desenvolvimento das pessoas e a proteção do planeta”, acrescenta.

O economista César das Neves também defende que esta filosofia é viável atualmente, tendo em conta que “já existe em muitas empresas, ONGs, fundações, ordens religiosas, e paróquias”. No entanto, há desafios como “lidar com a injustiça, o ambiente e a pobreza”, sendo que, para o economista, “todos compreendem a necessidade disso”.

O sumo pontífice, na passagem por Lisboa, referiu ainda outras preocupações para os jovens, que acabam por abordar alguns problemas da economia atual, nomeadamente “a falta de trabalho, os ritmos frenéticos em que se veem imersos, o aumento do custo de vida, a dificuldade em encontrar casa e, ainda mais preocupante, o medo de constituir família e trazer filhos ao mundo”, disse num discurso quarta-feira.

Apesar desta passagem por Portugal ter dado a oportunidade de expressar esta visão, para o economista José Reis, “a economia de Francisco não esteve presente na forma como foram concebidas estas JMJ“, sendo mais parecido com “capitalismo desenfreado” e uma posição “ostentatória”, nomeadamente na forma de gasto de recursos, argumenta.

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