Quem é a mulher a quem o Papa beijou a mão? É Alma Desjarlais - e Francisco quis muito pedir-lhe perdão

25 jul 2022, 18:44
Papa Francisco beija a mão de uma sobrevivente de uma escola residencial, Elder Alma Desjarlais (Nathan Denette/The Canadian Press via AP)

O gesto de humildade do Papa Francisco está a emocionar o Canadá

O Papa Francisco chegou ao Canadá para uma “peregrinação penitencial” pelo papel da Igreja Católica durante o tratamento das populações indígenas. À chegada ao aeroporto de Edmonton, Francisco protagonizou um momento emocionante, onde se baixou para beijar a mão de Alma Desjarlais, num gesto de humildade utilizado no passado para com os sobreviventes do Holocausto.

Alma Desjarlais é representante de um dos três principais grupos indígenas mas tem uma característica que o destaca dos restantes: sobreviveu aos abusos cometidos nos pensionatos indígenas, onde mais de 150.000 crianças indígenas foram recrutadas à força para mais de 130 destas instituições. Aí foram isolados das famílias, da língua e cultura, e foram frequentemente vítimas de violência. Pelo menos 6.000 crianças morreram nestas instituições.

Alma Desjarlais, nascida no Frog Lake, em Alberta, descende da tribo Cree, acabou por ser posta de parte pela sua própria tribo após ter casado com um homem da tribo Métis, da qual faz agora parte. Mesmo com a repressão de que foi alvo, preservou a língua dos seus antepassados, o N’hiawuk, e as práticas de curandeira, que aprendeu da sua avó.

“Antigamente, a mulher era a espinha dorsal da família. Quando os homens iam caçar, elas mantinham as fogueiras em casa e cuidavam da família. E dizia-se que de certa forma uma mulher sempre teve mais voz do que os homens. E agora entrámos nesta outra sociedade. Agora a mulher ficou atrás”, escreveu Alma Desjarlais num artigo académico, chamado “Indigenous Digital Storytelling in Video: Witnessing with Alma Desjarlais”, publicado em 2011.

Recentemente, o governo canadiano admitiu a existência de abuso físico e sexual nas escolas cristãs financiadas pelo Estado que funcionaram do século 19 até à década de 1970. A descoberta em 2021 de mais de 1.300 sepulturas não identificadas perto destas escolas provocou uma onda de choque no país, que está lentamente a descobrir para este passado, descrito como "genocídio cultural" por uma comissão nacional de inquérito.

O Papa Francisco pediu hoje “perdão pelo mal cometido” contra os nativos do Canadá, em particular nos internatos para crianças geridos pela Igreja Católica, e lamentou que alguns dos seus membros tenham “cooperado” em políticas de “destruição cultural”.

"Estou triste. Peço perdão", referiu o sumo pontífice da Igreja Católica a milhares de nativos em Maskwacis, no oeste do Canadá, país onde chegou no domingo para uma “peregrinação penitencial”, um gesto esperado há anos.

Referindo-se a um “erro devastador”, o Papa Francisco reconheceu a responsabilidade da Igreja num sistema em que "as crianças sofreram abusos físicos e verbais, psicológicos e espirituais".

Francisco vai visitar também a cidade de Quebeque e Igaluit, a capital do território de Nunavut, uma cidade do extremo norte do Canadá no arquipélago ártico. Antes de deixar Roma, o Papa enviou uma mensagem na rede social Twitter aos seus "queridos irmãos e irmãs no Canadá".

"Venho entre vós para me encontrar com os povos indígenas. Espero que, com a graça de Deus, a minha peregrinação penitencial possa contribuir para o caminho de reconciliação já iniciado. Por favor, acompanhem-me em oração", escreveu.

No avião, voltou a sublinhar aos jornalistas o aspeto penitencial da sua viagem, que é principalmente dedicada aos povos aborígenes, ameríndios ancestrais que representam hoje 5% da população do Canadá e que formam três grupos: as Primeiras Nações, os Métis e os Inuits.

Os últimos foram submetidos durante décadas a uma política de assimilação forçada, nomeadamente através de um sistema de escolas residenciais para crianças, subsidiado pelo Estado mas administrado na sua maioria pela Igreja Católica.

"Esta viagem histórica é uma parte importante do processo de cura" mas "há ainda muito a fazer", disse George Arcand Jr, grande chefe da Confederação das Primeiras Nações, numa conferência de imprensa em Edmonton na quinta-feira.

O Papa já pediu desculpa a uma delegação de nativos canadianos no Vaticano, em abril passado.

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