Entre Linhas: Tiba e Matias são portugueses de segunda?

18 set 2015, 10:03
Marco Matias (Reuters)

A reputação de jogadores que crescem fora dos grandes

«Fui jogador e percebo onde ele quer chegar. Se lhe perguntarem se alguma vez manifestei a vontade que ele saísse, isso nunca aconteceu. Contava com ele, ele é que quis sair.»


Paulo Fonseca, treinador do Sp. Braga, respondeu dessa forma à curta explicação de Pedro Tiba para o seu afastamento da titularidade no clube minhoto e consequente saída para o Valladolid, da segunda liga espanhola.

Quando os jornalistas espanhóis questionaram Tiba sobre o tema, na cerimónia de apresentação, o português atirou de forma enigmática: «Perguntem ao treinador.»


Entre o troco de Paulo Fonseca e o desafio lançado pelo jogador sobram dúvidas que serão esclarecidas a médio prazo, como é habitual acontecer nestes casos inquinados. Não me parece lógico que a perda de espaço de Pedro Tiba se deva a uma mera questão desportiva ou a incompatibilidade tática com o 4x4x2 de Fonseca.

Na época 2014/15, o jogador recrutado ao V. Setúbal reforçou a sua posição como um dos melhores médios da Liga. Paulo Bento, antigo seleccionador, chegou a convocar Tiba para o encontro de qualificação frente à Albânia.

No espaço de um ano, entre setembro de 2014 e setembro de 2015, o jogador português vai de um bom clube e da Seleção Nacional para o Valladolid do segundo escalão espanhol.

Mais do que a sua saída abrupta, após arranque de época fora do onze arsenalista, surpreende o destino.



Acredito – e lamento – que um desempenho de nível superior em Portugal, fora da esfera dos grandes, seja insuficiente para despertar o interesse de clubes que disputem as principais Ligas europeias.

A impressão não é recente e sai reforçada após vários movimentos neste mercado de transferências.

Outro exemplo claro gira em torno de Marco Matias. Está igualmente na fase de plena maturidade na carreira (26 anos, Tiba tem 27) e terminou a época passada com assinaláveis 21 golos em 42 jogos pelo Nacional da Madeira.

A média de 0,5 golos por jogo surpreende e faz inveja a vários finalizadores consagrados. Marco Matias é extremo e ultrapassou as duas dezenas de golos num clube médio de Portugal, incluindo 17 na Liga, algo que nenhum jogador luso tinha conseguido na última década.

Matias tem mérito tremendo nesse registo mas a reputação não lhe garantiu um contrato de primeira. A melhor proposta surgiu do Sheffield Wednesday de Carlos Carvalhal, treinador que o conhece.

O português encantou no seu arranque no Championship, segundo escalão de Inglaterra. Ao quinto jogo, marcou um golaço que correu Mundo. E levantou novamente a interrogação: não é um português que justifique a primeira?

É certo que a Liga Adelante e o Championship, sobretudo este, são campeonatos de impacto e projeção, mas lamento profundamente que num ápice se distanciem nomes que podiam entrar no leque de opções da Seleção Nacional.

Urge mudar algo. Os portugueses continuam em minoria na Liga
 e os talentos que emergem fora dos grandes não saltam para os maiores palcos.

Estamos a perder talentos para escalões inferiores da Europa. Não chegariam todos ao mais alto nível, por certo, mas há por ali muito valor a justificar outro tipo de investimento.

No Valladolid de Pedro Tiba estão igualmente Bruno Varela (Internacional sub-21, cedido pelo Benfica) e André Leão, médio que fez épocas de qualidade em Paços de Ferreira.

No Sheffield Wednesday de Marco Matias jogam ainda Lucas João – chamado em março por Fernando Santos para o particular com Cabo Verde -, Filipe Melo (ex-Moreirense) e um José Semedo que demonstra o seu valor em Inglaterra desde 2007.

Se olharmos ainda para a Ligue 2 de França, salta à vista o fenómeno Metz. Com a entrada de Carlos Freitas na estrutura, o clube virou-se para o mercado português e conta atualmente com Tiago Gomes (Internacional AA), André Santos (outro Internacional AA), Nuno Reis (Capitão da Seleção sub-20 no Mundial de 2011), Candeias (ex-Internacional sub-21, cedido pelo Benfica) e Amido Baldé (ex-Internacional sub-21 por Portugal, agora Internacional AA pela Guiné Bissau).

Que conclusões devemos tirar perante esse cenário? O jogador português não tem qualidade de topo, toma decisões questionáveis na carreira ou vê-se sem espaço para crescer onde mais desejaria? Fica a síntese lógica: este não é certamente o melhor caminho para o futuro do futebol em Portugal.

Vídeo: o golo fantástico de Marco Matias em Inglaterra


Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)

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