Rijkaard também tinha Bigodes

13 ago 2015, 00:30
Jorge Gonçalves

A propósito do desaparecimento de Jorge Gonçalves

Foi no regresso de Kalmar, pequena cidade sueca onde o Sporting tinha cumprido a primeira parte da segunda eliminatória de mais uma edição da Taça das Taças. Foi no regresso de Kalmar, na conclusão de uma derrota dos leões pela diferença mínima, que surgiu pela primeira vez no meu horizonte o nome de Jorge Gonçalves, figura franca e afável onde pontificava um fantástico bigode. Homem de coração enorme, demasiado grande, e que tinha uma paixão incomensurável pelo seu clube, o Sporting – que, direta ou indiretamente, acabaria por ter efeitos nefastos na sua vida. E Jorge Gonçalves jamais será esquecido por mim, pois foi com a sua bênção que dei, passe a imodéstia, a primeira grande notícia da minha carreira: Rijkaard no Sporting.

Volto a Kalmar, pois em boa verdade foi aí que tudo começou – dos jornalistas que estiveram nessa jornada três já estão do lado onde também estará agora Jorge Gonçalves: Carlos Pinhão, Vítor Sérgio e José Mateus. Na viagem de regresso, reafirmo, no fundo do avião, o meu amigo Flávio (que mais tarde seria funcionário de Jorge Gonçalves em Angola) diz-me que está para chegar um grande jogador a Alvalade em condições muito especiais. Depois de muito insistir arranco-lhe o nome: Frank Rijkaard.

A primeira reação, tratando-se de quem era, foi «não acredito». Mas ele insistiu, dizendo-me para acreditar e guardar para mim. «Ok»… se calhar era verdade. Já no aeroporto de Lisboa nada tinha a perder. O primeiro ataque faço-o a João Lourenço, antigo craque leonino, e responsável, à altura, no departamento de futebol. Colocado perante a pergunta feita sem rodeios… sorri. Não fico satisfeito. Preciso de, no mínimo, mais um sorriso. «Ataco» o dr. Dias Ferreira e também ele me sorriu.

A verdade é que a manchete do jornal «O Jogo» dessa sexta-feira foi mesmo «Rijkaard no Sporting». Rodrigo Pinto, o meu então Chefe de Redação, e Serafim Ferreira, o Diretor dessa altura, ambos infelizmente desaparecidos não tiveram dúvidas e avalizaram, assim, a primeira grande notícia da minha carreira. Rijkaard acabou por estar em Lisboa, Jorge Gonçalves tudo fez para que ele tivesse jogado pelo «seu» Sporting, mas infelizmente isso não foi sonho que pudesse realizar. Mas foi o prenúncio da concretização de outro sonho: chegar à cadeira do poder leonino.

O Sporting foi um sonho concretizado na vida deste angolano de nascimento, amante dos desportos náuticos e de futebol, particularmente de futebol marcado a verde e branco, mas a sua chegada à liderança dos leões tornou-se num tormento, um tormento que este homem bom não merecia. Porque à sua volta se abriam a cada passo alçapões e porque atrás dessa vontade de o Sporting estar sempre em primeiro lugar desapareceu tudo aquilo que tinha construído e a parte mais significativa da sua vida.

Quando hoje alguns ainda dizem que Gonçalves foi o pior presidente do Sporting devem estar a esquecer-se de outros que passaram recentemente por Alvalade e deram corpo a situações se calhar bem mais gravosas do que algumas protagonizadas pelo bigodes
. Um sujeito bom com quem o clube do seu coração nunca acertou as contas que lhe eram devidas.

Rijkaard foi, diria, uma das pedras de toque da minha carreira, mas de Jorge Gonçalves jamais me esquecerei. Porque colateralmente foi ele o grande responsável de um dos momentos mais felizes da minha vida.

PS:
A Liga arranca esta sexta-feira. Curiosamente um dos clubes em ação na estreia será o do coração do infelizmente desaparecido ex-presidente, que tanto gostaria, tenho a certeza, de ver mais um arranque, lá em Luanda, da equipa que ele achava que jogava o melhor futebol na Terra.

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