"Ressuscitei 260 gajos", "a gente vai tomar conta do país": as suspeitas sobre os deputados do PSD na Operação Tutti Frutti

24 abr, 07:30
Tutti Frutti: crimes apontados a Medina e Duarte Cordeiro podem prescrever já para o ano

Pedidos de levantamento de imunidade parlamentar chegaram esta semana ao Parlamento e MP quer ouvir Carlos Eduardo Reis e Luís Newton por suspeitas de corrupção e tráfico de influências. Sérgio Azevedo, o nome que completa o trio principal dos sociais-democratas em investigação, já foi constituído arguido. Há ainda mais uma deputada recém-eleita alvo de suspeitas por burla

Menos de um mês depois de o atual Governo tomar posse, há já três deputados sociais-democratas que o Ministério Público quer constituídos arguidos. Foram alvo de pedidos de levantamento de imunidade parlamentar e tudo por causa da investigação ao caso Tutti-Frutti, que revelou um amplo esquema de negociação de cargos políticos entre o PS e o PSD na Câmara de Lisboa.

São eles Carlos Eduardo Reis, que muitos sociais-democratas apontam como o homem-forte de Montenegro em Barcelos; Luís Newton, presidente da Junta de Freguesia da Estrela que subiu a deputado estas legislativas; e Margarida Saavedra, antiga vereadora social-democrata em Lisboa que chegou a denunciar casos de corrupção na autarquia.

Os três deverão ser agora constituídos arguidos e o processo deve conhecer acusação em junho. Além deles, apurou a CNN Portugal, o ex-deputado Sérgio Azevedo já foi também constituído arguido na semana passada e outros visados estão a ser chamados pelo Ministério Público para conhecerem o mesmo destino.

O pedido do Ministério Público para que fosse retirada a imunidade aos parlamentares surge por suspeitas de vários crimes, incluindo corrupção agravada, peculato, burla qualificada e tráfico de influências - suspeitas essas denunciadas há praticamente um ano pela TVI e CNN Portugal, que revelaram mais de 100 escutas a envolver o universo do esquema de alegada viciação de lugares autárquicos.

 "Fui à sede nacional no dia 17 e ressuscitei 260 gajos", disse o agora deputado Carlos Eduardo Reis

Essas escutas colocam Carlos Eduardo Reis, Luís Newton e Sérgio Azevedo no centro de todo o processo. O homem de Barcelos, que chegou a ameaçar a CNN Portugal com um processo em tribunal, é suspeito de dois crimes de corrupção, um de prevaricação e um de tráfico de influências. 

É indiciado neste processo também por ter usado a sua empresa, a Ambigold, para assegurar contratos em várias juntas de freguesia em Lisboa. Segundo o MP, foi precisamente graças às relações que mantinha com vários executivos de autarquias como Santo António, Estrela, São Domingos de Benfica e outras que lhe foi permitido lucrar mais de um milhão de euros em apenas dez ajustes diretos.

 Ao longo dos oito anos em que esta investigação tem decorrido, essa foi a conclusão a que chegaram os procuradores do caso: “As empresas de Carlos Reis vivem, como o próprio reconheceu, dos contratos públicos que consegue, por via daquelas relações, angariar”, escreveu a procuradora-adjunta do MP Andrea Marques, a 8 de junho de 2018, num despacho revelado pela CNN Portugal.

Mas no processo em curso, Carlos Eduardo Reis é também investigado pelos seus alegados esforços em arrecadar votos para as autárquicas de 2017 - foi mesmo apanhado em escutas pela Polícia Judiciária a falar sobre esse tema. “Fui à sede nacional no dia 17 e ressuscitei 260 gajos. Paguei 700 quotas de 5 freguesias”, referiu a 18 de dezembro de 2017 numa conversa com o ex-deputado Miguel Peixoto.

No processo, o nome de Carlos Eduardo Reis surge quase umbilicalmente ligado ao de Sérgio Azevedo, que foi vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, e que os procuradores deste processo apontam como o cabecilha de um esquema que visou um processo de “dominação das estruturas autárquicas (…) que permitem aos suspeitos obter vantagens patrimoniais (e não patrimoniais) à custa do erário público”. Azevedo foi ele próprio ouvido nas dezenas de buscas postas em marcha pela Polícia Judiciária. Em conversa telefónica com Carlos Eduardo Reis, o atual deputado lança o repto: “Aqui em Portugal os próprios partidos políticos controlam o Estado e a máquina”. E Sérgio Azevedo retorque: “Se a PJ tivesse mais meios estava tudo fodido”.

Numa outra ocasião, Sérgio Azevedo terá ido mais longe: “A gente vai tomar conta do país", referiu, tendo sido também escutado numa conversa onde se revelou confiante com o esquema em investigação pelo MP:  "A não ser que me apanhem numas escutas ou numas merdas manhosas", disse.

Já Luís Newton, que esteve 10 anos à frente da Junta de Freguesia da Estrela e que foi escolha de Luís Montenegro para integrar a composição parlamentar da AD por Lisboa, é “fortemente indiciado” de dois crimes de corrupção passiva e de prevaricação. Nas 11 mil páginas de investigação, o também presidente do PSD Lisboa é suspeito de ter sido corrompido para dar luz verde aos negócios com empresas de Carlos Reis.

Margarida Saavedra denunciou corrupção na Câmara de Lisboa

Há um ano, chegou mesmo a circular uma carta aberta entre militantes sociais-democratas descontentes com as suspeitas que recaíam sobre Newton e que tinha como intuito tentar provocar eleições para os oito núcleos do PSD Lisboa. Uma das vozes mais ferozes contra esta carta foi Margarida Saavedra, precisamente a deputada que foi esta semana alvo de um pedido de levantamento de imunidade também por causa do processo Tutti-Frutti.

Margarida Saavedra é, segundo o Ministério Público, suspeita de um crime de burla qualificada. A antiga vereadora da Câmara Municipal de Lisboa chegou, em entrevista ao SOL dois anos depois do início da operação, a denunciar casos de corrupção dentro da autarquia, à data dos factos governada pelo socialista Fernando Medina, também investigado. Foi ela, por exemplo, que alertou para “a questão de violação de regras urbanísticas” na construção da Torre de Picoas. 

Ora, é precisamente sobre a Torre de Picoas que a investigação a Fernando Medina incide. No correio eletrónico do agora deputado, a Polícia Judiciária encontrou provas de que o licenciamento de este edifício só foi autorizada depois do antigo dono ter tentado, durante anos, legalizar uma obra semelhante para a qual nunca conseguiu aprovação.

Ao mesmo tempo que a São Bento chegavam os pedidos do Ministério Público para retirar a imunidade parlamentar aos três eleitos - a lei que regula os estatutos dos deputados manda que os eleitos para o Parlamento não podem ser ouvidos como arguidos sem autorização da Assembleia da República -, vários outros suspeitos da operação Tutti Frutti, como Sérgio Azevedo, começaram a ser chamados para ser constituídos arguidos. 

Notícia corrigida para dar conta que Luís Newton mantém o cargo de presidente da Junta de Freguesia da Estrela.

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