Operação Influencer: As mais de 20 perguntas que o Tribunal da Relação diz terem ficado sem resposta

18 abr, 22:00
Start Campus (ECO)

Há pelo menos 25 questões “essenciais” e "importantes", expostas ao longo do acórdão conhecido esta quarta-feira, que o Ministério Público não conseguiu responder, apontam os juízes. Estão na sua maioria relacionadas com a forma como os procuradores deduziram conclusões sobre escutas a Diogo Lacerda Machado, Vítor Escária, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves

No princípio de 2023, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, os ex-administradores da Start Campus, depararam-se com um problema. Segundo a investigação do Ministério Público (MP), os dois arguidos da Operação Influencer “foram confrontados com resistência” e “menor celeridade” por parte de Ana Fontoura Gouveia, a secretária de Estado da Energia que veio substituir João Galamba quando este foi nomeado ministro das Infraestruturas de António Costa.

De acordo com MP, os dois empresários já tinham “adquirido o favor” de Galamba nos interesses da criação de um mega centro de dados em Sines, mas com a chegada desta nova governante, as dificuldades para esse projeto começaram a aumentar, nomeadamente no que toca à criação de um plano de reforço da capacidade da rede eléctrica que satisfizesse as necessidades de consumo do Data Center.

Foi nesse bloqueio que Afonso Salema e Rui Oliveira Neves terão sido apanhados numa escuta telefónica a raciocinar como poderiam ultrapassar os obstáculos alegadamente criados por Ana Fontoura Gouveia. E foi aí que Afonso Salema colocou o nome do antigo chefe de gabinete de Costa ao barulho: “Se o Escária disser para ela fazer isto, ela faz”. “Exatamente”, concordou Rui Oliveira Neves. 

Mas o que é o “isto”, a que os dois administradores da Start Campus se referem? Esta é apenas uma das dezenas de perguntas que o Tribunal da Relação afirma que o Ministério Público não conseguiu responder - um facto que pesou na decisão dos juízes de anular as medidas de coação pedidas pelos procuradores aos arguidos da Operação Influencer. Para além dessa questão inicial, sobre a conversa mantida no princípio de 2023, os magistrados sublinham outras “mais importantes”: “os encontros entre os representantes da Start Campus e os membros do governo aconteceram?” Se sim, então, “quais foram os assuntos das conversas mantidas no decurso desse encontro ou encontros?”

Além disso, diz o tribunal, ficou também por esclarecer se Salema e Oliveira Neves pediram “concretamente” à secretária de Estado que “decidisse ou mandasse decidir” pelo aumento da capacidade da rede eléctrica. De resto, continuam os magistrados, em que é que esse aumento da capacidade eléctrica “violaria ou não os deveres do cargo de cada um daqueles membros do poder político?”. “​​E tendo ocorrido que concretos actos de intrusão na vontade da Secretária de Estado da Energia e Clima foram praticados e por quem? Foi chantagem, foi só esforço de convencimento sobre as vantagens do empreendimento da Start Campus?”, questiona também o acórdão da Relação.

Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária / D.R

"As conversas telefónicas nada mais demonstram do que a sua própria existência"

As perguntas que o tribunal diz terem ficado sem resposta adensam-se por grande parte do acórdão, que foi conhecido esta quarta-feira, e estão na sua maioria relacionadas com a forma como o Ministério Público apresentou os resultados das escutas aos arguidos da Operação Influencer. Segundo os magistrados, em grande parte dessas conversas “não estão alegados factos, antes são reproduzidos os conteúdos dos meios de prova”. Isto é, na ótica deles, “as conversas telefónicas nada mais demonstram do que a sua própria existência”.

Para reforçar esse argumento, os juízes da Relação dão o exemplo das escutas realizadas a Afonso Salema e Rui Oliveira Neves a 24 de janeiro de 2023, altura em que ambos terão conversado sobre pedir a Diogo Lacerda Machado, reportadamente melhor amigo de António Costa, para interceder por eles junto do à data primeiro-ministro. De acordo com o Ministério Público, Afonso Salema menciona também um “almoço brutal” ao mesmo tempo que sublinha o entusiasmo de Galamba (“ele quer pôr isto tudo a mexer”) e Costa com o projeto do centro de dados e “com decisões a tomar em relação ao futuro da conectividade do país”.

Para o tribunal, sobre esta conversa em concreto, a questão que se deveria colocar é a de saber se as decisões a tomar em torno do futuro da conectividade do país, mesmo que favorecedoras do projecto de implementação do Data Center, “se encontravam a ser induzidas por efeito de uma intromissão no processo político, condicionamento ou total adulteração da vontade destes decisores públicos?” Ou se, por outro lado, o entusiasmo estava a ser gerado por se tratar de um investimento importante para o interesse do país?

O projeto para o Data Center, em Sines

Na primeira hipótese, questiona o tribunal, “quais terão sido, afinal, esses atos concretos de corrompimento da vontade presumível desses governantes, se livre e esclarecida e formada sem qualquer tipo de pressão?”. “Seria uma vontade diferente daquela a que os dois arguidos Afonso Salema e Rui Neves percepcionaram?” “Diferente em quê?” “E quem foram, afinal, os autores desses atos e a quem em concreto é que foram dirigidos?” “Que papel desempenhou o arguido Diogo de Lacerda Machado, na concretização do tal «almoço brutal»?” E “quem foram os intervenientes no almoço e o que é que foi falado neste almoço que possa representar uma violação dos deveres do cargo de membro do governo?”, indagam os juízes no acórdão.

As perguntas dos juízes desenvolvem-se também noutra escuta a uma conversa entre Afonso Salema e Diogo Lacerda Machado no dia 9 de fevereiro de 2023 e no dia 10 de março do mesmo ano. Nessas datas, Salema e Rui Oliveira Neves falavam sobre reuniões que foram sucessivamente adiadas com membros do Governo e como finalmente esse “assunto já foi resolvido”. Paralelamente, sobre a questão do reforço da capacidade da rede eléctrica, Lacerda Machado afirma que foram dadas indicações à “senhora” - que o MP acredita ser Ana Gouveia, secretária de Estado - “para despachar na sequência do que foi dito”. A antiga governante, apontou o arguido, foi “devidamente instruída”, e “estava ciente do que tinha que fazer”, estando “à procura da fundamentação da urgência, para ser inatacável a atribuição da capacidade de injecção”.

Mas sobre estas conversas, concluíram os juízes, também não foi possível tirar ilações concretas “para além de se saber que uma reunião foi marcada para uma determinada data depois de adiamentos”, e sobre os “fundamentos da decisão sobre o aumento da capacidade da rede eléctrica e à motivação da urgência da decisão”. Assim, questionam, “o que é que se pode retirar delas que seja relevante para o preenchimento do tipo de tráfico de influência ?”, crime que o MP aponta Diogo Lacerda Machado.

"Uma pergunta essencial"

“Com efeito”, sublinham os magistrados, “nem se sabe entre quem foi agendada a dita reunião, nem se chegou a ter lugar”. Mas há várias outras perguntas que, perante a conversa dos dois arguidos, os juízes dizem que o MP não conseguiu responder, como  quem é que falou, se é que falou, com a secretária de Estado?” - “Foi o arguido Diogo Lacerda Machado? Foi o arguido Vítor Escária ? Foram os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves em representação directa da Start Campus? Foram todos falar com a Secretária de Estado da Energia e do Clima? E disseram-lhe concretamente o quê?”

Apresentaram argumentos com base em “explicações técnicas, lógicas e plausíveis”, “ou com recurso a métodos persuasivos e/ou intimidatórios aptos a retirar a liberdade de decisão e ação à Secretária de Estado? Teria esta uma determinada opção que, por efeito da actuação conjunta ou isolada, mas concertada entre si, dos referidos arguidos, tenha adulterado a sua tomada de posição inicial?”

Em relação a todas estas questões, o acórdão destaca que, mesmo que “se pudesse deduzir” que houve “influência exercida” pelos arguidos junto dos decisores políticos, “fica sempre por responder” também “uma pergunta essencial”: “A influência materializou-se (...) através da exposição das características do projeto, dos seus benefícios e da sua urgência ou essa influência traduziu-se na utilização de relações profissionais, pessoais, de amizade, familiares, ao abrigo das quais os arguidos se imiscuíram de forma abusiva e atentatória da liberdade de pensamento e decisão daqueles governantes?” É da “resposta positiva ou negativa” a esta pergunta, aponta o acórdão “que depende, precisamente, a delimitação entre simples influência e a influência abusiva”. 

Contudo, concluíram os juízes, essa resposta não foi exposta pelo Ministério Público já que “toda a narrativa contida no requerimento” “assenta em expressões vagas e concludentes sobre a natureza ilícita da influência”. O “que não consente uma resposta positiva, ainda que só no domínio da mera probabilidade”.

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