Processo de Costa pode ou não descer para o DCIAP? Lei não é "nada, nada, nada" clara e, por isso, opiniões dividem-se. Mas cabe ao MP decidir

22 mar, 20:13

A hipótese foi lançada por Lucília Gago e num instante as dúvidas começaram a surgir. O problema: a lei não responde.

A procuradora-geral da República admitiu ser possível que o processo autónomo no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que visa o primeiro-ministro cessante António Costa, no âmbito da Operação Influencer, possa passar para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Mas a verdade é que a questão parece não ser tão linear como Lucília Gago faz parecer: especialistas falam em falta de clareza por parte da lei e dizem que apenas o Ministério Público pode decidir.

O inquérito que envolve António Costa, no qual é investigado por suspeitas de prevaricação, está sob a alçada Procuradoria-Geral da República junto do Supremo Tribunal de Justiça pois os factos agora investigados foram alegadamente praticados enquanto era primeiro-ministro. Mas deixando agora de o ser, pode António Costa juntar-se aos restantes elementos que estão a ser investigados pelo DCIAP? “A lei não resolve esta questão”, começa por dizer Rogério Alves. 

Em declarações à CNN Portugal, o comentador explica que “quando existe um processo criminal” que vise um primeiro-ministro, Presidente da República ou presidente da Assembleia da República, por exemplo, e se os factos forem “praticados nos exercícios das suas funções, o local competente para fazer a investigação, o inquérito é a Procuradoria-Geral da República junto do Supremo Tribunal de Justiça, tal como quem é competente para julgar é o Supremo Tribunal de Justiça”. Mas não há nada que explique o que acontece quando o visado cessa essas funções, podendo caber ao Ministério Público a decisão.

Segundo Rogério Alves, se o Ministério Público entender que, a partir do momento em que António Costa deixou de ser primeiro-ministro, não é da sua competência continuar com este inquérito, então pode remetê-lo para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal. E um dos motivos pelos quais pode querer fazê-lo, diz o comentador, prende-se com “uma certa unidade da investigação”, uma vez que é lá que os outros envolvidos na Operação Influencer estão a ser investigados.

Luís Menezes Leitão, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, partilha da opinião de que a lei não é “nada, nada, nada” clara e que “não prevê” que o processo tenha de ficar no Supremo apenas pelo facto de os atos investigados terem acontecido quando António Costa liderava o Executivo. “A verdade é que António Costa já não é primeiro-ministro e, a meu ver, já não tem o foro especial [para ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça], seria uma limitação”, diz o antigo bastonário, dizendo também que cabe ao Ministério Público decidir se o caso desce ou não para o DCIAP. Mas, adverte, assim que chegar a tribunal “é possível” que volte a ser decidido que volte a ser investigado pelo STJ, embora reconheça que essa não seria “uma interpretação correta” do caso. “Mas a lei não é nada clara”, vinca.

O jurista e professor universitário José Miguel Bettencourt também defende que, deixando António Costa de ser primeiro-ministro, “naturalmente” não faz sentido que o processo no qual está envolvido continue sob a alçada do Supremo. “Sendo até aqui o dr. António Costa primeiro-ministro de Portugal, um titular de um órgão de soberania, deixando de o ser passará o âmbito para uma esfera hierárquica inferior”, explica.

A alínea a) do ponto 3 do artigo 11.º do Código Penal - referente à Competência do Supremo Tribunal de Justiça - diz apenas que “compete ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal: Julgar o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados no exercício das suas funções”, não mencionado nada sobre o pós-mandato, isto é, se a investigação incide sobre a datas dos factos ou sobre a pessoa no cargo ocupado.

Adão Carvalho, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, tem uma visão oposta e diz que se os crimes terão sido cometidos enquanto primeiro-ministro e o processo começado nessa altura, então deve manter-se no STJ. “O processo de António Costa deve continuar no Supremo por uma questão de estabilidade processual”, diz, explicando que “Costa era primeiro-ministro quando a investigação começou”. “Não vejo motivos para mudar”, atira, em declarações ao Expresso, trazendo para o debate a diferença entre este processo e o que envolve outro antigo primeiro-ministro. “O caso de José Sócrates, por exemplo, é diferente porque já não era primeiro-ministro quando começou a ser investigado”.

António Costa já reagiu às declarações da procuradora-geral da República e deixou o recado: “Quando a Justiça quiser falar comigo, sabe onde eu estou, sabe qual é o meu número. Não falo com a Justiça através da comunicação social”, disse. 

A CNN Portugal contactou, por e-mail, a Procuradoria-Geral da República, que respondeu apenas que “de momento, nada a acrescentar às declarações de ontem da Procuradora-Geral da República”.

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