«As tácticas servem para não perder; para ganhar estão lá os jogadores»

21 fev 2001, 21:35

Modelos de jogo

- Nos aspectos tácticos não é complicado impor as suas ideias em poucos dias, muitas vezes ao arrepio das rotinas que os jogadores trazem dos clubes?

- Eu já defendo pelo menos desde 94/96 que Portugal, como qualquer grande selecção do Mundo, tem de ter o seu futebol padronizado. A partir das características-tipo dos nossos jogadores, que têm a ver com questões culturais, climáticas e outras, temos de construir um futebol onde o sistema táctico esteja claramente identificado, sem prejuízo de haver mudanças de estratégia de jogo para jogo. Claro que as diferentes ideias trazidas dos clubes podem dificultar essa definição de tarefas. Mas eu prefiro ver as coisas pela positiva e considerar essas diferenças como um factor de evolução dos jogadores. Em vez de fazerem só uma coisa, são capazes de responder de maneira diferente quando chegam aos clubes. Mas nunca esquecem o que fazem aqui. Essa é a base. Quer um exemplo? 

- Já agora...

- O Sérgio Conceição até pode ser ponta-de-lança no Parma, mas sabe que na selecção deve cumprir aquele papel que ele faz melhor do que ninguém. O Figo, a mesma coisa. Sem prejuízo de eu achar que a eventual polivalência destes elementos é benéfica para todos. Dei este exemplo precisamente pelo facto de serem os jogadores a quem pedimos mais trocas de posição, até porque temos um certo défice no lado esquerdo. É o talento destes jogadores que nos permite colocar um, ou o outro, na esquerda, na direita ou no meio, independentemente das funções que desempenham nos clubes. E o mesmo pode ser dito do Capucho e de outros. Essa riqueza táctica é usada em benefício da selecção sem prejuízo da nossa identidade. Todos ele sabem o que têm de fazer, seja qual for a posição em que actuem. Eu costumo dizer que a única coisa que não consigo dar aos jogadores é inteligência. Isso tem de partir deles. 

- Parece clara a linha de continuidade táctica entre a sua selecção de 94/96, a de Humberto Coelho, e a que agora volta a estar sob o seu comando.

- Sim. Se quiser reduzir isso a esquemas podemos falar de quatro defesas, dois médios mais recuados, um mais à frente, e três avançados, com um deles adiantado. Há quem lhe chame 4x2x3x1, ou 4x2x1x3. Eu chamo 4x2x4, porque considero que o Rui Costa funciona como segundo avançado no eixo. 

- Curiosamente, no balanço da primeira volta feito no Maisfutebol, verificava-se que esse 4x2x3x1, ou 4x2x1x3, estava a ser cada vez mais aplicado nas equipas da I Liga. Está a criar-se um padrão táctico para as equipas portuguesas, não apenas a selecção?

- Não quero ser pretensioso, por isso tanto poderemos ter sido nós a seguir essa tendência como, ao contrário, os clubes a adoptar o nosso modelo. Não há aqui questões de soberania ou hierarquia. Claro que para nós e para os próprios jogadores seria vantajoso que as equipas aplicassem um modelo semelhante ao nosso. Mas é uma opinião subjectiva, e até melidrosa, porque todos os treinadores têm as suas ideias, e eles é que sabem os recursos de que dispõem. O que eu acho, e aí já sem reservas, é que esse é o modelo que mais se coaduna com as potencialidades dos nossos jogadores. 

- Porquê?

- Porque nós somos muito criativos, tecnicistas e, de vez em quando temos um grande problema, que felizmente já não se verifica nas selecções: gostamos muito de jogar à bola, isto é, ter a bola no pé, ir com ela para a frente, enfeitar as coisas, esquecendo que cá atrás há tarefas indispensáveis. Este sistema dá um certo equilíbrio a esse nível, diminuindo os riscos e dando liberdade total aos 4/5 elementos mais criativos, sem cairmos na anarquia. 

- Ainda há quem aponte esse sistema como demasiado defensivo para a quantidade de talentos de que a selecção dispõe. Como responde a isso?

- Quase todas as equipas têm precauções semelhantes nos respectivos sistemas. Mas em relação a isso, quero acrescentar uma coisa: o treinador tem a responsabilidade de montar uma equipa sob o ponto de vista táctico. Mas a táctica só serve para não perder o jogo. Para ganhá-lo, estão lá os jogadores. Não há tácticas para ganhar jogos, é tão simples quanto isso. 

- Isso não esvazia o papel dos treinadores?

- Não, porque nós temos a responsabilidade de criar um sistema que dê aos jogadores a possibilidade de ganharem o jogo. Como? Dispondo-os no terreno de maneira a que o seu talento nos possa dar vantagem em determinadas zonas, mesmo que aí estejamos em inferioridade numérica. A táctica, no melhor, permite ir buscar vantagens ao adversário, à custa da dinâmica colectiva e do talento individual.  

- Que peso atribui à especificidade do adversário em cada jogo?

- Só há duas maneiras de abordar um jogo de futebol: ou pensando em nós, ou pensando no adversário. A nossa abordagem é sempre em função dos nossos jogadores, nunca em função dos outros. 

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