Afinal, qual é o rio mais longo do mundo? Esta expedição quer pôr fim à discussão

CNN , Elissa Garay
14 out 2023, 19:00
Vista aérea do rio Amazonas perto de Iquitos, na região de Loreto, no Peru. Em 2024, uma expedição irá percorrer 7.000 quilómetros do rio Amazonas através do Peru, Colômbia e Brasil. Pubbli Aer Foto/De Agostini/Getty Images

Uns dizem que é o Nilo, outros dizem que é o Amazonas. E este grupo de investigadores vai embarcar na aventura mais perigosa das suas vidas para o descobrir

Na era atual, seria justo assumir que a ciência já respondeu de forma conclusiva a algumas das questões mais importantes relacionadas com a natureza - ou, pelo menos, àquelas que dependem de simples medições. Mas há uma questão cuja resposta ainda é confusa: qual é o rio mais longo do mundo?

A verdade é que, em 2023, a ciência ainda está a tentar encontrar a resposta.

O título de "rio mais longo do mundo" é oficialmente atribuído ao Nilo, em África, por fontes autorizadas como a Enciclopédia Britannica e o Guinness World Records. Mas a próxima expedição ao rio Amazonas por uma equipa de exploradores e investigadores internacionais – que vão viajar em jangadas, a cavalo e em barcos com painéis solares - prepara-se para contestar essa designação.

"O Nilo é como uma minhoca e o Amazonas como uma anaconda", diz o líder da expedição, o brasileiro Yuri Sanada, de 55 anos, um explorador experiente e produtor de cinema, sobre a visão metafórica do seu colega em relação ao volume do Amazonas, que transporta quatro vezes mais água do que qualquer outro rio.

"Por isso, não há comparação - temos o maior rio. Mas o mais longo, veremos."

Uma expedição de 7.000 quilómetros

O líder da expedição Yuri Sanada. Aventuras Produções

A expedição tem uma duração prevista de cinco meses. Partirá em abril de 2024 e tem como objetivo percorrer toda a extensão do Amazonas, utilizando a moderna tecnologia de cartografia fluvial por satélite para provar cientificamente, e de uma vez por todas, que o Amazonas não é apenas o maior rio do mundo em volume, mas também o mais longo.

O Amazonas não é uma singular extensão de água, mas sim parte de um grande "sistema fluvial" que abrange grande parte do norte da América do Sul. Tal como os ramos de uma árvore, a sua rede inclui múltiplas fontes e afluentes.

A disputa sobre a extensão do rio deve-se em grande parte ao facto de não se saber ao certo onde começa o Amazonas. Enquanto a Enciclopédia Britannica e outras entidades têm tradicionalmente medido o rio a partir das cabeceiras do rio Apurimac, no sul do Peru, o neurocientista americano James "Rocky" Contos, 51 anos, que se tornou expedicionário fluvial, afirma ter descoberto uma nascente mais distante: o rio Mantaro, no norte do Peru, enquanto pesquisava rotas de rafting no país.

"Eu sabia que a nascente mais distante do Amazonas era considerada o Apurimac, mas quando estava a reunir toda a informação - mapas, hidrografias, etc. - na preparação da minha viagem ao Peru, apercebi-me de que outro rio parecia ser mais longo", diz Contos. 

Verificou esta informação com mapas topográficos, imagens de satélite e medições de GPS enquanto andava de caiaque no local e publicou a sua investigação em 2014.

"A descoberta da nova fonte acrescenta 77 quilómetros ao comprimento do Amazonas, em comparação com a anteriormente considerada", argumenta.

Sanada diz que as descobertas de Contos oferecem à equipa de expedição uma "desculpa para ir até lá" e explica que, embora o mapeamento do rio seja o seu principal objetivo, a expedição tem objetivos mais amplos: documentá-lo de forma mais completa, e destacar a nível mundial a rica biodiversidade da região da floresta amazónica e enfatizar a necessidade de um trabalho conjunto da comunidade global para ajudar a conservá-la.

A rota planeada para a expedição, com 7.000 quilómetros, percorrerá o curso do rio Amazonas através do Peru, Colômbia e Brasil, começando na sua nova nascente, o Mantaro, nas profundezas dos Andes peruanos.

As águas brancas do Mantaro serão navegadas numa expedição de rafting com Contos ao leme. Quando o Mantaro se encontrar com o rio Ene, começará o segmento mais longo da viagem, a bordo de um trio de barcos feitos à medida, movidos a energia solar e a pedais, que continuarão a descer o resto do Amazonas até ao Oceano Atlântico, ao largo da costa brasileira.

Sanada indica que, no início de 2025, haverá uma expedição secundária que começará no rio Apurimac, no Peru, a nascente tradicionalmente aceite do Amazonas, o que permitirá efetuar um segundo conjunto de medições. Neste segmento, informa, será acompanhado pela exploradora francesa Celine Cousteau (neta do famoso oceanógrafo Jacques Cousteau) num passeio a cavalo ao longo das margens do rio.

Atualmente, Sanada supervisiona uma equipa de cerca de 50 colaboradores do projeto, oriundos das Américas e da Europa. A expedição já garantiu algumas parcerias de prestígio: o apoio do Explorers Club, um acordo com a IMAX para a produção de um filme relacionado e um projeto que inclui a produção de um novo mapa do rio Amazonas para a Universidade de Harvard.

Sanada diz que a expedição também acolherá um grupo rotativo de investigadores científicos internacionais, incluindo de universidades parceiras do Brasil, Peru, Colômbia, EUA e outros países, que se juntarão em diferentes fases com o objetivo de levar tecnologia sustentável às comunidades indígenas da Amazónia.

Alguns especialistas sugerem que o rio Mantaro, no Peru, nas profundezas dos Andes, é a fonte mais distante do Amazonas. Jonathan Chancasana/Alamy Stock Photo

"Estes projetos vão ensinar-lhes como tratar a água, técnicas para construir melhores casas com materiais naturais, produzir eletricidade a partir de fontes renováveis, tratamento de resíduos, transporte por electromobilidade e muito mais", explica. "Vai realmente mudar a vida das pessoas da região.”

As embarcações de expedição híbridas, movidas a energia solar e a pedais, pretendem oferecer uma alternativa acessível, eficiente e que reduza a poluição às embarcações a motor movidas a gás utilizadas pelas comunidades locais.

Desenvolvidas em colaboração com uma universidade brasileira local, as embarcações são construídas com bio resina e fibras naturais produzidas na região, bem como com motores fabricados em impressoras 3D. Após a expedição, os motores dos barcos serão doados localmente, ao que Sanada chama de "parte do legado da expedição".

Escoltas armadas e cabinas à prova de bala

No entanto, apesar destes objetivos otimistas, esta não é uma viagem isenta de perigos.

"Neste tipo de expedição, muitas coisas podem correr mal", assume Sanada, citando a possibilidade de os barcos se desmoronarem e os riscos na natureza (por exemplo, a selva é o lar de jaguares, anacondas, sapos venenosos e muito mais).

"No entanto, a parte mais perigosa", diz Sanada, é "a interação humana". Isto porque sempre que a equipa encontra alguém na selva, tem de se perguntar: "São traficantes de droga? São inimigos? Ou apenas uma tribo amigável a tentar convidar-nos para jantar?"

Por estas razões, a equipa de expedição trabalha com as autoridades locais para garantir escoltas armadas em zonas conhecidas pela exploração mineira ilegal e pelo tráfico de droga. As cabinas dos barcos estão também a ser equipadas com fibras à prova de balas e flechas.

Sanada confia profundamente na sua equipa. "Tenho guias locais da Amazónia, do Peru - pessoas que conhecem realmente a região e sabem como sobreviver lá", garante.

Sanada acredita que os riscos valem a pena.

"Não podemos parar (por causa do risco). Estamos a fazer isto pela ciência. Estamos a trazer este legado para a Amazónia."

Ele diz que é um privilégio estar entre os cerca de dez exploradores, e ser o primeiro sul-americano, que historicamente tentaram percorrer toda a extensão do rio.

No entanto, Sanada admite que a expedição pode não chegar a uma conclusão sobre a extensão do rio ou provar com sucesso que é, de facto, o maior do mundo.

Suzanne Walther, professora associada de ciências do ambiente e dos oceanos na Universidade de San Diego, nos Estados Unidos, especializada em sistemas e medições fluviais, explica que existem muitos desafios na medição dos rios, devido à natureza dinâmica e complexa dos cursos de água e ao potencial para interpretações humanas variáveis sobre as fontes e os pontos finais aceites dos rios.

A investigadora salienta que os rios podem "mudar ao longo do tempo de várias formas", citando variações no movimento, no volume de água que contêm e nos seus padrões sazonais. "Se medirmos algo que está em constante movimento, o resultado mudará mesmo que o meçamos exatamente da mesma forma", sublinha.

"Quer se trate das ferramentas, da interferência atmosférica ou da componente humana, há sempre um pouco de incerteza em cada medição que fazemos.

E refere que há também uma certa motivação humana para reivindicar uma característica geográfica superlativa como o rio mais longo do mundo, que pode aumentar o orgulho nacional e proporcionar maiores receitas turísticas.

"Dá prestígio a um lugar", obsrerva. " Como seres humanos, damos valor a essas coisas, mesmo que os rios não se importem se são os mais longos ou não."

Em busca de conhecimento

Depois de concluída a sua expedição à Amazónia, Sanada espera dirigir-se para o Nilo. Khaled Desouki/AFP/Getty Images

Seja qual for o resultado da expedição, Sanada diz que a seguir gostaria de explorar o Nilo, utilizando as mesmas técnicas e métodos de medição.

O Nilo, que atravessa o nordeste de África antes de chegar ao Mar Mediterrâneo através do Egito, também enfrenta um debate em torno da sua própria nascente, com mais do que uma nação africana a reivindicar a origem do rio na sua região.

"Por isso, primeiro vamos ver se sobrevivemos a esta expedição e depois planeamos a próxima", brinca Sanada.

Uma vez terminada a expedição, está previsto o lançamento de um documentário e de um filme IMAX em 2026.

Sanada acredita que estes projetos podem ajudar a aumentar o orgulho regional e o turismo internacional - e, por sua vez, os esforços de conservação na Amazónia - demonstrando "o seu valor e a necessidade de a preservar".

Em última análise, Sanada diz que com ou sem recorde, "trata-se de uma busca de conhecimento". "Vamos mostrar ao mundo o que é a Amazónia."

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