Morte por asfixia foi um ritual neolítico na Europa durante 2.000 anos

Agência Lusa , AM
11 abr, 06:24
Descoberto o esqueleto do Rei Ricardo III de Inglaterra (EPA)

Investigadores consideram no seu estudo que “este fenómeno cultural pode ter-se diversificado na Europa Central e estruturado em ritmos diferentes durante quase dois milénios antes de culminar no final do Neolítico Médio no Vale do Ródano e na Catalunha”

A asfixia era uma espécie de sacrifício praticado pelos agricultores neolíticos durante quase 2.000 anos, possivelmente para conseguir boas colheitas ou protegê-las, segundo um estudo que compila dados desde Espanha e França, até à Chéquia ou Alemanha.

Este tipo de sacrifício conhecido como 'incaprettamento', em que a vítima fica deitada de bruços e o pescoço amarrado aos joelhos dobrados, existia entre os caçadores-recoletores e foi adotado pelos agricultores neolíticos na Europa.

A prática do sacrifício “já tinha sido descrita ou apontada na Europa Neolítica, mas esta é a primeira vez que foi demonstrada em tantos casos e numa área geográfica e temporal tão vasta”, realçou o líder do estudo, Eric Crubézy, do Instituto Universitário da França.

A investigação publicada esta quarta-feira pela Science Advances começa num túmulo em Saint-Paul-Trois-Châteaux (França), onde duas mulheres foram encontradas sacrificadas, entre os anos 4.000 e 3.500 a.C.

O estudo é completado com uma revisão de outros casos (nove homens, cinco mulheres e quatro crianças) com características semelhantes, embora nem todos encontrados nessa posição característica, provenientes de 14 locais, incluindo os de Bòbila Madurell e Pujolet de Moja (Barcelona).

Os investigadores consideram no seu estudo que “este fenómeno cultural pode ter-se diversificado na Europa Central e estruturado em ritmos diferentes durante quase dois milénios antes de culminar no final do Neolítico Médio no Vale do Ródano e na Catalunha”.

No sítio Neolítico Médio de Saint-Paul-Trois-Châteaux, foram encontradas três mulheres, duas das quais foram consideradas mortas por estrangulamento com ligaduras e asfixia posicional.

Além disso, como em outros casos, foram encontrados grandes pedaços de pedra de amolar que poderiam ser usados para prender ou imobilizar as vítimas, o que demonstra "com certeza" que foram depositadas vivas nos seus túmulos, gundo Crubézypo

O local da descoberta era uma espécie de silo, mas sem restos de sementes ou fogo (comum em locais onde eram armazenados grãos) e a estrutura está alinhada com os solstícios, o que é atípico.

Todas as circunstâncias ‘evocam’ “sacrifícios agrícolas”, destacou o antropólogo, recordando que as sociedades agrícolas em “numerosos lugares do mundo” realizavam os rituais para “garantir boas colheitas ou para protegê-las”.

Para determinar se estas mortes violentas poderiam estar relacionadas com uma tradição neolítica em maior escala, a equipa analisou outros casos de práticas funerárias invulgares, como corpos colocados em posições anormais e quaisquer sinais de violência que tenham sido preservados.

O exemplo mais antigo deste tratamento foi encontrado no sítio Brno-Bohunice (República Checa) de 5.400 a 4.800 a.C. e os mais recentes são os de Saint-Paul-Trois-Châteaux e um da Catalunha (4.000 a 3.500 a.C.), sugerindo que a asfixia posicional forçada persistiu como técnica de sacrifício por mais de 2.000 anos.

Alguns dos restos mortais estudados correspondem a crianças, como um caso em Bòbila Madurell e outro em Ponte Taro (Itália), que são “indicativos de estrangulamento clássico por ligadura”, apontou o estudo.

Crubézy indicou que se sabe que “nas sociedades onde se faziam sacrifícios pela colheita [os Incas, por exemplo], mulheres e crianças podiam ser enterradas vivas, o que faz com que o Neolítico europeu, desse ponto de vista, não seja uma exceção”.

Ciência

Mais Ciência

Patrocinados