Uma das maiores erupções da história da Terra poderia ter exterminado os seres humanos. Os cientistas explicam como alguns sobreviveram

CNN , Katie Hunt
6 abr, 19:00
Pontas de seta (CNN Newsource)

Há cerca de 74 mil anos, o Monte Toba, na ilha de Sumatra (atual Indonésia), sofreu uma super-erupção, uma das maiores da história da Terra, que poderá ter dado início a uma enorme perturbação do clima mundial.

Alguns cientistas suspeitam que o inverno vulcânico resultante da erupção foi uma mudança suficientemente grande para eliminar a maioria dos primeiros humanos, devido a provas genéticas que sugerem uma queda acentuada da população humana. Mas agora um estudo sobre um sítio arqueológico no noroeste da Etiópia, outrora ocupado pelos primeiros humanos modernos, veio juntar-se a um conjunto crescente de provas que sugerem que o acontecimento poderá não ter sido tão apocalíptico.

Em vez disso, a nova investigação revelou que os seres humanos desse local, conhecido como Shinfa-Metema 1, se adaptaram às condições áridas provocadas pela erupção vulcânica de uma forma que pode ter facilitado a migração da humanidade de África para o resto do mundo.

Fragmentos microscópicos de vidro vulcânico encontrados ao lado de ferramentas de pedra e restos de animais na mesma camada de sedimentos no sítio Shinfa-Metema 1, perto do rio Shinfa, na Etiópia, mostram que os seres humanos ocuparam o local antes e depois da erupção do vulcão a mais de 4 mil quilómetros de distância.

"Estes fragmentos têm menos do que o diâmetro de um cabelo humano. Mesmo sendo tão pequenos, são suficientemente grandes para analisar a química e os oligoelementos", disse John Kappelman, professor de antropologia e ciências geológicas na Universidade do Texas em Austin e principal autor do estudo, publicado no dia 20 de março na revista Nature.

Ao juntar pistas dos fósseis e artefactos encontrados no local, juntamente com análises geológicas e moleculares, a equipa começou a compreender como é que os seres humanos que ali viviam se aguentaram apesar da provável mudança climática que o cataclismo vulcânico desencadeou.

As escavações no sítio Shinfa-Metema 1 revelaram que uma população de humanos sobreviveu à erupção do supervulcão do Monte Toba há 74 mil anos. John Kappelman e Marsha Miller

Apanhar peixe

Para compreender o clima na altura da erupção, Kappelman e os seus colegas analisaram isótopos de oxigénio e carbono, variações do mesmo elemento, de cascas de ovos de avestruz e dentes de mamíferos fossilizados. Esse trabalho permitiu descobrir a ingestão de água e revelou que os animais comiam plantas que tinham mais probabilidades de crescer em condições mais secas.

"Os isótopos são incorporados nos tecidos duros. Por isso, no caso dos mamíferos, olhamos para os dentes, para o esmalte dos dentes, mas também os encontramos na casca do ovo da avestruz", disse.

Uma análise da flora e da fauna do sítio também encontrou uma abundância de restos de peixes posteriores à erupção. Esta descoberta talvez não seja surpreendente, dada a proximidade do local em relação ao rio, mas os peixes são raros noutros sítios da Idade da Pedra do mesmo período, observou o estudo.

"As pessoas começaram a aumentar a percentagem de peixe na dieta quando chegou o Toba. Estavam a capturar e a processar quase quatro vezes mais peixe (do que antes da erupção)", disse.

"Pensamos que a razão para isso é que, se o Toba estaria de facto a criar mais aridez, isso significa que a estação das chuvas seria mais curta, o que significa uma estação seca mais longa."

A equipa teorizou que o clima mais seco, contraintuitivamente, explica o aumento da dependência do peixe: À medida que o rio encolhia, os peixes ficavam presos em charcos ou em riachos menos profundos, onde os humanos os podiam apanhar mais facilmente.

Corredor azul vs. corredor verde

Os charcos de água ricos em peixes podem ter potencialmente criado o que a equipa descreveu como um "corredor azul", ao longo do qual os primeiros seres humanos se deslocaram para norte, para fora de África, uma vez esgotado o peixe. Esta teoria contradiz a maioria dos outros modelos que sugerem que a principal migração da humanidade para fora de África ocorreu ao longo de "corredores verdes" durante os períodos húmidos.

"Este estudo (...) demonstra a grande plasticidade das populações de Homo sapiens e a sua capacidade de se adaptarem facilmente a qualquer tipo de ambiente, seja ele hiper-húmido ou hiper-árido, incluindo durante acontecimentos catastróficos como a hiper-explosão do vulcão Toba", afirmou Ludovic Slimak, investigador do Centro Nacional de Investigação Científica francês e da Universidade de Toulouse, num email. Slimak não esteve envolvido na investigação.

Os autores do estudo puderam também explorar a geologia do antigo leito do rio, que sugeria que, nessa altura, fluía mais lentamente e mais baixo do que no presente.

"Podemos fazer isso olhando apenas para as pedras", disse Kappelman. "Um rio muito enérgico pode mover pedregulhos e pedras maiores do que um rio que não é tão (enérgico.) As (pedras) que encontramos no rio ancestral são menores do que no rio hoje."

A equipa de escavação conseguiu construir uma imagem detalhada do que aconteceu no local, na Etiópia, há cerca de 74 mil anos. Lawrence C. Todd

As mais antigas pontas de seta conhecidas?

Os investigadores também descobriram os restos de várias pequenas pontas triangulares, que se encontram entre os primeiros exemplos do uso de arco e flecha e fornecem pistas de que os habitantes do local poderiam ter usado arcos e flechas para caçar peixes e outras presas maiores.

Slimak, que estudou pontas semelhantes descobertas em França que datam de há 50 mil anos, concordou com a avaliação dos artefactos feita pelo novo estudo.

"Os autores também destacam indicadores muito claros que sugerem a existência de tiro com arco aqui há 74 mil anos", disse Slimak. "Há, portanto, todas as razões para (...) considerar estes antigos Homo sapiens como portadores de tecnologias já muito avançadas, em grande parte emancipadas de constrangimentos naturais e climáticos, factores cruciais para compreender as suas migrações posteriores, através de todos os continentes e sob todas as latitudes."

É provável que as espécies humanas antigas tenham saído de África várias vezes, mas os arqueólogos e os geneticistas concordam em grande medida que a dispersão mais significativa do Homo sapiens, a nossa própria espécie - que acabou por levar os humanos modernos a viver em todos os cantos do globo - ocorreu há cerca de 70 mil a 50 mil anos.

A nova investigação oferece um outro cenário potencial para a forma como esta dispersão aconteceu, sem excluir as teorias anteriores, disse Chris Stringer, professor e líder de investigação em evolução humana no Museu de História Natural de Londres, que o considerou um "artigo intrigante".

"Estou certo de que cada uma destas proposições irá alimentar o debate entre os especialistas relevantes, mas penso que os autores apresentaram um caso plausível (embora não definitivo) para cada cenário que propõem", disse Stringer por email.

"É claro que este novo trabalho não significa que os corredores húmidos não continuassem a ser importantes canais de dispersão para fora de África, mas este trabalho acrescenta possibilidades adicionais credíveis durante as fases mais áridas."

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