Há uma parte da campanha que tendemos a não dar tanta importância. Embora ela domine muitas das conversas. Às vezes, até mais do que as próprias medidas. Falamos de moda. Sim, de moda
A campanha para as legislativas está a ser rica em pontos para analisar. É a gola alta de Pedro Nuno Santos, são os óculos de Rui Rocha que desapareceram, é a cor das gravatas de André Ventura.
Sim, a roupa também faz política. Sim, o estilo também faz ganhar votos. E as equipas de comunicação dos políticos há muito que notaram isso.
“As escolhas de roupa têm muito impacto. Nada é por acaso. Ao usarmos uma peça de determinada forma ou feitio, estamos a comunicar algo. Tudo na nossa imagem comunica. E, ao arriscarmos, há sempre a hipótese de estarmos a criar uma perceção”, resume Guida Oliveira, consultora de imagem, responsável pelo Dressyproject.
A política não é, por inerência de funções, um campo privilegiado para arriscar. Habituámo-nos à ideia de homens e mulheres de fato. Ou, no caso feminino, à alternativa dos vestidos clássicos.
“A política tem um código de vestuário que tem na sua mensagem a credibilidade. Não se pode quebrar demasiado, porque senão não há resultado. A mensagem tem de ser coerente. Pode estar modernizada e suavizada, mas tem de ser coerente”, atesta Catarina Vasques Rito, professora universitária e ex-jornalista de moda.
É tudo uma questão de gola
Apesar da imagem formal que se colou aos políticos, há tentativas de “desconstrução” que acabam por funcionar. Desde que o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, usou uma gola alta no congresso do partido, em janeiro, que esta peça de roupa nunca mais foi a mesma no campo da política.
“Quebra a formalidade de uma camisa e de uma gravata, é uma peça casual, que se pode associar a praticidade, jovialidade, a uma imagem contemporânea”, confirma Guida Oliveira. Algo que ajudava Pedro Nuno Santos a confirmar aquilo a que os socialistas chamam “um novo ciclo”. No mesmo congresso, no encerramento, quando se dirigiu ao país, embora usando blazer e camisa, havia também de abdicar da gravata.
A partir daí, quando uma gola alta surge, há uma tendência para recordar Pedro Nuno Santos. Embora ele não seja o político que mais aposte neste visual. Esse título vai para a bloquista Mariana Mortágua.
Pode uma simples peça de roupa mostrar ligações mais profundas entre ambos? Seja-se ou não especialista na análise ao estilo dos políticos, essa ligação pode surgir. “Agora fazem-se analogias por tudo e por nada. Pode haver essa mensagem como pode não haver mensagem nenhuma”, reage Catarina Vasques Rito.
Os óculos desaparecidos
Sentiu que o liberal Rui Rocha está diferente, mas não sabe dizer bem porquê? Talvez seja a falta dos óculos, que deram lugar a lentes de contacto. E efeito do novo corte de cabelo, que ganhou uma ligeira poupa.
“Penso que o objetivo foi ter uma imagem mais leve, mais atual, porque os óculos que usava eram escuros, pesados. Não se via bem os olhos. E a comunicação dos políticos faz-se muito através do olhar. Acabava por criar uma barreira de comunicação”, analisa Guida Oliveira.
Uma mudança tão em cima das eleições pode gerar estranheza. Pode ser interpretada precisamente como uma forma de captar votos através da aparência. Contudo, as duas especialistas ouvidas pela CNN Portugal descartam esse cenário: dizem que, neste caso, foi “um melhoramento”.
“Fica mais jovem, mais atraente. Se o próprio gostou e a mudança o favoreceu, pode ser estranho agora, mas daqui a meia dúzia de dias já ninguém se lembra”, diz Catarina Vasques Rito.
E, dizem, passa uma mensagem de inspiração para os próprios eleitores: a de que todos nós nos podemos renovar.
O poder das cores
No debate entre Pedro Nuno Santos e André Ventura, o socialista não deixou escapar um pormenor: a cor da gravata do presidente do Chega. Cor de laranja. Aproveitou a oportunidade para colá-lo ao PSD.
Há muito que reparamos nas cores das gravatas dos políticos. Tendem a usar as cores que representam os seus partidos. “No caso da política, as cores servem para criar uma imagem de marca, para passar a mensagem”, confirma Guida Oliveira.
E há um caso em que as cores fazem a diferença na imagem: Mariana Mortágua. Habituámo-nos a vê-la com cores mais escuras. Sobretudo o preto, o azul e o vermelho, próximo da palete do próprio Bloco de Esquerda.
“Há uma contenção através da cor. Diria que Mortágua não é nem modernaça nem extremamente ‘old fashion’ [antiquada]”, resume Catarina Vasques Rito. Porque onde a bloquista ousa mesmo é no seu discurso, “que pode incomodar, irritar”.
Ainda assim, apesar da gama cromática, Mortágua não deixa de cultivar uma aparência “mais descontraída” nas peças que escolhe, mais próxima do eleitorado e dos ideais do partido. Quer uma prova? Os ténis Converse All Star, sem os quais o ‘look’ não fica completo. “Passa a mensagem, na sua forma de vestir, que não se distancia demasiado”.
“Clássico batido” em desconstrução
É nas figuras de Luís Montenegro e André Ventura que as especialistas de imagem dizem notar menos evolução. E isso também pode ser interpretado à luz da política: como representantes de partidos mais conservadores, ao manterem a imagem pública, com recurso ao fato mais tradicional, acabam por passar uma imagem de estabilidade.
“Em André Ventura, então, não noto diferença nenhuma. É um clássico batido. Acima de tudo quer parecer um homem mais velho, mais responsável, mais maduro”, refere Catarina Vasques Rito.
Contudo, há um lugar onde Montenegro e Ventura têm procurado “aligeirar” a sua imagem: as redes sociais. Aí, para tentarem chegar a um eleitorado mais jovem, não raras vezes tiram o blazer e a gravata. “Pelo menos, na imagem, ficam mais leves”.