Miguel esteve 20 dias preso na Turquia por “aparentar ser gay”: “Vivi todos os dias com medo de morrer”

21 jul 2023, 12:02

Estava em viagem sozinho e preparava-se para passar quatro dias em Istambul. Foi detido e agredido ao fim de pouco mais de 24 horas, depois de pedir indicações a um polícia. Afirma que só nove dias depois lhe permitiram pedir ajuda e garante que as autoridades portuguesas lhe disseram que nada podiam fazer

Miguel Álvaro Pereira, professor de Matemática, 34 anos, garante que viveu “a pior experiência” da sua vida, depois de passar 20 dias preso na Turquia alegadamente por “aparentar ser gay”. Miguel, um lusodescendente nascido e criado na África do Sul mas com nacionalidade portuguesa, conta em inglês, num vídeo na sua conta no Instagram, como tudo aconteceu.

Chegou a Istambul na sexta-feira, a 23 de junho. No domingo seguinte, menos de 48 horas depois, começava aquilo que descreve como “pesadelo”. “Saí para almoçar. Desci do apartamento e, na esquina da rua, vi uma enorme barricada da polícia. Dirigi-me a eles para pedir indicações para Balat, outra zona turística. Imediatamente um polícia disse ‘prendam-no!’. Levaram-me, atiraram-me contra a carrinha da polícia e oito polícias colocaram-se à minha volta. Um deles começou a bater-me, a dar-me socos no peito, a atirar-me contra a carrinha. Fiquei a sangrar do ombro. Eu perguntava-lhes porque é que me estavam a prender e ninguém me sabia responder.”

Diz que só umas cinco horas depois ficou a saber que havia uma marcha de orgulho gay na região e que foi detido porque estavam convencidos de que ia participar na manifestação. “Fui detido porque parecia gay.”

Esperou mais de 13 horas numa carrinha da polícia, sem comida, água ou acesso a uma casa de banho, até ser levado para uma esquadra. Aí o pesadelo continuou. “As condições sanitárias eram horríveis! A comida era péssima. Acabei por ter um problema no cotovelo. As enfermeiras e médicos recusaram-se a ajudar-me. Os presos eram homofóbicos e ameaçavam-nos o tempo todo. Eu vivi todos os dias com medo de morrer”, conta à CNN Portugal.

Diz que não dormiu descansado uma única noite de todas as que esteve preso e que lhe foi retirado o telemóvel e negada a possibilidade de ligar fosse a quem fosse. “Apenas nove dias depois da minha prisão pude pedir ajuda”, conta.

Foi através do pai, que estava na África do Sul, que contactou a embaixada portuguesa em Ancara. “Mas eles não puderam fazer nada e não ajudaram em nada no processo. Nem tentei o consulado sul-africano porque pensei que Portugal seria a minha melhor aposta para sair desta situação. Mas acho que me enganei ao pensar que eles podiam ajudar. Tem sido a parte mais dececionante saber que nem mesmo a embaixada ou consulado podia ajudar.”

Na mesma cela estavam um cidadão russo e um iraniano. À CNN Portugal, conta que foi o cidadão russo que contactou uma organização de defesa dos direitos LBTQI+ e, através deles, conseguiu um advogado que os tirou da prisão e conseguiu a sua deportação para Portugal. “Se não fosse pela comunidade gay, eu nunca teria sido solto”, está convencido.

Só ao vigésimo dia de detenção foi libertado e deportado para Portugal. Nos próximos três anos não pode regressar à Turquia. Sente-se profundamente abalado por ter sido detido sem motivo e revoltado pela forma como foi tratado e pela falta de respeito pelos direitos humanos que experienciou num país que só queria visitar como turista, à semelhança do que fez em dezenas de outros.

A CNN Portugal contactou a embaixada portuguesa na Turquia, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que confirma ter sido contactada pelo pai e por um amigo de Miguel Álvaro Pereira, após o que “iniciou os procedimentos previstos nestes casos, contactando as autoridades turcas, no âmbito da proteção consular do cidadão nacional detido”. Assegura que se manteve “em contacto com o pai do detido, assim como o Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo”.

“No dia 4 de julho, o cidadão foi contactado pela Embaixada de Portugal em Ancara, tendo sido aferido o seu bem-estar e revistos os procedimentos da deportação a ocorrer nos dias seguintes, conforme decidido pelas autoridades turcas. No dia 13 de julho, o cidadão nacional foi deportado”, acrescentam os serviços da embaixada, numa breve resposta escrita, sem adiantar mais pormenores.

O cidadão iraniano que estava detido com Miguel continua preso e assim deverá continuar por pelo menos seis meses, por ter estatuto de refugiado. Miguel apela às instituições de defesa dos direitos humanos que intervenham porque na Turquia “os direitos humanos não existem”.

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