Médicos admitem demissões em massa para impedir novas regras para a classe

14 jun 2023, 19:15
Unidade de hemodiálise em risco. Clínica privada em Vila Real está sem doentes do público há mais de dois anos

Clínicos avisam que o novo estatuto das ordens profissionais aprovado em conselho de ministros põe em causa a qualidade dos serviços de saúde prestados e avisam que uma das soluções é seguir o exemplo do coordenador da comissão para a reforma de Saúde Pública que se demitiu por recusar ser "cúmplice" do Governo

Os médicos admitem avançar com demissões em massa no Serviço Nacional de Saúde. Isto como resposta à proposta do novo estatuto da Ordem dos Médicos que foi aprovada em conselho de ministros e que prevê várias alterações, como a de o Governo poder decidir questões relacionadas com a formação de clínicos ou vagas para estágios formativos nos hospitais.

Depois da demissão do Coordenador da Comissão para a Reforma da Saúde Pública, Mário Jorge das Neves, por recusar ser "cúmplice ativo desta ofensiva liquidacionista do Governo contra os médicos e o SNS", são vários os que defendem ser esse o caminho para contestar a nova lei-quadro das ordens profissionais e o novo estatuto da Ordem dos Médicos que o Executivo aprovou e que promete gerar polémica nos próximos dias. "É uma agressão à democracia", diz Mário Jorge das Neves à CNN Portugal.

"A demissão de Mário Jorge é um exemplo de dignidade, e um dos caminhos caso esta situação se mantenha é a demissão de todos os médicos que ocupam cargos governamentais ou no SNS",  afirma à CNN Portugal o antigo bastonário dos médicos, Germano de Sousa, que não coloca de parte a possibilidade desta demissão "se alastrar a todos os médicos do SNS".

Também Miguel Guimarães, ex-bastonário, considera que essa é uma das possibilidades. "Está em causa a qualidade dos serviços de saúde. Trata-se, aliás, de uma questão patriótica. Por isso, no limite, avança-se para demissões dos que ocupam cargos no SNS."       

Segundo informação oficial da Ordem dos Médicos, que está a ser enviada a todos os profissionais de saúde, há cinco alterações que são preocupantes. Uma é a de o Governo passar a ter iniciativa de propor os programas de formação médica; outra o facto de ser o Executivo a definir e a rever os critérios de idoneidade e da capacidade formativa dos hospitais e decidir quais os serviços que podem dar formação e quantos futuros médicos poderão ser formados por ano. A terceira medida que os médicos não aceitam é a que prevê que a tutela intervenha na criação, composição e competências dos colégios de especialidade. Além destas três alterações, que os médicos consideram ser uma "interferência inaceitável" do Executivo, há ainda outras duas novidades. Entre as medidas que "alteram substancialmente as competências da OM" está ainda a possibilidade da ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) intervir em várias matérias como órgão de recurso em situações como recusas de inscrição de médicos na Ordem ou em colégio de Especialidade. A quinta mudança que está a deixar os profissionais em alerta é o facto de os dirigentes de instituições de saúde não poderem fazer parte dos órgãos da OM.

Médicos preparam contraproposta

Os clínicos dizem estar indignados com a situação e estão a preparar contrapropostas.

"É uma situação totalmente fora do comum em que há uma intromissão do Estado", avisa Miguel Guimarães. garantindo que com este novo estatuto a OM passará a estar ao "serviço dos interesses do Governo e não dos cidadãos", uma vez que quem decidirá a formação dos médicos “serão pessoas que não percebem de Medicina”. A questão da formação é uma das alterações que está a levantar mais polémica entre os médicos. Atualmente cabe à OM definir que critérios e que serviços dos hospitais podem formar jovens médicos e que vagas se podem abrir para essa formação, o que tem depois impacto no número de especialistas no país. O Governo quer agora mudar essa regra, para que possa ser também a tutela a tomar decisões sobre a quantidade de médicos a formar. "A Ordem investe milhões nessa área da formação pois é isso que garante a qualidade da Medicina que é prestada no país e no SNS", sublinha Miguel Guimarães, avisando estar em risco a existência da própria OM.

O mesmo defende Germano de Sousa. "É uma intromissão total e absoluta do Governo na vida da OM e na formação dos médicos, o que é inaceitável", diz, alertando que com este diploma a OM "vai ser destruída". 

Neste momento, entre os médicos são várias as opções que se discutem para impedir que este projeto seja aprovado. Se muitos defendem demissões em massa, há outras ideias a serem lançadas como a criação de "uma nova Associação sem poderes delegados pelo Estado" ou a "suspensão do exercício de toda a Ordem dos Médicos" com exceção do bastonário para este negociar com o Governo.

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