Luta dos sexos pelo dinheiro: batalhas em curso e outras (já) ganhas

16 set 2015, 10:13
Austrália (Reuters)

Jogadoras da seleção feminina de futebol da Austrália fizeram greve em luta por melhores condições para a profissão. Umas modalidades já ganharam batalhas idênticas, como o ténis, mas há vários fatores a influírem numa questão que não que é linear

Greves no futebol, ou no desporto, não são inéditas. A questão da diferença de dinheiro, prémios, pagamentos, salários, etc. entre mulheres e homens também não é de agora – antes, é uma questão que se coloca de há algumas décadas para cá... Juntando estes dois fatores, chega-se ao episódio que aconteceu na semana que passou: a seleção feminina de futebol da Austrália fez greve com as questões monetárias à cabeça.

As «Matildas» (como é apelidada a seleção australiana) tinham dois jogos agendados para fazer nos Estados Unidos nos dias 17 e 20 deste mês. Já estavam 60 mil bilhetes vendidos. Foram em frente com a greve. As jogadoras internacionais australianas já tinham, inclusive, boicotado um estágio prévio a esta digressão devido a questões contratuais.

As australianas estão há vários meses em luta por um novo contrato coletivo de trabalho, que não existe no presente. A guarda-redes Lidya Williams, citada pelo «BuzzFeed» disse que, «nos passados dois meses, as jogadoras estiveram sem receber e fizeram todas as tentativas para chegar a um acordo que dê ao jogo das mulheres uma plataforma de crescimento.»

As negociações duram há seis meses, com a realização do Mundial 2015 pelo meio, onde se exibiram a alto nível chegando aos quartos de final (eliminando o Brasil nos 16 avos). A falta de um acordo com a federação australiana para atender às pretensões das Matildas desembocou agora na greve inviabilizando a digressão deste mês. As jogadoras de futebol da Austrália querem igualdade de pagamentos e de oportunidades (em relação aos jogadores) e uma sustentabilidade da progressão na modalidade como carreira profissional.



O sindicato das futebolistas australianas diz que elas têm um trabalho a tempo inteiro, mas que recebem o pagamento de um «part-time». No Mundial 2015, as Matildas receberam 311 euros como prémio de cada jogo da fase de grupos: ganharam um, empataram outro e perderam com os EUA – na fase a eliminar, venceram o Brasil e perderam com o Japão nos «quartos». No Mundial 2014 masculino, os jogadores da Austrália tinham como prémio de jogo da fase de grupos 4.600 euros – os «Socceroos» não ganharam qualquer partida.

Com uma média de 12.700 euros ganhos por um ano a «full-time», as Matildas pedem mais, mas não são as únicas. Os seus correspondentes masculinos também. Os Socceroos também boicotaram uma ação publicitária no âmbito do jogo de qualificação para o Mundial 2018 com o Bangladeche. E apoiam as Matildas nas suas reivindicações profissionais. A questão não está (apenas) na oposição de géneros só por si. Está nos diferentes países desde logo. E entre desportistas do mesmo sexo.

Tome-se a comparação entre a melhor futebolista de Inglaterra – onde o futebol é semiprofissional desde 2011 – e a melhor jogadora dos EUA. A capitã da seleção inglesa, Steph Houghton (Manchester City), tem de receitas desportivas 83.600 euros por ano e ganha 5.400 euros por ano em patrocínios fazendo um total anual de 89.000 euros. A estrela norte-americana Alex Morgan (Portland Thorns) tem de receitas 274.100 euros por ano, mas, sendo uma figura apelativa para muitas multinacionais, arrecada 2.600.000 euros só em patrocínios ganhando anualmente um total de 2.874.100 euros por ano.



Há diferenças que começam logo aqui, no caso muito especial que é o futebol dentro do desporto tão díspar entre mulheres e homens no que respeita ao dinheiro que ganham todos os atletas – como se irá vendo. No caso inglês, por exemplo, o «Daily Mail» avalia o salário médio das futebolistas inglesas entre 48.000 e 61.700 euros por ano. Já quanto aos homens, quer a «BBC» quer o «Mail» avaliam os salários mais altos da Premier League nos 17.800.000 euros anuais.

A lista dos desportistas mais bem pagos do mundo neste ano de 2015 da revista «Forbes» coloca Wayne Rooney neste patamar. Com um salário estimado pela «Forbes» de 17.600.000 euros por ano, o jogador do Manchester United tem um vencimento total anual de 23.800.000 euros incluindo 6.200.000 em patrocínios – e estamos a falar «só» do sétimo futebolista neste ranking global (Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Zlatan Ibrahimovic, Gareth Bale, Neymar Jr. e James Rodríguez estão à sua frente.

A diferença entre Houghton e Ronney no que respeita a praticantes de sexo oposto da mesma modalidade no mesmo país tem no «prize money» da Taça de Inglaterra outro exemplo. Segundo dados da «BBC», a equipa masculina vencedora ganha 1.600.000 euros; a feminina ganha 4.400 euros. Este é o quadro geral quando se olha para os números do futebol.  No próprio caso interno do futebol dos EUA, a diferença entre géneros mostra que o salário mais baixo nas mulheres ronda os 6.000 euros por ano, enquanto o mais baixo nos homens está nos 32.300 euros anuais. 


Aquando do Mundial 2015, a FIFA anunciou 19.500.000 euros para o futebol feminino nos próximos quatro anos (até 2019), de acordo com o «Think Progress», que ressalva que o filme fiasco de bilheteira «United Passions» custou ao organismo 27.500.000 euros. Para o futebol masculino (para quatro anos, até 2018) a FIFA atribuiu 978.000.000 de euros depois de em 2014 ter lucrado 1.773.200.000 euros.

Neste patamar de diferenças, é necessário introduzir mais dados. O Mundial 2015 teve um prémio total de 13.300.000 euros – dinheiro que duplicou o valor do Mundial feminino de 2011. Há dois meses, a seleção feminina dos EUA ganhou 1.700.000 euros com a conquista do título mundial. Já a equipa masculina norte-americana recebeu 8.000.000 de euros no Mundial 2014, onde foi eliminada nos oitavos de final. A diferença que falta referir aqui é que os prémios monetários totais do Mundial do Brasil totalizaram 510.500.000 euros: 38 vezes mais do que o Mundial 2015.



Mas as diferenças não estão só no que os atletas recebem como prémio consoante o género; as diferenças estão também no que os atletas geram. O «Business Insider» faz uma análise ao que cada competição gerou em receitas de patrocínios: o Mundial 2015 teve 8.800.000 euros pagos pelos patrocinadores; o Mundial 2014 teve 469.000.000 de euros. Fazendo contas, a seleção feminina norte-americana recebeu 11% das receitas de patrocínio, enquanto a equipa masculina dos EUA ganhou 6,6% (não esquecendo que a feminina ganhou o torneio).

No plano geral dos mundiais de seleções, a equipa masculina vencedora do Mundial 2014, a Alemanha, ganhou 31.000.000 de euros (também 6,6% das receitas de patrocínios) pelo triunfo – a campeã do mundo feminina, os EUA, como já se viu, ganhou 1.700.000 euros em 2015; enquanto, no Brasil, cada seleção masculina que passou a fase de grupos no Mundial 2014 ganhou logo 7.100.000 euros.

O «Business Insider» pergunta, entretanto, não por que as atletas femininas ganham menos, mas por que há menos adeptos e patrocinadores nos desportos femininos. É uma questão colocada inclusivamente por batalhadoras pela igualdade de pagamentos nos desportos, como já se verá. Até porque há desportos em que a paridade de ganhos (já) «é» (ou vai sendo – melhor dizendo) a realidade.

Veja-se o ténis. Desde 2007 que os quatro torneio do Grand Slam têm os «prize money» equiparados entre homens e mulheres. O US Open foi o primeiro a fazê-lo depois da campanha protagonizada por Billi Jean King à cabeça de outras oito tenistas – Billie Jean King que dá o nome ao centro de ténis nacional norte-americano de Flushing Meadows, onde se joga o grand slam nova-iorquino.



Estava-se em 1973. Ao US Open seguiu-se o Open da Austrália em 1984 (e 1985, com dois interregnos entre 1986-1990 e 1996-2000, para voltar em definitivo em 2001). Roland Garros igualou os prémios monetários a partir de 2006 e Wimbledon fê-lo no ano seguinte – como recordou também nesta semana de greve das Matildas o «The Guardian». À cabeça da «revolta» inglesa iniciada em 2006 esteve Venus Williams questionando por que devia ela ganhar menos do que Roger Federer quando ambos ganharam o torneio em 2005.

Em 2012, a questão da igualdade monetária ainda não estava pacificada. No mesmo «The Guardian», Gilles Simon mostrou a discordância do seu ponto de vista masculino: «Os jogadores masculinos passaram o dobro do tempo no court em Roland Garros. A igualdade nos salários não é uma coisa que funcione no desporto. O ténis masculino permanece mais atrativo do que o ténis feminino.»

Ana Ivanovic respondeu: «Tem-se falado sempre, mas o nosso físico é diferente. Penso que também merecemos o nosso dinheiro. Eu, hoje, estive ali duas horas e meia.» E, a respeito da questão física, já Venus Williams tinha, em 2006, dado a sua resposta: «Para que conste, a final feminina de 2005 durou mais 45 minutos do que a dos homens.» «Sem custos extra», acrescentou.

A paridade monetária também é uma realidade nas grandes maratonas mundiais, como são as (classificadas nesse grupo) de Nova Iorque, Boston, Chicago, Londres, Berlim e Tóquio. Os circuitos mundiais de surf também passaram a ter os prémios monetários iguais entre homens e mulheres desde 2012, por exemplo.

E há os exemplos contrários. Nos circuitos de golfe, a discrepância é incontornável: o «prize money» total do PGA Tour 2014 foi de 301.300.000 euros, enquanto, na prática feminina, o «prize money» total do LGA 2015 é de 54.600.000 euros. Os mesmos dados da Women’s Sports Foundation mostram a disparidade que existe no basquetebol profissional dos EUA. Os ganhos anuais mínimos e máximos na WNBA em 2015 estiveram entre os 34.500 e os 97.000 euros por jogadora. Na NBA, em 2016, os basquetebolistas vão ganhar entre os 465.400 e os 14.500.000 euros por ano.



Voltando ao ténis, podemos deter-nos na relação que, por exemplo, a vertente desportiva pode ter relativamente aos patrocínios pagos no que respeita ao retorno monetário de cada atleta. Maria Sharapova é a nº3 do Ranking WTA. A tenista russa tem um rendimento de 2015 estimado pela «Forbes» em 26.200.000 euros resultantes de 5.900.000 de «prize Money» em torneios e 20.300.000 de patrocínios – é a atleta mais bem paga da lista feminina de desportistas. Roger Federer (nº2 do mundo) é o mais bem pago entre os homens (com dados anteriores ao US Open deste fim de semana). O tenista suíço tem 59.000.000 euros ganhos em 2015 resultantes de 8.000.000 de euros em prémios monetários e 51.000.000 em patrocínios.

Nenhum deles é o líder no seu ranking desportivo, mas são os que ganham mais no ténis no respetivo género – na lista das atletas mais bem pagas em absoluto da «Forbes», sete delas, inclusivamente, são tenistas (restam uma piloto, uma lutadora e uma golfista). O ténis mostra o seu peso igualitário, mas, mesmo entre Sharapova e Federer há outras diferenças. A russa ganhou dois torneios neste ano e tem cerca de menos 20% de euros ganhos em prémios monetários do que o suíço, que venceu cinco.

Curiosamente, Sharapova e Federer ganharam em Cincinati e Roma – dois torneios com ambos quadros feminino e masculino. Mas, enquanto na prova norte-americana já há paridade de «prize money», na italiana não. Mas o que fica mais notório é que se a diferença monetária não é tão significativa entre ambos no plano desportivo, no plano dos patrocínios (um pouco mais «independentes» do desempenho desportivo), Federer tem um valor superior em mais de 50%.

E há outros exemplos de distância. Desde o pugilista Floyd Mayweather (o atleta mais bem pago do mundo em absoluto para a «Forbes»), com 264.000.000 euros ganhos em 2015 (entre 251.500.00 de prémios monetários e 12.500.000 em patrocínios) à lutadora Ronda Rousey (no top 10 das atletas da «Forbes»), com 5.700.000 euros totais em 2015 (2.100.000 euros de prémios e 3.500.000 em patrocínios); ou entre o piloto mais bem pago, Lewis Hamilton (na Fórmula 1), com 34.500.000 euros em 2015 (31.800.000 de ordenado mais 2.700.000 em patrocínios) e a respetiva do sexo oposto. Danica Patrick (Nascar) é a piloto mais bem paga do mundo: recebe um total de 12.300.000 euros divididos em 7.000.000 de salários e 5.300.000 em patrocínios.

As variantes são muitas, a questão permanece em estado de evolução. Porque muito tem a ver com estados de espírito ainda vigentes e carentes de eventual mudança, mas também com os respetivos desportos e os atletas eles mesmos, com os vários agentes envolvidos, desde organizadores a patrocinadores passando pela comunicação social e, claro, em última (mas indispensável) instância, também, do público. A Women’s Sports Foundation, fundada pela própria Billie Jean King, tanto repara nas semelhanças e diferenças como também não deixa de dar conselhos, que vão desde assistir mais a desportos femininos, a encorajar a prática do desporto por mulheres e passando pela sensibilização da comunicação social a cobrir mais eventos.

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