O economista de Harvard que joga ténis nos tempos livres e fez história no ATP

17 fev 2023, 09:00
Matija Pecotic (Paul Kane/Getty Images)

Matija Pecotic chegou a ser tenista profissional, mas nunca foi muito longe. Por isso atirou-se aos livros e tornou-se diretor de mercado de capital imobiliário. O ténis é um part-time, que alimenta com paixão e que deu troco na terça-feira, quando entrou quase por acaso num torneio do ATP e acabou a vencer um antigo top-10 mundial. Ele que pediu ao chefe para sair mais cedo do trabalho para poder ir jogar.

Matija Pecotic, já ouviu falar?

É provável que não e nesse caso não tem nada que se envergonhar. A verdade é que Matija Pecotic era um perfeito desconhecido até à última terça-feira.

Licenciado em economia pela Universidade de Havard, nos Estados Unidos, jogava ténis em part-time, quando o tempo lhe permitia.

De segunda a sexta-feira trabalhava das nove às seis da tarde, como diretor de mercado de capital numa empresa de investimento imobiliário: a Wexford Real Estate Investors, avaliada em quatro mil milhões de dólares.

A verdade, porém, é que o ténis sempre foi um verdadeiro amor.

Antes de entrar no trabalho, quatro ou cinco vezes por semana, tentava arranjar tempo para jogar com algum amigo ou colega. A maior parte das vezes jogava com o chefe, um idoso de 70 anos. Quando saía depois das 18 horas ainda fazia corrida, para manter a forma física.

Esta paixão deu troco e acabou por ser correspondida na última terça-feira.

Matija Pecotic fez história.

Venceu o antigo top-10 mundial Jack Sock e garantiu o apuramento para os oitavos de final do Delray Beach Open, um torneio ATP 250. O que o tornou notícia um pouco por tudo o mundo. Na última quarta-feira foi derrotado por Marcos Giron, número 55 do mundo, em dois sets pelos parciais de 6-3 e 6-3, mas a verdade é que nada tira o brilho desta história: foi um feito épico.

Djokovic quis treinar com ele para se preparar para uma final com Nadal

Nesta altura convém recuar um pouco no tempo para explicar que Matija Pecotic nasceu em Belgrado, na Sérvia, filho de pais croatas, em 1989, pouco antes do início da Guerra dos Balcãs. Com o começo do conflito, Matija viajou para Malta.

O pai é cirurgião ortopédico e em 1993, com a guerra a chegar a Belgrado, um amigo ligou-lhe a informar que tinha aberto uma vaga num hospital local.

«O meu pai precisava de chegar rapidamente a Malta, para ter uma hipótese de ficar com o cargo. Então ele viajou sozinho para lá, de avião, e arrendou uma casa. Não foi fácil», contou Matija Pecotic ao site da ATP.

«As pessoas dizem que há muita pressão no ténis, mas se pensarem bem, ele tinha 40 anos, dois filhos e um país em hiperinflação. Todas as poupanças de uma vida se tornaram inúteis e teve de mudar para um país do qual não conhecia nada e onde não falava a língua. Pressão? Isso é que é de facto pressão.»

O jovem cresceu, então, e viveu toda a infância em Malta.

Aluno de mérito, sobretudo nas disciplinas de economia e matemática, começou por dedicar-se ao andebol e à caça submarina. O ténis acontecia nos tempos livres, numa ilha onde a modalidade não está muito desenvolvida.

Talvez por isso nunca conseguiu entrar no ranking 1000 de juniores. Mesmo assim decidiu arriscar e em 2009 enviou DVD’s com momentos dele para vários treinadores universitários nos Estados Unidos. Por uma casualidade, Glenn Michibata, técnico principal da equipa de ténis de Princeton, interessou-se nele.

«Por norma nunca aceitamos jogadores com um ranking júnior que ande à volta da posição 1000. Mas ele tinha entrado em apenas três ou quatro torneios. Eu resolvi meter conversa e ele explicou-me que o liceu onde estudava era estilo um castelo antigo com cabras a pastar nos relvados à frente», contou o treinador.

«Pensei que aquele miúdo tinha alguma coisa de especial e resolvi dar-lhe uma oportunidade.»

Glenn Michabata não se arrependeu. O jovem croata tornou-se uma estrela em Princeton, venceu três anos consecutivos o Ivy League Player of the Year e chegou a número dois do ranking universitário de ténis.

A fama de Matija Pecotic chegou aos ouvidos de Novak Djokovic, que ia em 2013 ia disputar a final do US Open frente a Rafa Nadal e precisava de um esquerdino para o ajudar a treinar. As origens sérvias facilitaram o encontro e no final do treino Djokovic disse que a canhota do jovem era uma das melhores do mundo.

A infeção bacteriana que o empurrou para uma licenciatura em Harvard

Pecotic acabou os estudos universitários, tornou-se profissional de ténis em 2014 e chegou a número 206 do mundo em 2015.

No entanto um ano depois tudo mudou. Antes do Open da Austrália, o jovem foi obrigado a fazer uma pequena cirurgia ao estômago, apanhou uma infeção bacteriana e ficou oito meses preso a uma cama.

Durante esse período decidiu fazer a candidatura a Havard e, para surpresa dele, foi aceite.  Em 2019 licenciou-se em economia na Harvard Business School e logo a seguir venceu um torneio de Futures, no México.

«De repente, tinha outra licenciatura, acabara de ganhar um Futures e ia somar alguns pontos. Pensei: deixa ver o que posso fazer com isto. Estou de volta.»

Ainda chegou a número 400 do mundo e até ultrapassou o qualifying do Open de Sofia, na Bulgária, o que lhe permitiria defrontar o top-10 Gilles Simon. Mas ficou doente, não conseguiu jogar e depois veio a pandemia.

As fronteiras fecharam, o desporto parou e Matija Pecotic achou que estava na altura de ter um rendimento fixo. Usou a licenciatura para entrar no mundo dos investimentos imobiliários e continuou a jogar ténis apenas nos tempos livres.

Provavelmente por isso, quando menos esperava, o ténis compensou toda a dedicação. Aconteceu no Delray Open, a meia hora de casa, em Palm Beach.

«Na sexta-feira tentei inscrever-me no torneio como suplente dos qualifyings, mas não entrei. Só que nessa tarde esqueci-me de três raquetes lá. Então no sábado acordei e pensei: vou a Delray buscar as minhas raquetes. Quando cheguei, o diretor do torneio disse para aguardar, que podia haver um lugar nos qualifyings, porque tinha havido uma desistência.»

Meia hora antes do início do jogo, estava confirmado: ia entrar. Ele que só tinha saído de casa para ir buscar as raquetes acabou por defrontar Stefan Kozlov e vencer. No final do encontro estava radiante.

«Só quero aproveitar e ir o mais longe que puder. Se perder na próxima ronda, não há problema, segunda-feira vou trabalhar normalmente.»

O chefe deixou-o sair mais cedo para ir vencer um antigo top-10 mundial

A verdade é que na próxima ronda do qualifying voltou a ganhar, desta vez Tennys Sandgren, que já foi seminifalista do Open da Austrália, e com isso garantiu a entrada no quadro principal do torneio.

Apesar disso, na segunda-feira foi trabalhar normalmente na mesma e na terça-feira voltou a aparecer. Mas saiu mais cedo para defrontar um antigo top-10 mundial. Pediu ao chefe autorização, foi para Delray, salvou oito pontos de break e venceu Jack Sock. Com o chefe a ver e a torcer por ele nas bancadas.

«Tive de enviar um e-mail para a equipa a informar que ia sair mais cedo com autorização do chefe. Agora acho que vou pedir um dia de folga para quarta-feira», sorriu no final da partida histórica.

«Eu amo completamente este jogo, mas sei que tenho 33 anos e que isto não vai durar para sempre. Por isso tentou aproveitar cada dia. Muitas vezes treino com o meu chefe, que tem 70 anos. Esta semana treinei com um colega que tem 50 e muitos anos. Tenho de encontrar formas criativas para continuar a jogar.»

Na quarta-feira perdeu, é verdade, e voltou a ser apenas um diretor de mercado de capitais formado em Havard. Mas para sempre deixou uma história de encantar.

A história da cinderela do ténis.

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