O adversário do Benfica que aos 13 anos já era uma estrela e até fazia anúncios para a McDonalds

15 fev 2023, 09:33
Scott Parker (Oli Scarff/Pool via AP)

Scott Parker foi uma grande promessa do futebol inglês, chegou a ser orientado por Mourinho no Chelsea e é desde o início do ano treinador do Club Brugge. Venha daí conhecer a história deste inglês que não dispensa cinco conversas por semana com um psicólogo, incluindo na véspera e uma hora antes de cada jogo, e que contratou uma empresa externa para traçar o perfil mental de todos os jogadores.

1993.

Nelson Mandela recebia o Nobel da Paz, o Tratado de Maastricht lançava as bases da União Europeia e Portugal acabava atingido por um verão quente que desviou Paulo Sousa e Pacheco do Benfica para o Sporting.

O mundo vivia por isso dias agitados quando Inglaterra foi abalada por um fenómeno mediático.

Era uma altura em que as memórias duravam mais tempo, antes dos canais por subscrição e da Lei Bosman. O país preparava-se para o Mundial 94, o que era sempre um acontecimento. Foi neste contexto de entusiasmo que um miúdo de 13 anos se tornou protagonista de um anúncio para a McDonalds, a lançar precisamente o Mundial dos Estados Unidos e que teve um sucesso tremedo.

Esse miúdo chamava-se Scott Parker e é agora treinador do Club Brugge.

«De repente fiquei conhecido como o garoto da McDonalds. Onde quer que eu fosse, era o garoto da McDonalds. Por isso, e olhando para trás, acho que aquele anúncio me trouxe coisas boas e coisas horríveis», considera Scott Parker.

«Por um lado, foi horrível porque eu tinha 13 anos e estudava numa escola só para rapazes no leste de Londres. No anúncio era um rapaz chamado Jimmy. Como podem imaginar, era gozado todos os dias e isso tornou-se normal. Por outro lado, foi uma experiência brilhante e que fez parte do meu crescimento.»

O que é certo é que a popularidade do adolescente tornou-se tão grande que vários clubes quiseram contratá-lo. Na altura foi até notícia que um grande clube de Londres lhe oferecia cerca de cem mil euros para que ele assinasse contrato de formação.

Ao mesmo tempo os empresários começaram a andar atrás de Scott Parker. O que levou até a Sky Sports a fazer um programa de debate sobre a legitimidade do assédio dos agentes a jogadores menores de idade.

«Houve uma vez num jogo de seleções distritais, quando ele estava a jogar por South London, que um empresário me perseguiu até à casa de banho para falar comigo. Depois apresentou-se e entregou-me o cartão dele. O que foi um grande alívio, porque eu pensei que ele ia roubar-me», contou o pai nesse programa.

«Às vezes já conheço os rostos e penso: oh, lá estão eles. Isso mexe um pouco comigo. Mas a maior parte das vezes não sei quantos lá estão», adiantou o miúdo.

Nessa altura, Scott Parker era já uma promessa do futebol inglês, o que o levou a terminar os estudos na Lilleshall School of Excellence: o centro de estágio da federação inglesa, que fechou entretanto e se transformou num espaço de casamentos.

Durante quase duas décadas, Lilleshall foi o berço de onde saíram craques como Michael Owen, Sol Campbell, Jamie Carragher, Joe Cole, Jermain Defoe, Nick Barmby, Gareth Barry ou Michael Ball. Foi lá também que terminou a formação Scott Parker, ao mesmo tempo que jogava nas camadas jovens do Charlton.

Com 16 anos estreou-se na primeira equipa, que disputava a II Liga Inglesa, e dois meses depois assinou contrato profissional. Foi só aos 19 anos, no entanto, e após um empréstimo ao Norwich, que se afirmou como titular da equipa. O que levou o Chelsea a pagar 12 milhões de euros por ele, em janeiro de 2004.

Não dispensa cinco conversas por semana com um psicólogo desportivo

Seis meses depois chegou a Stamford Bridge José Mourinho e terminaram os dias de glória do médio no clube. Só foi uma vez titular, antes de partir duas vezes o pé e acabar por ser vendido no final da temporada ao Newcastle.

«Por uma ou outra razão, o treinador não gostava de mim», considerou.

Depois disso construiu uma carreira de sucesso no Newcastle, no West Ham, no Tottenham, no Fulham e na Seleção Inglesa, afirmando-se em todos eles como titular e tornando-se capitão também de quase todos (menos o West Ham).

Curiosamente foi no West Ham que ganhou projeção um discurso que teve ao intervalo para os colegas, quando a equipa perdia 3-0 com o West Bromwich, antes de uma segunda parte fabulosa que acabou por valer o empate (3-3).

«Se estivessem no balneário a ouvir aquela palestra ficariam com os olhos em lágrimas», disse no final da partida Carlton Cole aos jornalistas.

Ora por isso, não surpreendeu que após o final da carreira, em 2017, Scott Parker se tenha tornado treinador. Começou nos juniores do Tottenham, passou por adjunto de Ranieri e finalmente tornou-se técnico principal do Fulham em 2019.

Afinal de contas tinha uma personalidade de líder e uma vida cheia de aventuras, que o levara a experimentar altos e baixos, promessas e desilusões, sucessos e insucessos. Ele que aos 13 anos já era um fenómeno mediático.

Neste caminho, garante, foi essencial o psicólogo desportivo Mike Griffiths. Começou a trabalhar com ele em 2007, quando estava no West Ham, e nunca mais parou. Nem agora, que é treinador.

«É alguém com quem falo cinco vezes por semana. Alguém com quem falo na noite antes de um jogo e com quem volto a falar uma hora antes do início do jogo. É alguém que me ajuda e que é uma espécie de caixa de ressonância para mim», disse.

«Desde que trabalho com ele tornei-me uma pessoa diferente, mudei a mentalidade e a forma como vejo as coisas. Ele tem sido uma parte enorme do meu sucesso. Como era quando eu ainda jogava.»

Contratou uma empresa externa para traçar o perfil psicológico de cada jogador

Os aspetos psicológicos, de resto, são uma parte fundamental do trabalho de Scott Parker. Tanto assim, aliás, que no Fulham e no Bournemouth contratou uma empresa para traçar o perfil mental de todos os jogadores.

«Percebi no final da minha carreira que o balneário tinha mudado drasticamente. Eu sou muito preto ou branco. Se joguei mal, quero que alguém mo diga, e eu reagirei a isso. Posso atirar-me a essa pessoa e envolver-me num confronto, mas quando sair do balneário e entrar no carro estará tudo resolvido. Hoje, no entanto, há personalidades e culturas muito diferentes. O jogo mudou e a maneira como abordas um jogador tem de ser diferente. Um jogador pode querer que eu lhe diga tudo na cara e outro pode não querer ser exposto à frente do balneário. Como defines o ambiente para uma conversa séria? É no campo de treino sentado em cima da bola? É no escritório do treinador? Tens de conhecer os jogadores para que eles se abram contigo e consigas chegar a eles», explicou ao The Athletic.

«Por isso quando comecei decidi traçar o perfil de todos e contratei uma empresa externa para categorizar cada um. Passaram tempo com os jogadores, falaram com eles, fizeram perguntas e depois deram-me um documento sobre cada atleta, como deve ser abordado, que tipo de características tem a sua personalidade.»

É este Scott Parker que esta quarta-feira vai viver um dia especial: frente ao Benfica, na Bélgica, vai fazer a estreia nas competições europeias.

Ele que já conta com duas subidas de divisão, no Fulham e no Bournemouth, mas acabou sempre por ser despedido. Confirmando o que se foi descobrindo desde que apareceu num anúncio aos 13 anos: é um fenómeno cheio de promessas.

Boa parte delas ainda por cumprir.

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