Manuais portugueses com descobrimentos em tom epopeico mas sem ignorar escravatura

Agência Lusa , DCT
24 dez 2023, 09:30
Livro (Freepik)

O presidente da Associação de Professores de História sublinhou que 2016 representou um marco para a atualização dos conteúdos que, desde então, deixaram de ter esse tom epopeico.

Os manuais portugueses continuam a apresentar os descobrimentos em tom epopeico, que atingiu o auge no Estado Novo, mas agora assumem a escravatura como uma página negra da história de Portugal, segundo o presidente da Associação de Professores de História.

Miguel Monteiro de Barros considera que os descobrimentos portugueses são o tema mais fraturante da história de Portugal e que isso se nota nas salas de aulas, com discussões mais ou menos acaloradas.

“É um tema fraturante, porque está na comunicação social. Eles [os alunos], de uma maneira ou de outra, contactaram com as fraturas e com as dissensões que existem em torno do tema; ouviram falar dos grafítis nos monumentos, seja no Padrão dos Descobrimentos ou naquele monumento ridículo em frente ao museu de São Roque” (estátua do padre António Vieira, que foi vandalizada), disse.

Este professor, que tem investigado temas como o racismo e a escravatura, defende uma sala de aula em que os alunos partilhem as suas ideias prévias sobre os temas, para abrir a discussão.

“Uma parte dos alunos portugueses até pode ter ouvido falar em casa dos descobrimentos e da expansão portuguesa, mas a maioria daqueles alunos [com ascendentes nas antigas colónias] tem uma visão completamente diferente do que é a chegada dos portugueses às terras de onde os pais são originários”, disse.

E prosseguiu: “Muitas vezes havia discussões na sala de aula, não tanto com os alunos africanos, mas mais com os brasileiros, sobre a questão do achamento e descobrimento, a questão de já haver povos indígenas no Brasil”, disse.

Para Miguel Monteiro de Barros, é fácil explicar o Padrão dos Descobrimentos, construído “no contexto do Estado Novo” (1940). “Já é difícil, muito difícil, explicar ou tentar justificar o monumento ao Padre António Vieira, em frente ao Museu de São Roque”, em Lisboa, inaugurado em 2017.

O docente sublinhou que 2016 representou um marco para a atualização dos conteúdos que, desde então, deixaram de ter esse tom epopeico.

O mesmo não aconteceu nos manuais, em que a abordagem dos descobrimentos “não mudou muito”, ficando as mudanças por “aspetos pontuais e entretanto esclarecidos pela historiografia”.

Tendo em conta “a manualização do ensino” que existe em Portugal, em que os professores começam a "assumir o manual como sendo um programa”, a narrativa épica continua a registar-se.

Mas agora, e também como resultado das propostas apresentadas em 2016, os manuais trabalham no tema dos descobrimentos “a submissão violenta de diversos povos” e reconhecem que “a escravatura foi um processo negativo, basicamente, e que é uma parte negra da página da história da Europa e da história de Portugal”.

Uma cisão em relação ao que os manuais advogavam no Estado Novo, em que professores e alunos foram doutrinados de que o colonialismo português até não era o pior, com argumentos como a ausência de apartheid, o facto de os portugueses se misturarem e “todos estes clichés” que apresentavam os portugueses como extraordinários colonizadores.

“Tudo isto é uma manipulação, tem a ver com o Estado Novo. A máquina de propaganda do Estado Novo era muito poderosa e conseguiram instalar estas ideias na população portuguesa”, disse.

 

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