Só queria jogar com Nuno Gomes no Benfica, agora é a melhor do mundo

9 fev 2021, 09:15

História de Ana Catarina, guarda-redes de futsal do Benfica, eleita a melhor do mundo pela segunda vez

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

«Sempre joguei à bola. A primeira memória que tenho é de estar a jogar com o meu pai. Quando era miúda, só queria bola, bola e bola».

Bola, bola e mais bola. Este podia ser o resumo da infância de muitas crianças. Mas neste caso, está no feminino. E apesar de ser cada vez mais frequente, isso ainda lhe confere um quê de novidade.

Contudo, há muita gente a fazer com que deixe de causar espanto. Ana Catarina Pereira é uma dessas pessoas.

E que melhor publicidade do que ser considerada a melhor do mundo? Bem, só se for ser considerada melhor do mundo… duas vezes.

Ana Catarina conseguiu-o. A guarda-redes da equipa de futsal do Benfica e da seleção nacional recebeu a distinção, atribuída anualmente pela futsalplanet, pela segunda vez, no final de janeiro. Um regresso ao topo para a guardiã que nos últimos seis anos ficou sempre nos dois primeiros lugares.

Nada mau para quem, no infantário, mandava os outros para a baliza.

«Achava uma seca estar na baliza. Eu queria era fazer fintas, marcar golos e dar show. Os outros que fossem à baliza», recorda, animada, em conversa com o Maisfutebol, na qual voltou à infância. Quando tudo era possível… de sonhar.

«Em miúda, o meu sonho era jogar no Benfica. Só queria jogar no Benfica ao lado do Nuno Gomes, que era o meu jogador preferido», confessa.

E não é que parte do sonho se cumpriu?

Mas para isso foi preciso um sacrifício. Aquele que custa horrores a tantas crianças e que é quase inevitável: «lá houve um dia em que me disseram que tinha mesmo de ir à baliza», lembra, já sem peso na voz. Porque esse dia mudou-lhe a vida.

«Ainda foi no infantário. Mais uma vez, ninguém queria ir à baliza e tive mesmo de ir eu. E acho que fiz a melhor exibição da minha vida. Ainda hoje me lembro de uma ou duas defesas que fiz nesse dia», relata sem controlar o riso.

O início de um conto de fadas? Não, o de uma paixão que se tornou numa história de sucesso.

«Nunca mais quis sair da baliza. Tinha um amigo que costumava levar umas luvas de motard para a escola, porque os pais tinham uma loja de motas, e mesmo não sendo luvas de guarda-redes, quando ele as levava era sempre o melhor dia da minha vida», continua, Ana Catarina.

Na equipa principal do Benfica… aos 13 anos

As luvas de motard não tinham muito que ver com o futsal. Mas a verdade é que a carreira de Ana Catarina acelerou depois de uma forma impossível de parar.

Mesmo que a chegada ao desporto federado só tenha surgido lá para os 12 anos, quando uma professora de Educação Física reparou na aluna e decidiu levá-la aos treinos do desporto que também ela praticava.

«Fui treinar ao Vilfranquense, o clube cá da terra, e fiquei logo», refere a guarda-redes.

Ficou logo, mas não se deixou ficar muito tempo. Porque havia um sonho para cumprir e ele chegou bem depressa.

«No início da segunda época fui treinar ao Benfica e eles convidaram-me para ficar. Eu pensava que ia para a equipa de juniores, mas o escalão não abriu, por isso fui logo para as seniores. Era uma das quatro guarda-redes», orgulha-se.

Apesar de fazer aquilo de que mais gostava, a diferença de idades não facilitou a vida a da tímida Ana Catarina. «Tinha vergonha até de dizer boa tarde», explica.

Isso, contudo, acontecia apenas fora do campo.

«O mais difícil era no balneário, pela minha forma de ser. Mas dentro do campo não havia diferenças. Eu já era destemida e tudo era fácil, nunca tive problema de gritar ou sair a nenhuma colega», assegura.

Apesar de nas primeiras épocas não ter jogado tanto quanto com certeza gostaria, a convivência desde tão nova com algumas das melhores jogadoras do país ajudou Ana Catarina a evoluir.

«Falta-me ser a melhor três vezes, ninguém conseguiu… depois quatro, cinco»

E a prova disso mesmo é que a guarda-redes, hoje com 28 anos, se mantém no topo do mundo na posição desde os 22, algo que muito a orgulha.

«Não só ganhar, mas o facto de ter ficado nos dois primeiros lugares do prémio nos últimos seis anos, é algo que dá um enorme sentimento de orgulho. É a prova de que tenho estado a fazer as coisas bem e que tenho mostrado consistência», enaltece.

O que falta, então a alguém que anda há tanto tempo no topo do mundo? A resposta vem de pronto.

«Falta-me ser a melhor do mundo três vezes, algo que ninguém conseguiu. Depois quatro, para ser mais difícil de me apanharem, e cinco para complicar ainda mais», aponta, ambiciosa.

E para o conseguir, Ana Catarina parece saber o que tem de fazer: não estar em casa no dia do anúncio. Sempre que ficou em casa, acabou em segundo.

«Tenho sempre uma história para contar da forma como recebo a notícia. Da primeira vez estava com uma amiga no bingo, agora estava na mercearia a comprar pão. Desatei a correr pelos corredores… e depois tive de me acalmar e ir pagar», relata, numa gargalhada.

«Como não estava na minha zona, ninguém percebeu o que estava a acontecer. Ficaram só a olhar para mim e devem ter pensado: ‘isto já lhe passa’», recorda.

Mas Ana Catarina tem outros objetivos que lhe faltam conquistar.

«Ganhar com o Benfica uma Liga dos Campeões oficial, da UEFA, e o Europeu que fugiu para a Espanha em Gondomar [em fevereiro de 2019]», aponta a jogadora 71 vezes internacional por Portugal.

Sim porque, entretanto, nos sonhos de miúda, houve outros objetivos daqueles que a puseram «a correr como uma maluquinha».

«O João Benedito foi e sempre será a minha referência no futsal. E receber os parabéns de um ídolo é das melhores sensações que se podem ter», confidencia.

Jogar ao lado do Nuno Gomes é que ainda não aconteceu, não é verdade?

«Não, mas há uns dias, o irmão do Nuno Gomes soube que eu gostava muito dele e ele deu-me os parabéns no Twitter. Avé-Maria! O Nuno Gomes a mandar-me uma mensagem! Lá desatei a correr pela casa toda», relata, em nova gargalhada.

Investimentos na bolsa, gestão desportiva e treino de guarda-redes

Aos 28 anos, a cumprir a 14.ª época no Benfica, Ana Catarina acredita que poderá jogar até lá para os 35 anos.

«Mas só se estiver em condições, não me quero andar a arrastar-me», realça.

Contudo, o futuro já está a ser preparado há algum tempo. Depois de ter interrompido o curso de Finanças Empresariais – porque adora o mundo dos investimentos na Bolsa, área em que é quase autodidata –, Ana está agora a estudar gestão desportiva, outra área que a fascina.

Porém, como não podia deixar de ser, o futsal continua no horizonte. Ainda que não se imagine para já como treinadora principal.

«Gosto muito da parte do treino de guarda-redes. Até já tenho o meu caderno com exercícios, com treino de baliza. Quando chego de um treino, se faço um exercício novo, vou lá colocá-lo», confessa.

Algo que a jogadora não acredita é que a profissionalização do futsal feminino em Portugal aconteça ainda com ela em atividade. Mas isso não a incomoda, porque ela está a fazer parte dessa luta.

«Já somos semiprofissionais e conseguimos ter quatro ou cinco treinos por semana. Mas o profissionalismo em Portugal ainda vai ser uma longa luta e acho que já não vou apanhar essa fase. Mas não me importo de fazer parte da luta, se outras vierem a conseguir já vou ficar contente», assegura.

Para já, há uma coisa que a incomoda mais…

«Apesar de ser guarda-redes, sempre marquei alguns golos. E agora a minha veia goleadora está armada em D. Sebastião e anda desaparecida», lamenta.

Mas isso não a vai impedindo de «dar show», como tanto gostava em garota.

«Isso não pode faltar! Nem que dar show seja defender uma bola com a cabeça a dez segundos do fim do jogo», finaliza.

 E o show da melhor do mundo parece estar para durar.

 

 

 

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