Madonna, 40 anos depois. “Ser capaz de mexer o meu corpo e dançar faz-me sentir a estrela mais sortuda do mundo”

CNN , Dan Heching
13 ago 2023, 19:00
Madonna foto dos anos 80 Getty Images

O primeiro álbum de Madonna, intitulado com o nome da cantora, foi lançado há 40 anos.

Num vídeo que partilhou nas redes sociais, o ícone da cultura pop assinalou o aniversário dançando ao som de “Lucky Star”, o quarto single do seu álbum de estreia de 1983, que foi também o seu primeiro êxito no top 5 do top Billboard nos EUA.

“Ser capaz de mexer o meu corpo e dançar só um bocadinho faz-me sentir a estrela mais sortuda do mundo!”, escreveu Madonna, referindo-se à sua recuperação de um problema de saúde no início deste verão. “Obrigada a todos os meus fãs e amigos!”

Esses amigos incluem Michael Rosenblatt, o antigo responsável por encontrar talentos da Sire Records - a primeira editora de Madonna -, e que ajudou a lançar a sua carreira.

“Dei a Madonna - depois de assinarmos - um destes teclados Casiotone da velha guarda com um leitor de cassetes incorporado”, disse Rosenblatt à CNN numa entrevista recente. “E uma semana ou duas - definitivamente não mais de duas semanas depois de ter assinado contrato com ela - ela veio ao meu escritório e tocou 'Lucky Star'. Ela disse: 'Acabei de escrever isto nesta coisinha' que lhe comprei.”

“Eu disse-lhe que ela tinha escrito o seu primeiro êxito”, recordou.

Um retrato de Madonna em 1979, em Nova Iorque. Michael McDonnell/Getty Images

Mas a sorte teve muito pouco a ver com a ascensão inicial da futura rainha do pop à fama, no tipo de jornada histórica que gerou tantas versões quanto aqueles que a contam. No entanto, uma linha transversal é que a própria Madonna sempre pareceu saber exatamente para onde se dirigia.

“Fiquei muito impressionado com ela desde o momento em que a conheci”, disse à CNN Bobby Shaw - que trabalhou no mundo da promoção musical no início dos anos 80 em Nova Iorque e foi o primeiro promotor da música de Madonna. Ele chamou-lhe também uma “pessoa de garra” que era “muito agressiva” ao querer saber tudo sobre o negócio.

O álbum “Madonna” foi uma entrada explosiva para a bailarina formada que se tornou cantora e que estava a caminho de ser muito mais. Embora o álbum só contivesse oito canções no total, essas canções - incluindo os singles adicionais “Borderline”, “Burning Up” e “Holiday” - personificavam a cultura jovem e exuberante dos clubes de Nova Iorque da época.

O Danceteria, um clube de dança no Garment District de Manhattan entre 1979 e 1986, serviu como um dos pontos de ligação para a cena musical florescente na cidade. Na altura com 24 anos, natural do Michigan, e tendo já tentado gravar um disco em Paris, Madonna era conhecida por frequentar o local - chegou mesmo a dizer, num post recente no Instagram, que “perseguiu” um DJ.

“O meu melhor amigo na altura era o Mark Kamins, que era o DJ das sextas e sábados à noite na Danceteria”, recorda Rosenblatt. “E ele falou-me de uma rapariga que estava sempre a tentar que ele tocasse a sua demo - o que ele não fazia. Mas disse-me que essa rapariga era incrivelmente boa.”

“Havia uma estrela a irradiar no meu escritório. Era ela"

Num sábado à noite, no inverno de 1981-82, ele acabaria por conhecer Madonna, coincidentemente enquanto acompanhava outra dupla de artistas que tinha sido contratada recentemente por um amigo seu em Inglaterra - os Wham!

“Nessa noite, saio com George Michael e Andrew Ridgeley, levando-os a vários clubes. Estávamos na Danceteria, na zona do bar do segundo andar, onde Mark Kamins era o DJ. Vi uma rapariga a atravessar a pista de dança e a subir para a cabina do DJ e disse para comigo: ‘Deve ser a rapariga de que o Mark fala’", contou Rosenblatt, referindo ainda que os dois começaram a falar e marcaram uma reunião nessa segunda-feira para que Madonna lhe tocasse a sua demo. (A demo, disse ele mais tarde, continha a faixa “Everybody” - que acabaria por se tornar o single principal de “Madonna”, juntamente com um lado B intitulado “Ain't No Big Deal”).

“Então, na segunda-feira, ao fim do dia, Madonna e Mark apareceram no meu escritório e tocaram a sua demo, que era boa. Quero dizer, não era espetacular, mas era boa”, continuou. “Mas o que aconteceu foi que havia uma estrela a irradiar no meu escritório. Era ela.”

Madonna fotografada num loft em Canal Street, Nova Iorque, em dezembro de 1982. Peter Noble/Redferns/Getty Images

Rosenblatt sabia desde o início que estava a lidar com alguém especial, mas tinha mais um teste na manga para lançar sobre a neófita.

“Faço sempre esta pergunta - e continuo a fazê-la com qualquer artista que me interesse - que é: 'O que é tu que queres? O que procuras?’", explicou. “A resposta errada é: 'Quero divulgar a minha arte'. A melhor resposta foi a que Madonna me deu, que dizia: 'Quero dominar o mundo'. E eu pensei, essa é uma resposta do caraças". (Por acaso, é também a resposta que Madonna famosamente deu a Dick Clark no programa ‘American Bandstand’ em 1984).

Os instintos de Rosenblatt entraram em ação e ele queria agir rapidamente para garantir um acordo com Madonna. O que significava falar com o seu chefe, o presidente da Sire Records, Seymour Stein, e marcar uma reunião para os dois no dia seguinte - apesar de Stein estar no hospital na altura devido a um problema cardíaco. (Stein viveu por muito mais tempo, porém, e faleceu no início deste ano).

“Fui ter com o Seymour, toquei-lhe a demo, contei-lhe tudo sobre ela, que ela era uma estrela e que tínhamos de a contratar”, recorda Rosenblatt.

Mas houve ainda uma coisa que o marcou.

“Eu disse à Madonna: 'Tens de trazer identificação, porque não acredito que te chames Madonna'. E ela disse: 'Do que é que estás a falar?'”, contou ele, acrescentando que lhe respondeu na altura que era “demasiado bom para ser verdade. É tipo, é perfeito”.

“E ela apareceu no dia seguinte com o passaporte!”

“Ela era apenas uma miúda do clube”

Tal como acontece com muitas partes da história de origem de Madonna, esse encontro com Stein no hospital tornou-se numa lenda. Havia uma coluna de som no quarto, e Rosenblatt tocou a sua demo novamente para Stein enquanto Madonna estava lá. Além da sua música, o que mais chamou a atenção foi a artista que ali estava, pronta para conquistar o mundo.

“Ouvimos a música novamente e Madonna deixou-o encantado”, disse Rosenblatt sobre esse dia definidor com Stein. “Ela sabia que estava muito perto de conseguir um contrato e que este era o tipo que o ia fazer acontecer.”

E embora “todos se tenham dado bem”, Rosenblatt ainda não estava totalmente confiante de que Stein concordaria em assinar com ela, porque, disse ele, ninguém queria assinar com Madonna na época. (A própria cantora falou da rejeição profissional que sofreu nos seus primeiros anos em Nova Iorque).

Rosenblatt disse que isso tinha a ver com o quão inovadora Madonna realmente era - não apenas em termos de sua personalidade e apresentação (mais tarde, muitas vezes imitada) - mas também porque a sua música era diferente do que era popular na época.

“Se pensarmos naquele género de música, ainda não tinha acontecido”, disse ele sobre o som inicial de Madonna.

“Havia o disco e havia o new wave. E não havia nada no meio, percebem o que quero dizer? Por isso, ninguém estava interessado”, acrescentou, continuando a dizer que era “talvez também porque ela não tinha um empresário ou um advogado a fazer compras. Ela era apenas uma miúda de clube”.

Madonna atua em Munique em março de 1984. Foto Fryderyk Gabowicz/picture alliance via Getty Images

“Madonna estava realmente a sair nos clubes new have de uma forma que nunca tinha acontecido antes”, disse mais tarde. “Quer dizer, a Debbie Harry era enorme, mas ninguém estava a fazer a cena disco/new wave ou (a cena) R&B como a Madonna fazia. Quer dizer, criámos um formato. Antes dela não (existia).”

Ainda assim, Rosenblatt reconheceu uma estrela quando a viu, e Stein concordou. Ele disse sim para a contratar para um contrato de singles – “um contrato de singles de dez mil dólares” - nesse dia no hospital. Rosenblatt e Stein tinham uma estratégia, sabendo que o contrato de singles acabaria por conduzir mais tarde a um contrato discográfico completo.

“Fez barulho. Fez barulho suficiente para lhe dar um contrato para um álbum”

“Fomos para o estúdio com Mark Kamins para cortar 'Ain't No Big Deal' como lado A e 'Everybody's' como lado B”, disse Rosenblatt. “Ain't No Big Deal” não saiu bem. Então optámos por 'Everybody'. E lembro-me de ir ao gabinete do Bobby Shaw porque estávamos todos entusiasmados com o 'Ain't No Big Deal'. E eu disse: "Bem, essa não saiu bem. O "Everybody" é suficientemente forte para ti?" Ele disse: “Sim. Sim. Sim.'”

Shaw explicou que sua decisão de promover “Everybody” foi um pouco heterodoxa, já que ainda não havia um álbum garantido por trás dele.

“Naquela altura, a não ser que houvesse um álbum para o apoiar, as editoras discográficas não iam gastar muito dinheiro para o pôr na rádio”, explicou.

Mesmo assim, eles foram em frente.

“('Everybody') era um bom disco. Era muito simples”, disse Shaw. “A canção era ótima. Não é preciso ser um cientista espacial para perceber isso.”

Além disso, assim como Rosenblatt, Shaw tinha mais do que um palpite de que a pessoa que cantava a música seria um grande negócio.

“Eu sabia, antes da primeira música, que (Madonna) era alguém especial”, disse Shaw. “A música tinha de ser boa, mas mesmo assim, a primeira canção foi ótima. Adorei-a. E quer dizer, ela fez barulho. Fez barulho suficiente para lhe darmos um contrato para um álbum."

Madonna colaborou com uma série de produtores incluindo Kamins, Reggie Lucas - com quem fizeram a canção “Physical Attraction”, “que adorámos”, disse Rosenblatt - e John 'Jellybean' Benitez nos seus primeiros singles.

“Então fizemos o álbum e ele tinha 'Borderline', que eu sabia que seria um sucesso. Tinha 'Lucky Star', que eu achava que ia ser um grande sucesso, mas não tinha o que eu queria que fosse o primeiro single, apenas um sucesso a frio", disse Rosenblatt. “Fui ter com o Seymour e disse-lhe: 'Meu, preciso de mais dez mil dólares para fazer outra canção.'”

Stein disse-lhe que, para garantir esse financiamento adicional, teriam de ir a Los Angeles para se reunirem com os manda-chuvas da Warner Bros. Records (atualmente Warner Records) - sendo a Sire uma subsidiária dessa empresa.

“Eu sabia que se levasse Madonna a Los Angeles para se encontrar com a Warner Bros., conseguir o dinheiro não seria problema”, contou Rosenblatt.

“Achas que devias dizer à Madonna para tirar os trapos do cabelo?”

A dupla viajou para a Costa Oeste e ficou na casa dos pais de Rosenblatt, onde Madonna invariavelmente chamava a atenção da mãe dele.

“Estávamos a preparar-nos para sair para nos encontrarmos com a equipa da Warner”, recorda Rosenblatt. “A minha mãe puxou-me para o lado antes de sairmos e disse... 'Achas que devias dizer à Madonna para tirar os trapos do cabelo antes de te encontrares com a Warner Bros.?'" - uma reação clara ao estilo da futura estrela que em breve tomaria de assalto a moda jovem.

“E eu disse: 'Obrigado por se preocupar, mãe, mas nós estamos bem! acrescentou Rosenblatt com uma gargalhada.

Madonna em palco no Madison Square Garden em 1984, em Nova Iorque. Michael Ochs Archives/Getty Images

É claro que as reuniões com os chefes de topo correram bem - a viagem até coincidiu com o feriado da Páscoa, partilhou Rosenblatt, e Madonna acabou por ser convidada para o Seder com Rosenblatt, a sua família e alguns dos executivos da WB music, incluindo Mo Ostin, no lendário Chasen's Restaurant, onde cantou versos do Haggadah (livro de orações da Páscoa) enquanto usava as suas cruzes características.

“Conhecemos toda a gente e toda a gente a adorou, toda a gente a adorou. Toda a gente a adorava”, disse Rosenblatt. “Ela encantava toda a gente. E no final do dia, antes de partirmos, fui ter com o Lenny Waronker, que era o presidente da Warner Bros. na altura, e disse-lhe: 'Preciso de dez mil dólares para fazer mais uma canção. Só preciso de um single de avanço”. Ele disse: 'É para já'. Então a viagem foi um sucesso”.

De volta a Nova Iorque, Rosenblatt foi ter com Lucas, Benitez e Kamins com uma proposta.

“Disse-lhes: 'Olhem, quem me trouxer a canção pode produzi-la, tenho dez mil dólares para editar uma canção'.”

Quatro dias depois, Benitez chegou com uma versão demo de uma canção chamada “Holiday”.

“Cantada por um gajo. Muito mais lenta. Mas eu adorei a canção”, recordou Rosenblatt, acrescentando que “eles aceleraram-na e fizeram dela um disco de dança”.

“Holiday” - até hoje um dos hinos mais conhecidos de Madonna - foi o elemento infalível que Rosenblatt achou que precisavam para terminar o álbum.

“Foi uma coisa de base, de raiz”

Depois, chegou a altura de o promover, o que ainda não estava exatamente planeado. Shaw lembra-se de como ele e Madonna foram para a Flórida numa digressão publicitária e andaram de carro num “belo descapotável” enquanto o irmão dela, o então bailarino Christopher Ciccone, e dois outros bailarinos de apoio, viajavam separadamente.

“Estávamos a ouvir música enquanto conduzíamos. E eu estava a fumar erva e ela não estava a fumar”, recordou Shaw da viagem de Fort Lauderdale para Key West. “E nessa noite choveu a cântaros. Fizemos o Copa em Key West.”

Antes do espetáculo, Shaw lembra-se de estar sentado num dos quartos de hotel, a ver o grupo ensaiar. Isso foi antes de Madonna ser a Madonna que o mundo acabou por conhecer, então por vezes os espetáculos que eles tocavam eram para apenas algumas dúzias de pessoas.

“Olho para isto agora e parece-me tão surreal. Mas eu estava sentado na beira de uma cama a vê-los praticar a dança num quarto de hotel. E nessa noite choveu a cântaros e talvez 25 pessoas tenham ido ao local do espetáculo. Ela não era ninguém. Ninguém a conhecia na altura. Estávamos a tentar lançá-la. Por isso, foi uma coisa de base, de raiz”.

As coisas mudaram, claro, graças aos singles do álbum “Madonna”, que passaram a ser tocados nas rádios, e aos seus videoclipes que passaram a ser rodados na ainda nova MTV. Madonna teve uma atitude presciente em relação à música como um meio visual, abraçando rapidamente o formato de vídeo musical quando os músicos mais estabelecidos inicialmente recusaram o conceito.

“Quando 'Holiday' começou a dar nas vistas, e depois 'Borderline', e depois foi, tipo, o fim", Rosenblatt recorda o momento em que a balança pendeu e Madonna começou a perceber. “E acho que o disco começou a explodir.”

Madonna nos MTV Video Music Awards de 1984, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Frank Micelotta/Getty Images.

Ainda estávamos em 1983, antes do sucesso do segundo álbum de Madonna, “Like A Virgin”, e da sua agora lendária atuação no primeiro MTV Video Music Awards, em setembro de 1984, uma exibição de cortar a respiração que fez com que todos os que ainda não o faziam começassem a prestar atenção.

“Ela vai ser maior do que a Olivia Newton John”

Olhando para trás, Rosenblatt lembra-se de dizer a Stein que Madonna ia “ser a maior artista” com quem ele alguma vez trabalharia.

“E ele, rindo-se, disse: 'Sim? Quão grande é que ela vai ser? E eu disse: 'Seymour, ela vai ser maior do que a Olivia Newton John', que na altura era a artista feminina que mais vendia.”

“Eu disse que ela seria maior do que a Olivia Newton John e pensei que seria como a Barbara Streisand, porque a vi realmente a atuar”, acrescentou Rosenblatt mais tarde. “Mas quem é que sabia que ela ia ser esta ideia cultural, quem é que sabia que ela ia ser a Marilyn Monroe? Ela tornou-se num ícone cultural e acho que ninguém estava à espera disso. Mas eu sabia, tal como a Madonna”.

“Fui para Nova Iorque. Tinha um sonho. Queria ser uma grande estrela, não conhecia ninguém, queria dançar, queria cantar, queria fazer todas essas coisas", disse Madonna sobre a sua ascensão meteórica num documentário de um concerto em 1985. “Queria fazer as pessoas felizes, queria ser famosa, queria que toda a gente gostasse de mim. Queria ser uma estrela. Trabalhei arduamente e o meu sonho tornou-se realidade.”

 

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