Onze anos depois de Kelvin: Jorge Jesus reencontra a criptonite

30 mar, 09:08
Jorge Jesus e Vítor Pereira

Al Hilal procura aumentar o recorde de vitórias para 30 este sábado, em casa do Al Shabab. A liga saudita volta a ter dois treinadores portugueses frente a frente e trata-se de um duelo especial: desde o Clássico do minuto 92 que Jesus e Vítor Pereira não jogavam um contra o outro. Aparecerá outro herói improvável?

Será Vítor Pereira o grande obreiro do fim da série recordista de Jorge Jesus? É essa a grande expectativa para o jogo deste sábado. Pela primeira vez desde aquela noite em que Kelvin vestiu a capa de herói (improvável), os dois treinadores portugueses vão voltar a defrontar-se.

A realidade do duelo em solo saudita está longe da intensidade dos clássicos e a distância entre Al Hilal (1.º) e Al Shabab (10.º) até retira peso ao jogo, mas Jesus não poderá deixar-se levar pelas recordações se quiser dar a volta ao seu calcanhar de Aquiles.

É que os duelos com Vítor Pereira são de má memória. Foram cinco, todos quando treinavam FC Porto e Benfica. O saldo até é equilibrado, embora com vantagem para Vítor Pereira. O antigo treinador dos dragões venceu dois jogos, enquanto Jesus só conseguiu vencer o FC Porto de Vítor Pereira numa ocasião – na Taça da Liga. Em duas temporadas, para a liga portuguesa, o antigo treinador do Benfica nunca conseguiu levar a melhor sobre o rival, quer nos jogos entre si, quer nas contas finais.

Se Vítor Pereira é uma espécie de pedra do no sapato de Jorge Jesus, também é certo que, volvidos quase 11 anos, os dados da balança parecem tombar para o lado do treinador do Al Hilal, tal como reconhece Rui Quinta, adjunto do FC Porto à data do último jogo entre os dois treinadores.

«Quando FC Porto e Benfica se encontravam, havia um equilíbrio muito grande ao nível dos valores individuais. Desta vez, as coisas não serão tão equilibradas, mas existe sempre a capacidade de o treinador organizar a sua equipa na dimensão coletiva para fazer face a essa superioridade do plantel adversário. A esta distância, o Al Hilal tem maior dose de favoritismo face ao Al Shabab», assume, em conversa com o Maisfutebol.

Jorge Jesus no final do célebre Clássico de 2013 (MIGUEL RIOPA/AFP via Getty Images)

Apesar do favoritismo no papel, Jesus vai ter de saber lidar com a estratégia de Vítor Pereira, que já há mais de uma década passava por dar liberdade na dose certa aos jogadores. Ivan Rakitic ou Yannick Ferreira-Carrasco, por exemplo, podem ser os trunfos na manga.

«As equipas do Jorge Jesus são sempre equipas com qualidade. O Jesus treina sempre plantéis com grande qualidade e naquela altura não fugia à regra. Era uma equipa com grandes jogadores e muito bem treinada. Sabíamos que as equipas do Jesus tinham consistência e eram bem organizadas e preparadas. Também tínhamos limitações para inverter o rumo dos acontecimentos, em termos de opções. O Vítor teve a sensibilidade e a clareza para introduzir no jogo o Kelvin», lembra Rui Quinta, recordando um momento que Jesus ainda deverá ter entalado na garganta.

«O Kelvin, naquele instante, tomou uma decisão que vem da confiança que sentia pela forma como treinávamos. Transmitíamos aos jogadores essa liberdade de poderem decidir em função daquilo que sentiam em cada momento. Ele surpreendeu-nos a todos. Tem a ver com a forma como o Vítor liderava o grupo. Podiam decidir em função daquilo que sentiam no momento da decisão», reconhece.

O remate de Kelvin para o 2-1, em tempo de descontos, no Clássico de 2013 (MIGUEL RIOPA/AFP via Getty Images)

Quando se defrontaram pela última vez, os dois treinadores portugueses comandavam equipas com o mesmo estatuto e valia, algo bem diferente da atualidade. O Al Hilal continua em busca de aumentar o recorde mundial de vitórias consecutivas – que já vai em 29 – mas, tal como na altura dos Clássicos, terá pela frente uma equipa com espírito combativo, que ao fim de cinco jogos Vítor Pereira já terá incutido.

«O Al Shabab tem uma dimensão diferente do Al Hilal. O Jesus construiu uma equipa à sua imagem, depois foi marcando um percurso em crescendo e iniciou um ciclo vitorioso com o recorde de vitórias consecutivas. O Vítor chegou com o campeonato em andamento, não escolheu os jogadores, já deu um cunho à equipa, mas são duas equipas de dimensões diferentes. Mas acredito que, pela forma como o Vítor organiza as suas equipas, será um jogo competitivo. Mas a equipa do Jorge Jesus tem uma dinâmica muito boa e um acumulado de confiança muito grande por estar na liderança e pelos resultados que tem conseguido. Será um jogo competitivo, mas a equipa de Jesus tem vantagem em termos de qualidade e dinâmicas sobre a equipa do Vítor», assume.

Se a possibilidade de chegar às 30 vitórias é motivação mais do que suficiente para o Al Hilal, os jogadores do Al Shabab, além de quererem travar o líder, podem tentar a sua sorte e pedir folgas a Vítor Pereira, caso vençam. Uma regalia que, em 2013, os jogadores do FC Porto conseguiram obter junto do treinador.

«A nossa equipa encontrava sempre momentos para vencer. Tínhamos empatado na Madeira, ficámos a quatro pontos do Benfica e o Vítor assumiu aos jogadores que por cada vitória iria permitir dois dias de folga e disse que, se vencêssemos os sete jogos, seríamos campeões nacionais. E foi esse o desfecho», recorda.

A carreira dos dois «treinadores de dimensão mundial» tem seguido caminhos distintos e só isso impediu que o reencontro tardasse. Ainda assim, Jesus e Vítor Pereira têm vários pontos em comum, como o facto de terem, ambos, orientado os turcos do Fenerbahçe e os brasileiros do Flamengo. De um ponto de vista técnico, Rui Quinta considera que a semelhança entre ambos é a «capacidade de rentabilizarem os recursos que têm».

E se Jesus, provavelmente, ainda não terá perdoado a decisão de Vítor Pereira em lançar Kelvin naquele instante do Clássico de 2013, a relação entre os dois treinadores não revela qualquer tipo de mágoa.

«Relacionam-se muito bem, conversam sempre de uma perspetiva muito boa, não fugindo à vontade de cada um ganhar o jogo. A relação deles foi construída num contexto de grande respeito pelo trabalho de cada um», vinca Rui Quinta.

Precisará Vítor Pereira de outro herói capaz da façanha de Kelvin para que o treinador português mostre que é a criptonite de Jesus? Ou será Jesus capaz de tirar esta pedra do sapato? Os dados estão lançados e a resposta vai surgir já este sábado, a partir das 19h00, em casa do Al Shabab.  

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