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Vinda de Lula deve ser a oportunidade para conhecer a realidade das vítimas da guerra

17 abr 2023, 13:46
Marcelo Rebelo de Sousa abraça Lula da Silva durante a tomada de posse, em Brasília (Jarbas Oliveria/Lusa)

Que Lula reflita sobre as palavras que vai utilizar na tribuna do Parlamento no dia que representa a democracia e a liberdade. Caso não seja por convicção, que seja em respeito às vítimas da guerra

Prestes a desembarcar em Portugal para uma importante visita de estado, o presidente Lula causa desconforto com suas declarações sobre a guerra na Ucrânia. O posicionamento não é uma surpresa, mas ocorre perto do momento histórico em que o presidente brasileiro terá a honra de discursar no Parlamento em pleno 25 de Abril, o Dia da Liberdade. 

O incômodo com os comentários é legítimo, uma vez que o presidente brasileiro insiste em culpar a Ucrânia - e consequentemente o povo ucraniano - pela agressão russa. Não é à toa que a própria Associação de Ucranianos pretende protestar contra o posicionamento de Lula. 

Algumas pessoas, desde fontes do Itamaraty, comunistas e fãs incondicionais do político brasileiro, defendem que as falas fazem parte da soberania brasileira e da estratégia de paz. Há até quem alinhe com Putin e acredite mesmo que ele não é o vilão da história, mas esses nem merecem ser citados. No entanto, os comentários prejudicam o próprio Lula perante o mundo, cria inimizades com parceiros importantes, como a União Europeia (UE), e, o pior de tudo, demonstram desrespeito com as vítimas da guerra. 

Além disso, são amplamente utilizadas por quem se opõe ao presidente brasileiro, seja por questões ideológicas ou por puro oportunismo. As declarações desgastam a imagem do político aqui fora, especialmente em Portugal, um país com milhares de brasileiros, que não estão imunes à polarização que ocorre no Brasil. 

O Chega, oportunista como é de costume, aproveita as declarações para endossar protestos contra a visita de Lula. Está claro que o partido usa a situação como pano de fundo para criticar a esquerda, defender o amigo Bolsonaro e falar de corrupção - não propriamente ser solidário com a Ucrânia. 

Aqui, aproveito para sublinhar com firmeza: Bolsonaro jamais teria 1% da capacidade de Lula para dialogar com tantos países e se colocar no centro do debate sobre o fim da guerra na Ucrânia. Portanto, por mais tentador que seja para alguns comparar as barbaridades ditas por ambos, não estaríamos nessa discussão com Bolsonaro, que nada representa de bom para a geopolítica e diplomacia mundial. Lula erra e muito em suas falas, mas ainda vai a tempo de se corrigir e de colocar em prática seu ambicioso (e pouco conhecido) plano de paz na Ucrânia. 

Um aliado de Putin no Parlamento ou um democrata no Parlamento?

O PSD exige que o governo português se posicione sobre o assunto, mas não quer barrar o discurso no Parlamento, o que é uma posição coerente. A Iniciativa Liberal (IL), através do seu presidente, disse que a Assembleia da República “ não pode receber um aliado de Putin como Lula no 25 de Abril”. Ao meu ver, as declarações não devem ser utilizadas como motivo para suspender o convite já realizado, o que seria muito rude do ponto de vista diplomático, democrático e de irmandade entre as duas nações. 

O que seria realmente poderoso era aproveitar a vinda de Lula para mostrar ao presidente brasileiro uma perspetiva que Lula ainda não conhece de perto: a das vítimas da guerra. Não é preciso ir até a Ucrânia, o que é totalmente compreensível do ponto de vista da segurança para um presidente. As vítimas também estão aqui, na terra que acolhe pessoas de dezenas de nacionalidades.

Portugal recebe, desde o início da invasão, os refugiados que fugiram dos horrores do conflito e tentam recomeçar a vida, sabendo que perderam tudo por causa das ambições tirânicas de Putin. É a oportunidade de conhecer de verdade a importância da paz e de como pode ser alcançada, que não passa, de nenhuma maneira, pela rendição do povo ucraniano e cedência de territórios. 

No dia 25 de Abril, em vez de protestos promovam o diálogo na casa da democracia. Que apresentem a perspetiva europeia, especialmente sobre o impacto que causa no povo da Ucrânia. Há também os impactos económicos, que refletem especialmente entre os mais pobres, incluindo a comunidade brasileira que aqui mora. Ou seja, a crueldade de Putin ultrapassa geografias e atinge o mundo das mais variadas formas e precisa de ser barrada.

Lula venceu a eleição mais polarizada da história recente brasileira e uma das mais importantes na geopolítica global dos últimos anos com a confiança de ser um democrata, algo que Putin não é, nem seu amigo Bolsonaro. É um voto de confiança que está sendo visto pelo mundo, como ele se propõe a fazer, com o lema “O Brasil voltou”.

No Brasil, as declarações pouco reverberam fora do circuito político e académico. Mas eu tenho total certeza de que o povo brasileiro, ao ver em reportagens os horrores da guerra, amplamente transmitidas para o mundo, se sentem compadecidos e solidários com as vítimas. É o que todos devemos sentir. 

Que Lula se coloque nessa posição e reflita sobre as palavras que vai utilizar na tribuna do Parlamento no dia que representa a democracia e a liberdade. Caso não seja por convicção, que seja em respeito às vítimas da guerra, que estarão assistindo. Pelos milhares de inocentes mortos. Por aqueles que tiveram que deixar sua terra para sobreviver. 

Pelas crianças órfãs e traumatizadas para sempre. Pelas mulheres estupradas brutalmente por soldados russos. Pelas grávidas assassinadas nos bombardeios em hospitais. Pelos idosos em perigo, sem energia elétrica no inverno, sem comida e sem esperança. 

Que seja por um pouco de humanidade. 
 

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