"Destruição total". Inundações catastróficas na Líbia aconteceram em 90 minutos

CNN , Jomana Karadsheh
15 set 2023, 21:37
Derna, Líbia (Associated Press)

Derna ficou como se fosse uma zona de guerra por causa das cheias

Entrar em Derna de madrugada foi como chegar a uma cidade fantasma. A cidade, dizimada pelas cheias repentinas que destruíram casas e ruas no início desta semana, estava assustadoramente calma.

Mesmo à noite, os danos e a destruição eram visíveis em todo o lado para onde se olhava. À luz do dia, desenrolava-se um cenário de total devastação.

Para a nossa equipa, que viajou para a zona com o Exército Nacional Líbio (LNA), foi como entrar numa zona de guerra onde tinham explodido bombas enormes.

Acredita-se que mais de 5.000 pessoas tenham morrido e milhares de outras estejam desaparecidas, embora as estimativas de diferentes funcionários líbios e grupos de ajuda humanitária variem e se espere que o número de mortos aumente.

Todas as pessoas com quem a CNN falou em Derna temem e acreditam que o número de mortos só irá aumentar significativamente nos próximos dias.

As autoridades disseram-nos que a destruição e a perda de vidas aconteceram num espaço de cerca de 90 minutos, depois das duas barragens acima de Derna terem rebentado, fazendo com que as águas das cheias varressem a cidade, destruindo bairros inteiros, casas e infraestruturas, e levando-os para o mar.

As pessoas estão em choque. Este é um país que viveu anos de turbulência desde o derrube do regime de Moammar Gadhafi em 2011 - mas a catástrofe atingiu duramente os líbios.

Dizem que ainda não conseguem compreender o que aconteceu. Estão habituados à guerra e à morte, mas nada os poderia ter preparado para isto: Sentem que uma cidade inteira foi dizimada.

Ao entrar de madrugada numa das entradas da cidade, havia um grande quadro escrito à mão onde se lia "Derna triste". Dois jovens estavam sentados junto a ele, à volta de uma fogueira, numa rua escura como breu, com os pés cobertos de lama e as roupas cheias de pó. Acenaram à escolta do LNA, sorriram e fizeram um gesto com a mão em "V".

As autoridades da cidade estão a tratar dos esforços de busca e salvamento, da recuperação, da drenagem das águas das cheias, da ajuda aos desalojados - situações com que nunca lidaram antes. Um funcionário disse à CNN que não acredita que a busca de sobreviventes tenha terminado.

As autoridades líbias dizem que os corpos ainda estão a aparecer nas margens de Derna, dias depois da torrente de água ter varrido a cidade.

Os destroços da vida das pessoas também podem ser vistos nas águas do Mediterrâneo - casas, caixilhos de portas, janelas, mobília, roupas, carros - tudo.

Entretanto, pelo menos 30.000 pessoas ficaram desalojadas, informou a Organização Internacional para as Migrações na quinta-feira. A preocupação com o bem-estar dos sobreviventes está a aumentar.

O chefe da delegação do CICV na Líbia disse que serão necessários "muitos meses, talvez anos" para que os residentes recuperem da devastação causada pelas fortes chuvas da tempestade Daniel.

Um homem carrega uma criança ao ombro enquanto passa por uma área danificada por uma inundação repentina em Derna (Abdullah Doma/AFP/Getty Images)

As inundações danificaram estradas e pontes, dificultando o acesso à cidade e às zonas circundantes. Na quinta-feira à noite, foram necessárias mais de sete horas para conduzir do aeroporto de Benghazi até Derna - uma viagem que normalmente demoraria três horas.

Este facto, aliado a uma situação de segurança incerta, dificulta a passagem da ajuda humanitária. No entanto, alguns líbios disseram à CNN que sentiram que esta tragédia uniu um país dividido, pelo menos por enquanto.

A Líbia tem sido assolada por tumultos políticos desde o início da guerra civil em 2014 e tem atualmente dois governos rivais, o governo apoiado pelo parlamento oriental em Benghazi e o governo internacionalmente reconhecido em Tripoli.

Mas no trajeto de Benghazi, viam-se muitos carros a chegar de diferentes cidades de toda a Líbia - do extremo oeste e das montanhas ocidentais, ou da cidade costeira de Misrata, a sul - transportando voluntários ou trazendo ajuda.

Alguns condutores tinham pintado os carros com spray ou hasteavam bandeiras com uma frase que se poderia traduzir por "solidariedade fraterna" ou " a correr em auxílio dos nossos irmãos".

O que aconteceu em Derna
Derna, uma cidade com cerca de 100 mil pessoas, foi a área mais afetada depois da tempestade Daniel ter atingido o nordeste da Líbia. As fortes chuvas fizeram colapsar duas barragens, enviando uma onda de sete metros na direção da cidade, fazendo desaparecer bairros inteiros.

Fontes: Google (imagem base) Planet Labas, agência noticiosa estatal da Tunísia, Comité Internacional da Cruz Vermelha. Gráfico Lou Robisnson/CNN

Os voluntários que chegam a Derna, vindos de todo o país, estão a tentar ajudar nos esforços de recuperação. Mas alguns disseram à CNN que não estavam equipados para lidar com este tipo de situação.

Um jovem descreveu como os voluntários estavam a atar cordas à volta dos seus corpos para mergulharem no mar e retirarem os cadáveres. Contou ter retirado sozinho 40 cadáveres ao longo de um dia.

Os voluntários dizem que precisam de equipamento pesado que permita retirar do mar objetos de grandes dimensões, como carros que se receia conterem cadáveres. Afirmam ainda que precisam de mergulhadores e de equipamento de mergulho.

Há algum apoio internacional, incluindo uma equipa de salvamento turca num barco de borracha, mas nem de perto nem de longe o suficiente para lidar com este desastre.

E ao aterrar no aeroporto de Benina, em Benghazi, não parece ter havido grande afluxo de ajuda, como seria de esperar após uma catástrofe desta dimensão.

Os oficiais do LNA dizem, no entanto, que o apoio que têm recebido dos países que enviaram equipas os tem ajudado a lidar com uma situação sem precedentes.

'Dor imensa'

Mohammad Shteiwi, um ativista das redes sociais de Misrata que se deslocou a Derna para ajudar nas operações de salvamento, disse à CNN que tinha visto equipas internacionais de mergulho retirarem oito corpos da água na tarde de sexta-feira.

"Os mergulhadores disseram-me que viram centenas de corpos a cerca de 15-20 quilómetros a leste do porto de Derna", revelou numa chamada telefónica.

"Vi tantos corpos nos últimos dois dias. Contei pelo menos 200 corpos que deram à costa. Eram corpos que estavam em edifícios, foram engolidos pelo mar e empurrados para a costa. As estatísticas não são exatas, há muitos números que circulam por aí. Tudo o que posso dizer é que as operações estão a decorrer. Eu próprio retirei corpos".

Shteiwi disse que o "coração dói por todos aqueles que se perderam", mas que viu um sinal positivo com os líbios do leste e do oeste a unirem-se.

"As forças de segurança que antes estavam separadas estão agora a trabalhar em conjunto, como se essas diferenças pertencessem ao passado. É doloroso ver que esta unificação é o resultado de uma imensa miséria e de uma dor imensa".

África

Mais África

Patrocinados