opinião

K-Dramas: coisas que precisa de saber antes de ficar viciado em “novelas coreanas”

5 ago 2023, 22:00
My Love From the Stars

(Porque o resto do Mundo já está… e você vai finalmente perceber porquê). Explica o Paulo Bastos, que há dois anos não faz outra coisa. :P

Eu já sabia que My Mister era uma obra-prima dos K-Dramas. Fiz o que se faz sempre, que é ter o cuidado de ir ver as reviews ao My Drama List (o IMDB desta cena), perceber o que diz quem já viu, como se sentiu… e (importante!), se há pelo menos um final feliz. Deixa-me lá secar os olhos. Para os distraídos, "tristes" os K-Dramas são quase sempre. Menos no fim. Mas é assim que é suposto serem… porque tudo neste género televisivo tem a ver com introspeção e descoberta interior.

A sério: nesta fase, eu não pontuo sequer no MDL K-Dramas que não me façam chorar. E isto é um descaramento do caraças num gajo de +50 anos – e que sim, gasto rolos e rolos de papel de cozinha superabsorvente pespegado à frente da televisão. E falo disto com a mesmíssima paixão de quem fala de steampunk. Eu, um gajo “da tecnologia”, certo?

Na verdade, sou um rookie nesta coisa dos K-Dramas. Fui ver agora (no tal MDL), e em dois anos vi umas 70 “novelas” destas, roughtly 1.200 episódios; e já gastei nisto 50 dias da minha vida – damn, quero lá saber, estou ansioso por outro tanto.

Eu tive a sorte de me cruzar com as novelas coreanas (que na verdade raramente são “novelas”, mas antes “minisséries” - normalmente 16 episódios semanais de uma hora, altamente cinematográficas, às vezes ao nível do GoT (a sério)), vindo de um processo de irritação profunda com o storytelling e os truques fáceis e eternamente repetidos do modelo ocidental. Eu até já buscava comumente aproximações diferentes - nas coisas de Bollywood, por exemplo. A minha outra vantagem é que já era desavergonhadamente fã de rom-coms e andava fartinho do modelo low cost da Hallmark. E aqui já ganhei metade dos fãs, certo…? Nah. Vocês ainda não sabem do que falo.

O que encontrei eu nos K-Dramas? Antes de mais, não são de todo limitados às “comédias românticas”, nem sequer ao “romance” propriamente dito; basicamente "eles" já fazem de tudo, dos musicais old school à ficção científica, das histórias teen high aos quarentões mature, passando pelos “históricos” (há um claro fascínio pelo seu passado "medieval" incrivelmente recente) e pelo fantasy, ou pelos thrillers, criminais ou políticos. Pessoalmente, eu comecei pelo quase omnipresente sobrenatural (muito à maneira dos Galegos e dos nossos curandeiros de aldeia), e maravilhou-me o mix, a capacidade de meter um bocadinho de tudo isto em cada história.

“Eles” fazem isto com o coração todo, muito raw. Já não estamos habituados a isto. Mas depois apercebi-me também do seu imenso respeito pelos espectadores. Tipo, as “cenas dos próximos episódios” não são iguais às “cenas do episódio anterior”: eles dão-se (mesmo!) ao trabalho de reconstruir a narrativa, e metem imagens e ângulos diferentes, diálogos até. E isto mesmo estando preocupados com as audiências tal como nós: qualquer K-Drama é de resto construído em função dos canais abertos, para PG13. São séries para ver em família. Em função disto, há episódios censurados, banidos!, só porque foi ela que desapertou os botões da braguilha Levi’s ao gajo (aconteceu no Nevertheless,). Tão simples como isso.

Nevertheless (2021)

Estão a ver aquela Hollywood dos anos 50 em que quando chegava a hora dos “finalmentes” a câmara invariavelmente se desviava para a lareira acesa ali ao lado? É um bocadinho assim. Mas hey, I’m OK with that. Ao princípio gargalhei. Agora faço um “awww”. Quanto mais fluffy, melhor. Tudo o que eu amo nos coreanos tem a ver com a subtileza que nós, entretanto, perdemos (mas sou um hipócrita porque adoro poder ver noutro lado qualquer os eps proibidos…).

O verdadeiro “drama” aqui é que, uma vez desfeito o tabu, vem tudo atrás. O miúdo vem cá a casa de fim de semana: “WTF? Que estamos a ouvir?” “O quê? Está na hora do preconceito? Não posso ouvir o que gosto?” Risinhos. Sim, atrás do K-Drama veio naturalmente o K-Pop. Ora bolas. Eu já gostava de Cameo antes, e das All Saints uns aninhos depois, e nos últimos tempos ouvi Drake e Ariana Grande. Drum´n Bass? Chill Out? R&B, Soul Lo-Fi? Como não? F**k, I’m in. E olha as New Jeans com aquele ASAP psicadélico minimal, superexperimental. Olha as 50/50 (as do Cupid delicodoce, podiam ser as Pointer Sisters), quinadas à nascença por uma desavença entre proprietários e um cruel escândalo nas redes sociais quando tinham tudo para se tornarem enormes, OST da Barbie e tudo. Olha o rock quase sinfónico das Dream Catcher (as únicas que pude ver ao vivo quando ainda não eram nada disto, e que eram uns mulherões nos MV, mas afinal em palco eram umas meninas que me fizeram sentir um pervertido hentai). Admito, ainda não tenho grande paciência para as boys band, muito metro e repetitivas para o meu gosto (o que não deixa de ser curioso, porque nos K-Dramas eles são assumidamente másculos).

Eu já andava a picar-lhes a gastronomia, claro (vocês conhecem-me). Há anos, em Busan, com a LG, eu e um grupo de amigos jornalistas tivemos uma daquelas refeições em que soubemos – na hora!, que aquela ia ser a melhor refeição das nossas vidas, “sem alguma vez sabermos o que tínhamos comido”. How could I? Não, tenho vindo a descobrir cada um daqueles pratos no K-Drama, e já os consigo pronunciar, e até cozinho alguns deles. Como ver um K-Drama sem kimchi e soju ou makgeolli por perto? Kimbap? Bulgogi? Tteokbokki? E dei por mim a ir ao mercado coreano uma vez por mês…

Girl group sul-coreano New Jeans

Bro, estás constantemente a ser bombardeado com isto. Expressões como Annyeonghaseyo, Kamsahamnida, Ye, Aniyo, Salanghaeyo, tornam-se parte da tua vida – incluindo a língua, que até tens de vontade de aprender, mas não consegues, porque um simples “desculpa” tem 3 formas de ser dito, e de qualquer forma é irrelevante porque mesmo que as soubesses todas, sem perceberes os ideogramas de nada te vale (diz mesmo que o Japonês é mais fácil)…

E continua a ser avassalador. Dás por ti a ir atrás da moda. Dos cremes e das máscaras faciais. Da cultura – muito para além do K-Pop (não quero distrair-vos com histórias paralelas aqui, mas aqui há uns anos o Estado sul-coreano soube fazer as coisas e apoiando fortemente a iniciativa privada apostou estrategicamente nisto tudo, música e bailado clássicos incluídos, mais museus, galerias de arte, tradição e inovação). E vocês têm assistido ao vivo e em direto a esta minha paixão, à intensa necessidade de perceber que gente é esta, que cultura produz conteúdos assim, escolhendo sempre o caminho aparentemente mais difícil.

Bom, agora a sério. Longe de mim acreditar que alguém entre de cabeça como eu. Os K-Dramas são muuuito "lentos" para aquilo a que deste lado do mundo estamos habituados. Para terem uma ideia, espera-se sempre pelo 3º episódio para se perceber se se gosta ou não do que estamos a ver - ou seja, investes 3 horas da tua vida para decidir se desistes. O primeiro beijinho (se o há,) acontece ao 6º ou 7º episodio. Mas sim, este é o tempo que eles precisam para desenvolver as personagens principais. E a mim, foi isso que me fascinou. Quando te rendes, entendes. E com tanto tempo investido, não há como aquelas pessoas mais completas do que alguma vez que Hollywood te ofereceu te passarem ao lado. Apaixonas-te. 16 horas depois, aquilo toma conta da tua vida. Saem lágrimas e baba e ranho. O sonho de um storyteller.

Não sei se estou “na crista da onda” da Korean Wave em Portugal, mas tenho a perfeita noção de que estou numa cena que vocês ainda não sabem o que é. E digo “vocês”, porque os miúdos já lá andam todos. Mesmo que não gostem da minha cena de self-promoted Oppa da cena, eles sabem do que falo. Há mais de 15 mil a aprender línguas orientais, o dobro disso a fazer cosplay, vários grupos com visibilidade (internacional até) a sair todos os fins-de- semana para o Terreiro do Paço a fazer “K-Pop in public” e choreo cover dances das suas bandas favoritas.

Também não sei se na verdade não estou a assistir à extinção da coisa. À medida que isto cresce (a Netflix investiu agora uns 20 billions em K-Drama), a westernização é uma ameaça séria a tudo aquilo que amo no K-Drama, os estereótipos próprios, a “pureza”, o ritmo. Que, lá está, se o ritmo não for "difícil", qual é a diferença? Não era já isso que fazia do J-Horror melhor que as versões ocidentais? O tempo para a cena nos “bater” de forma diferente?

Ao princípio teremos sempre uma embirrância natural com aquelas vozes originais (não se atrevam a experimentar as versões dobradas!). Eu lembro-me de no Squid Game (que para mim nem sequer é um maravilhoso exemplo de produção coreana), as amigas dizerem-me, "pah, mas as expressões deles, é tudo igual”, “e gritam muito". Sim, é aquela ideia de que "os chineses” “são todos iguais"… Não vou ser politicamente correto. Mas vejo instagramers pagos (!) a dizer depois de irem ao Busan Table que "afinal os chineses (sic) percebem disto", sem fazerem puto ideia do insulto que estão a cometer. Por mim, na boa: para “eles”, nós também somos todos iguais, e ademais umas bestas que não se descalçam antes de entrar em casa. Mas também te digo que ao fim destes poucos episódios já os distingo, que (per)sigo atrizes diferentes, que tenho as minhas absolutas favoritas, e que na música, mesmo sem as ver, já sei qual das Black Pink está a cantar. As New Jeans, essas ainda as estou a perceber. Continuo a ter uma enorme dificuldade com os nomes (enfim, é tramado decorar mais de 120 idols e bandas no ativo). Nos dramas os primeiros três episódios são sempre aflitivos. Não posso tirar os olhos das legendas. Às tantas também é isso. Não se consegue estar a fazer outra coisa ao mesmo tempo que se veem K-Dramas. Mas bolas, isso eu também já não conseguia com os indianos, ou os suecos…

Não, não vemos amiúde concertos deles por cá (a Samsung e a LG dividiam um esforço conjunto para trazer cá alguém todos os anos, mas com a pandemia isso acabou). E na rádio, se no último ano me chegaram aos ouvidos o My Universe dos BTS (com os Coldplay, claro) e o Cupid das Fifty Fifty, foi muito. Promotores e diretores musicais dir-te-ão que eles e elas não agarram público quanto baste para o nosso mercado. Eu próprio sinto isso na prática: de cada vez que posto aqui qualquer coisa do K-Pop (e são sempre cenas do caraças, a sério que são) tenho zero feedback. E há tipas no Tinder e no Bumble que fogem mal me ouvem falar em “K-Drama”: ”'Drama’ o quêêê?” “São argumentos muito bem escritos e tecnicamente perfeitos…”. Tchau. LOL. Acho que só resulta mesmo com “eles”. Em versões de 16 episódios.

Ainda assim. Os meus amigos que perderam a vergonha (e que na verdade são cada vez mais) perguntam-me muito “por onde começar”. Eu já nem refiro o Parasitas, que há três anos levou o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes. Mas normalmente sugiro sempre coisas disponíveis no Netflix. E até há pouco tempo era sempre o It’s Okay to Not Be Okay, porque é moderno, ocidental, quase “publicitário” (foi quando eu percebi que havia claramente storyboards rigorosos aqui, tão fabulosos eram os enquadramentos; para mim este é o Delicatessen dos dramas coreanos), e um pouco mais rápido que o habitual. A gaja (o termo decente e oficial seria “Female Lead”) é poderosa. Ainda por cima a história mete saúde mental e sobrenatural, e na essência tudo é deveras wicked. Não sei, se calhar é suscetível de os assustar. E por isso nos últimos tempos passei a servir-me do The Glory, como cartão de apresentação. É basicamente “O Conde de Monte Cristo”, mas naquela de "nunca pensei que os coreanos fossem assim". Mete bullying (os dramas têm frequentemente temas “duros” em pano de fundo) e é francamente gráfico, com cus e mamas, até gore, tão explícito quanto justificado, mesmo descarado (sendo que seria sempre uma brincadeira de crianças em Hollywood). Sendo que falei há pouco do My Mister. A sério, nunca! comece por aí. É bom demais para ver antes de estar preparado, é preciso já estar naquele comprimento de onda. É uma obra-prima (tem a IU)… mas não. Eu tive de ver 20 coisas diferentes entre o episódio 3 e os outros. Há ali um momento em que fazes uma vénia, pedes desculpa depressa, Mianhae, e ganhas arcaboiço antes de voltar. E eu percebi a tempo, graças a deus (e ao MDL). Faz-te homem antes. Tipo, Because This is My First Life deve ter sido das minhas primeiras choradeiras compulsivas. É assumidamente um underrated, mas eu pelo-me por random acts of kindness. E aprendi ali muito sobre a capacidade de contenção coreana, e de quanto se consegue fazer sentir através de um simples gesto. Uma das primeiras coisas que aprendes em storytelling é que não precisas da bala para mostrar um morto... e estes tipos conseguem fazer sexo com um simples puxão na manga, um aperto de pulso (o que acontece com avassaladora frequência…). Mas, mais uma vez, não se metam nisto se não estiverem dispostos.

It's Okay to Not Be Okay (2020)

Quando perderem o medo à choradeira, então Just Between Lovers (que no Netflix aparece como Rain or Shine). Senão, Doom at Your Service será uma bela iniciação ao fantasy coreano (e já estou a ficar atrevido). Também vão bem servidos com Mystic Pop-Up Bar, que é mais dramedy, muito comédia slapstick. Healer e W são a cena mais Matrix com que se cruzarão. Introdução ao "histórico"? Para mim foi Mr Queen. Com transgendering (malta, sem medos…) e time travel de entremeio… chorei na mesma. Mas há imensos. Para os curiosos pela História mais recente, Reply 1988 é fundamental porque explica tudo o que há para perceber nas cicatrizes que a passagem do FMI deixou na Coreia do Sul, e como se cavaram as diferenças entre os muito ricos e os muito pobres (os K-Dramas são muito francos a denunciar como o sistema definiu autênticas “castas”)… e quanto daquilo é afinal tão parecido connosco. Funny? Gangster à italiana? O Vincenzo é imperdível. Mas odiei até entrar no terceiro episódio, lá está.

BTW, não vejam o The Third Charm. É que nem ponho aqui o link. Vi-o (todo) porque era o único filmado em Portugal (e tratam-nos tão bem, caraças). Mas à conta da necessidade de audiências os argumentistas foram destruindo os protagonistas, e acaba por descambar numa tragédia absolutamente desnecessária. Risquem da lista, acreditem em mim. Ficarão completamente vazios no fim, a precisar de terapia. Ah! Uma das categorias normais nos K-Dramas fala de "healing". Já lhes tinha dito isto?

A propósito do Netflix, uma dica que lhes será preciosa (e que nunca li em mais lado nenhum): mintam! Mudem o idioma dos vossos menus para inglês. Pelo que julgo perceber, quando o Netflix não tem disponíveis legendas em português, “esconde” os títulos em causa - mudar para a língua inglesa tem efeitos imediatos, com o catálogo coreano em particular a crescer na ordem dos 500% (ou talvez mais). Podem sempre voltar a mudar quando quiserem, ou optar por criar um perfil novo só para este efeito. De qualquer forma, quando existam legendas em português (normalmente em PT BR) elas continuam a estar disponíveis. Mas eu nunca recomendaria outra coisa que não fossem as legendas em inglês.

Hey, não é a tua cena? Na boa. Não é para todos. No problem. Não ando aqui a vender nada. Mas tipo, descobri ao fim de um ano disto que a minha irmã era igualmente chanfrada pelos K-Dramas. Ela não fala nem deixa de falar no assunto, eu é que gosto de falar da minha mana, e acho giro descobrirmos de repente e depois de tanto tempo que tínhamos este gosto em comum. Calhou falarmos nisso. Na semana passada, aconteceu-me a mesma coisa com uma amiga do coração que não via há uns 20 anos. E tem sido sistematicamente assim nos últimos meses. Eu também não faço mal a ninguém por gostar disto. É só porque acho que somos muitos mais do que pensamos (e que nos dizem) que somos, e não temos de ter vergonha disso.

Há centenas, milhares talvez, de K-Dramas. Nunca os verei todos. Eu não vejo sequer neste momento C-Dramas nem J-Dramas, e tenho pena, porque os há muito bons. Mas pessoalmente senti a necessidade de ir ver primeiro os "clássicos” todos. Sou um completionist obsessivo. Tanto tempo depois, ainda me faltam alguns cruciais: tipo, Goblin, que me dizem que é "a cena". Moon Lovers. Sh**ting Stars… Nenhum destes está no Netflix. Mas já percebi que a Jisoo das Black Pink está no Snowdrop da Disney…

Torna-se um modo de vida. E se não experimentarem, é como estar a falar chinês convosco. E ainda assim… se nunca tiverem ido a um Dim Sum, a conversa para logo aqui, porque nem sabem do que me acusam. Joesonghabnida.

Trust me: se funcionar, o ecrã torna-se diferente. E vais perceber-me tão bem a seguir.

Opinião

Mais Opinião

Patrocinados