Dois anos depois da detenção de Joe Berardo, o que avançou na investigação? Quase nada

ECO - Parceiro CNN Portugal , Filipa Ambrósio de Sousa
2 jul 2023, 18:00
Joe Berardo

Em maio de 2023, os arguidos foram autorizados a aceder ao processo, sete meses depois do suposto, mas apenas a parte dos autos. Dois anos depois ainda não há acusação

29 de Junho de 2021. Há precisamente dois anos, o empresário Joe Berardo e o seu advogado André Luiz Gomes foram detidos pela Polícia Judiciária por suspeitas de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Desde então, como e quanto se evoluiu na investigação, que não deixou de estar no centro dos holofotes? Pouco aconteceu, pouco se fez e, em concreto, a mesma investigação ainda não foi suficiente para que o Ministério Público deduzisse uma acusação.

Joe Berardo, bem como o seu advogado André Luiz Gomes, foram detidos por suspeitas de burla à Caixa Geral de Depósitos (CGD), no seguimento de uma megaoperação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ. Num comunicado, o DCIAP indicava logo que o processo estava em “segredo de justiça”. Mas isto depois dessa mesma detenção ser divulgada em vários órgãos de comunicação social.

A operação da PJ incidiu sobretudo num grupo económico que, entre 2006 e 2009, contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros. Este grupo económico terá incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar.

André Luiz Gomes, advogado, e Joe Berardo
Hugo Amaral/ECO

Certo é que pouco se avançou na investigação e nem os arguidos envolvidos conseguem ter acesso total aos autos, na íntegra. Desde outubro de 2022 que supostamente terminava o segredo de justiça interno, mas o MP e o juiz de instrução violaram o decidido, mantendo o segredo, isto apesar do protesto do advogado de defesa do empresário madeirense, Paulo Saragoça da Matta, e da invocação da nulidade total do processo por violação da proibição de segredo. Essa consulta do processo foi apenas autorizada em Maio de 2023, altura em que os arguidos tiveram acesso, mas apenas a parte desse processo. Entretanto, o juiz de instrução Carlos Alexandre continua a não decidir sobre a alegada nulidade dos autos por violação da regra da publicidade interna do processo.

Mas vamos por partes. Durante meses que o Ministério Público (MP) vedou o acesso ao processo CGD/Berardo, apesar do segredo de Justiça já ter terminado no final de outubro. O pedido de consulta foi feito, várias vezes, pela defesa de Joe Berardo, a cargo do advogado Paulo Saragoça da Matta, mas sem sucesso. Contactado pelo ECO, o advogado apenas disse que aguarda que Carlos Alexandre “decrete a nulidade do processo, por nós arguida, uma vez que foi violada lei expressa e inequívoca, o 86º n.º 1 CPP”. Que diz que “o processo penal é, sob pena de nulidade, público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tiver lugar, do momento em que já não pode ser requerida, vigorando até qualquer desses momentos o segredo de justiça”.

Em janeiro, o ECO tentou igualmente ter acesso a esse processo mas a resposta que fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) deu foi de que o mesmo ainda não era público e remeteu esse mesmo pedido para o DCIAP — onde corre o processo. Mas este departamento do MP, que investiga a criminalidade mais complexa, não reagiu ao pedido do ECO.

Uma decisão que contrariou o Tribunal da Relação. Em Junho de 2022, os juízes desembargadores decidiram, a 15 de Junho do ano passado (2022), negar recurso pedido pelo MP para prorrogar o sigilo da investigação.

No recurso do Ministério Público para a Relação de Lisboa era pedido que ao prazo de segredo de justiça de 24 meses acrescessem 62 dias, passando o seu fim a ocorrer no dia 31 de dezembro com a justificação que essa “ampliação” do prazo fazia todo o sentido “na medida em que, por força das contingências decorrentes da situação de pandemia, a investigação sofreu sérios atrasos e não pôde realizar diligências de prova que, de outra forma, já teriam sido concretizadas”.

Paulo Saragoça da Matta, atual advogado de Joe Berardo
Paula Nunes 24 Maio, 2016

Mas a Relação respondeu que não concluiu por nenhum atraso nessa mesma investigação, nem tão pouco “que diligências não foram realizadas”. Dizendo ainda que não houve “notícia que tenha havido suspensão das interceções de comunicações. Sobre o ritmo de negociações no universo Berardo, também nada se sabe. E a complexidade da investigação também se mantém. Não há qualquer nova circunstância para além das ponderadas no despacho que prorrogou o segredo de justiça. Acresce que a regra é hoje a da publicidade do processo, sendo o segredo de justiça a exceção, que só deve ser decretado quando se entenda que a aquela prejudica os direitos dos sujeitos ou participantes processuais. Por conseguinte, não se entende o que pretende o Ministério Público. Ainda tem muito prazo com segredo de justiça. O prazo de segredo de justiça não é um prazo para a prática de atos processuais. É um período durante o qual há restrição ao princípio da publicidade”, diziam os desembargadores, em Junho de 2022. Concluindo que o que pretende o MP, “sem ter parado o inquérito, é beneficiar de mais 62 dias de segredo de justiça, o que afronta o espírito da lei”.

Revisão das medidas de coação há um ano

Em julho, também de 2022, o MP propôs a alteração das medidas de coação de Joe Berardo no caso CGD, requerendo apresentações periódicas às autoridades pelo empresário e admitindo a extinção da maioria das medidas aplicadas no ano anterior.

Joe Berardo manteve ainda a caução de cinco milhões de euros que lhe foi aplicada pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), e o Termo de Identidade e Residência (TIR). Já em relação ao advogado André Luiz Gomes, igualmente arguido neste processo, o MP revelou que foi proposto apenas TIR.

A revisão das medidas de coação deveu-se à iminência de caducarem as medidas que foram aplicadas no dia 2 de julho de 2021. Então, Joe Berardo e André Luiz Gomes foram proibidos de manter contactos entre si e com outras pessoas identificadas nos autos e de frequentar instalações de determinadas entidades, além da prestação de cauções, no valor de cinco milhões de euros para o empresário e de um milhão para o advogado.

 

Relacionados

Economia

Mais Economia

Patrocinados