Caixa, BCP e Novobanco querem anular deliberações das assembleias gerais da Associação Coleção Berardo de 2016 e que ajudaram o comendador a blindar as obras de arte
Em 2016, Joe Berardo conseguiu “fintar” os bancos e proteger as suas obras de arte com assembleias gerais “secretas” que diminuíram o poder das instituições financeiras na Associação Coleção Berardo, num caso que a dirigente bloquista Mariana Mortágua apelidou de “golpada”, quando foi tornado público na Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Sete anos depois, só agora o banco público, o BCP e o Novobanco avançam para tribunal para anular as deliberações tomadas naquelas assembleias-gerais.
O objetivo é claro: recuperar o controlo da associação que detém a valiosa coleção e aceder às obras de arte que servem de garantia para uma dívida de quase mil milhões de euros das empresas ligadas ao comendador, de acordo com as informações recolhidas pelo ECO.
Nenhum dos bancos quis comentar a ação cível que foi colocada esta semana no Tribunal de Lisboa, no último capítulo da longa batalha contra o empresário madeirense por conta das dívidas contraídas há quase duas décadas.
Henrique Abecassis, advogado que representa Joe Berardo nas questões cíveis, também se remeteu ao silêncio, quando questionado pelo ECO sobre este novo processo.
Porquê avançarem agora para a Justiça? Porque só agora os bancos tiveram toda a documentação, incluindo as deliberações das referidas assembleias gerais da Associação Coleção Berardo realizadas em 2016, para avançarem com a ação de impugnação.
Além da Associação Coleção Berardo, o processo visa ainda a Associação de Coleções e os filhos do empresário, Renato Berardo e Cláudia Berardo.
“Os bancos pensam que têm a maioria”
A coleção de arte é formalmente detida pela Associação Coleção Berardo, mas foram os títulos de participação na associação — e não propriamente as obras — que foram dados como penhor nos financiamentos bancários das empresas de Berardo, o que ajuda a explicar a complexidade deste imbróglio.
Numa das assembleias-gerais foram alterados os estatutos da Associação Coleção Berardo. Uma modificação que diminuiu o raio de ação dos credores e que reforçou o poder de Joe Berardo enquanto presidente vitalício da associação.
Noutra reunião foi aprovado um aumento de capital da associação através da emissão de novos títulos, numa operação que diluiu a posição das instituições financeiras credoras — chegou a ser de 100% –, que deixaram de estar em maioria nas assembleias-gerais. Sem poder de decisão quanto ao futuro das obras de arte.
Parte desta história foi revelada ao país na Comissão de Inquérito à Caixa em 2019. Quando a ex-deputada do CDS, Cecília Meireles, perguntou se os bancos estariam em maioria nas assembleias gerais da associação, caso executassem o penhor dos títulos, Berardo soltou uma risada: “Ah, ah, ah.” “Eles [os bancos] pensam que têm a maioria [na associação], mas não têm”, afirmou o empresário aos deputados, reconhecendo que fez o que fez para proteger a coleção. “Isto foi uma golpada”, acusou Mariana Mortágua.
O relatório final da Comissão de Inquérito ao banco público considerou que na audição de Berardo “ficou evidente” que o empresário “recorreu a mecanismos e artifícios com vista a ludibriar as administrações quer da CGD, quer de outros bancos, e desse modo proteger os bens que tinha dado como garantia na renegociação dos seus créditos”.
Em junho de 2021, Joe Berardo foi detido pela Polícia Judiciária, no âmbito de uma investigação a “um grupo económico que causou um prejuízo de quase mil milhões de euros à CGD, ao Novobanco e ao BCP, tendo sido identificados atos passíveis de responsabilidade criminal e de dissipação de património”.
Bancos querem obras de arte, Berardo reclama 900 milhões
Há anos que a Caixa, o BCP e o Novobanco tentam recuperar os cerca de mil milhões de euros que emprestaram às empresas de Joe Berardo na década de 2000 – financiamentos usados para a compra das ações, incluindo do BCP, na famosa guerra acionista de 2007 –, colocando várias ações de execução (e não só) nos tribunais contra empresas ligadas ao madeirense.
A ação principal deu entrada em outubro de 2020, visando obter do tribunal a confirmação de que têm direito efetivo a executar as obras de arte – que estarão avaliadas, segundo uma avaliação recente pedida por Joe Berardo, em 1,8 mil milhões de euros.
Há um ano, entretanto, o empresário madeirense ripostou e avançou com uma ação contra as três instituições financeiras. Reclama uma indemnização de 900 milhões, sobretudo para compensar a Fundação José Berardo, que se viu “despojada” para cobrir as dívidas contraídas junto dos bancos.
Joe Berardo tenta ainda evitar a extinção da Fundação Coleção Berardo, decidida em julho do ano passado pelo Governo liderado por António Costa. Para já, conseguiu uma vitória: o Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal anulou a decisão — mas o Governo recorreu.