Operação Marquês: há duas tendências na Relação - uma foi contrariada, outra foi confirmada

25 jan, 20:10
Ivo Rosa

Decisão das três juízas vai contra o decidido por Ivo Rosa. Se não é normal a Relação contrariar o juiz de instrução, o mesmo não se pode dizer quando o nome desse juiz é Ivo Rosa

“Por regra, o Tribunal da Relação de Lisboa confirma as decisões do juiz de instrução criminal”, diz Paulo Saragoça da Mata. O especialista em Direito Penal explica à CNN Portugal, com base na sua experiência pessoal, que existe uma tendência nas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que costuma confirmar as decisões do juiz de instrução.

É assim normalmente, mas não é tanto assim com Ivo Rosa, numa relação que tem uma tendência própria. O juiz voltou a ver uma decisão sua ser totalmente contrariada na Relação, com o acórdão da Operação Marquês a ser bem diferente daquilo que tinha sido decidido em abril de 2021, nomeadamente em relação aos crimes de corrupção, mas também à fraude fiscal, crimes pelos quais três juízas entendem que arguidos como José Sócrates ou Carlos Santos Silva devem ser julgados.

Não foi a primeira vez. Nem lá perto. Já foram cerca de 20 as vezes em que a Relação decidiu contrariar uma decisão de Ivo Rosa. Numa das últimas, conhecida em novembro de 2023, o TRL decidiu anular a decisão de Ivo Rosa relativamente ao caso das golas antifumo. O juiz tinha declarado os email apreendidos aos arguidos como prova proibida. O Ministério Público recorreu e, tal como aconteceu agora com a Operação Marquês, a Relação deu provimento ao recurso.

Indo contra a tendência genérica, mas marcando uma tendência específica, o TRL voltou a decidir em contrário do juiz Ivo Rosa. José Sócrates vai ser julgado por 22 crimes: três de corrupção, treze de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal.  

Neste caso, a decisão do TRL de processar José Sócrates por corrupção não está alinhada com a direção predominante do tribunal, que tende a validar as decisões do juiz de instrução criminal, diz Paulo Saragoça da Mata.

A atenção mediática estava centrada na possibilidade de o TRL alinhar com o Ministério Público ou apoiar a decisão do juiz Ivo Rosa. Isto depois de um recurso contra o arquivamento de 172 das 189 acusações originais, restando apenas 17 crimes, numa decisão que também fazia cair a acusação mais grave, de corrupção que tinha sido retirada.

A questão fundamental nesta decisão (agora conhecida) é a confirmação de se existem ou não indícios suficientes para levar a julgamento o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, conforme explicado pelo advogado Manuel Nobre Correia à CNN Portugal. As juízas desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira confirmam que esses indícios existem mesmo, e em situação suficiente para uma decisão contrária à da instrução.

José Maria Formosinho Sanchez, advogado de Direito Penal, destaca o desafio que um tribunal superior enfrenta ao contradizer a apreciação da prova realizada pelo tribunal inferior, especialmente quando este tem contacto direto com as testemunhas e com a prova apresentada. O especialista argumenta que, ao abrigo do princípio da mediação, o TRL só pode intervir se o tratamento da prova pelo tribunal inferior for manifestamente contraditório. 

Por outro lado, Paulo Saragoça da Mata, com base nos relatos de imprensa, afirma que “o TRL também revoga parcialmente as decisões de Ivo Rosa”. Isso porque, “o juiz de instrução criminal tem um espírito mais garantista do que o próprio TRL”. Segundo o advogado, os juízes dos tribunais superiores, geralmente mais velhos, são menos garantistas. “Ou seja, interpretam as garantias processuais dos arguidos restritivamente”, explica. 

Além disso, Sanchez sublinha a ausência de jurisprudência estabelecida para questões relacionadas com nulidades e desenvolvimentos processuais, o que complica ainda mais o papel do TRL na contestação das decisões de Ivo Rosa, enquanto juiz de instrução criminal.

“A relação do TRL e do juiz de instrução nem sempre é igual”, afirma Paulo Saragoça da Mata, que, com base na sua experiência pessoal com o antigo Tribunal de Instrução Criminal (TIC), destaca: “se fossem as decisões de Carlos Alexandre eram confirmados, o contrário para as decisões de Ivo Rosa”. 

Quanto à comparação do TRL com outros Tribunais da Relação, de outras zonas do país, Paulo Saragoça da Mata defende que não há grandes diferenças. Contudo, destaca que o Tribunal da Relação do Porto é “ainda menos garantista das liberdades e garantias processuais, acabando por esvaziá-las de conteúdo”.

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