Offshores, obras de arte e relações de poder: o que Maria Alexandra Pinho e Maria de Jesus Rendeiro têm em comum

14 dez 2021, 23:09
Maria Alexandra Pinho (à esquerda) e Maria de Jesus Rendeiro (à direita)

Maria de Jesus Rendeiro passou os últimos meses reclusa em casa com pulseira eletrónica. Maria Alexandra Pinho passou as últimas horas a ser ouvida pelos juízes. Ambas são envolvidas em operações suspeitas dos seus maridos

Ambas são suspeitas de branqueamentos de capitais e de terem ajudado os maridos nos alegados esquemas criminosos que montaram. Maria de Jesus Rendeiro e Maria Alexandra Pinho nunca tinham sido figuras conhecidas pelo grande público até aos desenvolvimentos recentes dos processos judiciais de João Rendeiro e Manuel Pinho, eles sim, figuras públicas do poder. Ou do ex-poder. Um banqueiro, o outro ministro. Os dois pródigos em elogios e declarações de amor às suas mulheres.

Cúmplices, “demasiado leais” ou inocentes?

Não é caso raro haver ligações familiares entre suspeitos. Luís Filipe Vieira e os seus dois filhos são suspeitos, pai e filho Pinto da Costa são suspeitos, Joe Berardo e o seu filho foram investigados, assim como Armando Vara e a filha… Nos casos que dominam esta semana o noticiário em Portugal, a detenção de João Rendeiro na África do Sul e a de Manuel Pinho em Lisboa, os familiares suspeitos são as suas mulheres.

Nos dois casos há obras de arte. Maria de Jesus é a fiel depositária da coleção de arte de João Rendeiro, que estava arrestada mas da qual algumas peças terão sido vendidas, outras falsificadas, outras desapareceram. No caso da Maria Alexandra, as obras de arte terão sido uma das formas de encobrir o pagamento de contrapartidas a Manuel Pinho, pagas pelo Grupo Espírito Santo e por Ricardo Salgado.

O líder da família Espírito Santo não é um elo comum entre estas duas famílias. Enquanto João Rendeiro sempre foi desalinhado (e crítico) de Ricardo Salgado, que ainda recentemente criticou, Manuel e Maria Alexandra foram e são amigos de casa de Ricardo e Maria João Salgado.

Foi no Grupo Espírito Santo que Alexandra Pinho trabalhou vários anos, recebendo quase sete mil euros de salário mensal, segundo o Ministério Público, no desempenho de funções de curadora da coleção de fotografia do Banco Espírito Santo, o BES Arte. Mais recentemente, a investigação reuniu indícios de mais transferências do BES, que os investigadores suspeitam ser uma forma de pagar ao ex-ministro por favorecimentos ao GES, como no caso do loteamento da herdade do Pinheirinho ou na herdade da Comporta.

Manuel Pinho sempre disse gostar de arte, chegando a ter fotografias da sua coleção pessoal nas paredes do Ministério da Economia, sito na rua da Horta Seca em Lisboa, quando era governante. Segundo o próprio afirmou em entrevistas, o seu primeiro quadro foi um óleo de Noronha da Costa, comprado com o seu primeiro ordenado como assistente na faculdade.

Também Maria de Lurdes e João Rendeiro costumavam frequentar os meios de arte. Começaram há muitos anos a comprar quadros, que juntavam numa casa na Ericeira. Com a ascensão do ex-banqueiro no BPP, que fundou e fez crescer, decidiram investir em obras de artistas mais conhecidos. Através da galerista Cristina Guerra, adquiriram peças de elevado valor: a primeira foi um quadro de Julião Sarmento.

Maria de Lurdes e Alexandra Pinho sempre gostaram de arte… e de ficar afastadas do mediatismo. Foi longe dos holofotes que, segundo o Ministério Público, se tornaram braços-direitos dos seus maridos nas atividades alegadamente criminosas.

As duas serão ou terão sido titulares de sociedades offshores usadas pelos maridos. No caso EDP, os investigadores alegam que Alexandra Pinho era também beneficiaria da Tartaruga Foundation, empresa com sede nas Ilhas Virgens Britânicas através da qual o ex-ministro da Economia recebia os 15 mil euros mensais de luvas do GES.

Também Maria de Lurdes foi investigada por ter o seu nome em alegadas empresa offshore usadas por João Rendeiro para transferir dinheiro.

Declarações de amor

Se tanto João como Manuel são suspeitos de não terem declarado dinheiro, são insuspeitos de declarar publicamente afeto às suas mulheres. Na última entrevista que deu à CNN Portugal, já depois da fuga e antes de ser capturado, João Rendeiro chorou quando falou da mulher, com quem está casado há 49 anos. Por sua vez, Manuel Pinho fez questão, em entrevistas nos últimos anos, de falar do amor e da admiração pela mulher e pelo seu trabalho cultural, como sucedeu a propósito da coleção de fotografia Cândida Hofer, do BES, que foi promovida pela mulher.

Apesar de Rendeiro e Pinho se movimentarem nos circuitos de alta finança, as suas mulheres foram essenciais para os fazerem chegar às elites sociais e económicas. Segundo já contou Manuel Pinho, foi Alexandra quem o fez aproximar de Ricardo Salgado. João Rendeiro, no livro “Testemunho de um Banqueiro”, descreve com detalhe o papel que a mulher teve na sua integração em certos círculos, nomeadamente por se ter tornado muito próxima de Jorge de Mello, cabeça da família Mello, com quem privaram.

Maria de Jesus da Silva de Matos Rendeiro está agora indiciada por branqueamentos de capitais, falsificação de documentos, descaminho e desobediência. Está em prisão domiciliária.

Alexandra Fonseca Pinho foi ouvida pelos juízes de instrução criminal esta quarta-feira, 14 dezembro, sendo arguida do processo com termo de identidade e residência.

João Rendeiro está detido numa cadeia na África do Sul. Manuel Pinho passa esta noite de terça feira numa cela em Moscavide.

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