Audrey, Esmeralda, António, Pedro: "da maneira certa, da maneira mais carinhosa", vão ajudar mais de um milhão de pessoas em Portugal "a encontrar algo maior"

25 jun 2023, 19:00
Bootcamp dos voluntários para a JMJ Lisboa (DR)

Começa em agosto para o resto do mundo mas para estas pessoas já começou: um dos maiores eventos do ano, a Jornada Mundial da Juventude, já está em curso - na sede do evento, em Lisboa, trabalham há um ano quase 700 voluntários e, além destas pessoas, quase 25 mil voluntários de curta duração já estão em formação. O que eles estão a fazer "está a valer a vida" - mas atenção: "O desafio será saber lidar com os imprevistos de modo sereno. Teremos quase que obrigar as pessoas a descansar para poderem manter a serenidade necessária". Objetivo maior: "Sairmos daqui com muita esperança para a nossa vida pessoal"

Audrey Criscille Abatel nunca tinha morado fora das Filipinas. "Um amigo desafiou-me a fazermos a inscrição juntos porque ele não queria vir sozinho. Mas afinal fui eu que vim." Chegou a Lisboa em novembro do ano passado, era tudo novo e entusiasmante: "Adoro a comida, adoro as pessoas. O que me custou mais foi o tempo porque estava muito frio quando cheguei. As Filipinas são tropicais e está calor o ano todo. Tive de me ajustar. Agora já acho que me vai custar regressar para o tempo de lá".

Está instalada em casa de uma família portuguesa e trabalha de segunda a sexta-feira na sede da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). "Aos fins de semana e à noite posso estar com os amigos e explorar um pouco a cidade. Tenho amigos do trabalho e também já tenho amigos fora do trabalho. Ao início tinha algum receio, antes de vir pedi a Deus para ter amigos, era a única coisa que eu queria", conta em Inglês. A expressão que mais usa é "blessed", ou seja, abençoada. É assim que se sente. Audrey Criscille Abatel não gosta muito da palavra "desafio", prefere dizer "aventura": "Para mim é uma grande aventura. Maria tem sido um grande exemplo, tem-me ensinado a confiar no Senhor, é uma das coisas que tenho aprendido nesta viagem, a não me preocupar tanto e a confiar".

Para Esmeralda Sosa foi mais fácil. Já tinha estado em Portugal, onde estudou Português durante quatro meses. Já conhecia Lisboa e o Algarve, entende tudo e fala perfeitamente. E na casa da família portuguesa onde está a morar desde que chegou, em outubro, está também uma outra rapariga do Panamá. "Tenho uma irmã", diz. 

Recém-licenciada em comunicação, Esmeralda Sosa deixou a empresa onde estava a trabalhar para vir para Lisboa tratar das redes sociais em espanhol da Jornada Mundial da Juventude. "Desde que me formei que queria fazer um serviço de voluntariado que estivesse relacionado com a Igreja. Tentei em algumas instituições e não consegui. Então, quando vi esta oportunidade, pensei 'porque não?'." Já tinha estado na JMJ no Rio de Janeiro (2013) e, depois, tinha sido voluntária de curta duração na JMJ no Panamá (2019), quando ainda estava na universidade. "Foi uma experiência mesmo muito marcante, muito profunda."

"Decidi deixar tudo, deixar a minha família, o meu trabalho, o meu namorado, as minhas comodidades, para vir ajudar Portugal e os jovens que querem participar, servir os outros, encontrar um sentido nas coisas pequenas..." Faz uma pausa. E está a valer a pena? Esmeralda Sosa abre um sorriso: "Está a valer a vida!".

Esmeralda Sosa deixou a sua casa no Panamá há sete meses. "Está a valer a vida!"

Esmeralda Sosa tem 25 anos e veio do Panamá, Audrey Criscille Abatel tem 33 anos e veio das Filipinas. Chegaram a Portugal, sozinhas, há mais de sete meses, para serem voluntárias de longa duração da Jornada Mundial da Juventude, que leva a Lisboa, entre 1 e 6 de agosto, cerca de um milhão de jovens de todo o mundo. 

"Da maneira certa, da maneira mais carinhosa"

Situada numa antiga estrutura militar, no Beato, a sede do Comité Organizador Local - ou COL, como todos lhe chamam - foi inaugurada em maio do ano passado. É um edifício grande e luminoso, com grandes janelas e as paredes cobertas de cartazes coloridos e bandeiras de todos os países do mundo. Três andares com salas de reuniões e de trabalho, filas e filas de secretárias, muitas pessoas com computadores portáteis e telemóveis, um burburinho permanente mas tranquilo. Ao meio-dia, juntam-se nas escadas para rezar o Ângelus. Às 12:30 há missa.

"O ambiente é muito bom, muito alegre. Ao todo, trabalham aqui cerca de 700 pessoas, na sua maioria voluntários. Não estão cá todos todos os dias, nem caberiam", explica Pedro Viana, 39 anos, arquiteto, voluntário da JMJ que integra a Direção de Acolhimento e Voluntariado (DAV) como coordenador dos voluntários. 

Estes são os voluntários de longa duração, aqueles que estão há mais de um ano a trabalhar para que a Jornada aconteça. Depois, há ainda os voluntários da Jornada, chamados de curta duração, que hão de ser perto de 25 mil - o que, garante Pedro Viana, "vai dar para cumprir mais dos que as necessidades básicas - permite cumprir as necessidades ideais da Jornada".

A maior parte dos voluntários é portuguesa. Dos estrangeiros, vindo de mais de 180 países, há sobretudo espanhóis e brasileiros. A maioria está entre os 18 e os 35 anos. Para se inscreverem podiam ter até 60 anos. "Mas temos alguns voluntários com mais, pessoas que querem participar e vão ficar nas paróquias a ajudar os peregrinos."

A grande preocupação neste momento é "conseguir ter as necessidades afinadas ao máximo e ter bem preparado o modo de atuação em casa situação", explica. "Como é uma coisa muito grande, temos de conseguir ter jogo de cintura para responder, realocar, reajustar - e que isso consiga ser feito de um modo ágil."

Pedro Viana já esteve noutras jornadas - em Roma, em Madrid e em Cracóvia - mas como participante. "Fiquei muito contente quando se soube que ia ser em Portugal e depois, vendo que era preciso ajuda, ofereci-me. E foi fácil encontrar coisas para fazer porque aqui são precisos muitos braços." Está na JMJ desde outubro de 2021 e confessa que nestes últimos tempos esta tem sido a sua principal ocupação. "A equipa foi crescendo, as coisas estão cada vez mais a concretizar-se, estamos cada vez mais perto, agora é mesmo uma corrida contra o tempo nesta reta final."

Os peregrinos só chegam em agosto mas para os voluntários o caminho já começou há muito tempo. "Nós temos 20 mil pessoas que já estão a trabalhar", garante Pedro Viana. Neste momento, aqueles que vão ser voluntários estão a fazer um caminho de formação, online e presencial. Na semana antes da Jornada isso vai intensificar-se e vão ter uma semana juntos em formação presencial aqui em Lisboa. E no fim vão ter uma semana de muito trabalho." Antes de tudo, os voluntários vão ser o rosto das jornadas: "São eles que as pessoas vão ver em todo o lado, estão identificados e é com eles que os peregrinos vão ter quando chegarem". 

Os voluntários de curta-duração podem trabalhar numa de seis áreas: 

  • Logística (saúde, segurança, transportes, controlo de espaços…)
  • Comunicação (redes sociais, acompanhar a comunicação social, ser fotógrafos, videógrafos…)
  • Pastoral (nas missas, nos festivais, nos concertos, na comunhão…)
  • Bispos (acompanhar os 800 bispos que vão a Lisboa)
  • Apoio ao peregrino (check-in, postos de informação, alojamentos, alimentação…)
  • Voluntariado (formação, organização, comunicação interna..)

"A inscrição de peregrinos ainda não fechou. Estamos ainda a terminar a recolha pormenorizada de detalhes. Muitos voluntários já sabem a área onde vão trabalhar mas ainda não sabem o que vão fazer concretamente, em que horário, o local exato", explica Pedro Viana.

Esse é o caso de António Neves, que já sabe que vai trabalhar na logística e que vai ser chefe de equipa, ou seja, durante duas semanas vai ter a seu cargo um grupo de dez a 15 voluntários. Estudante de agronomia de 20 anos, para António Neves esta será a sua primeira JMJ: "Tenho irmãos mais velhos que já participaram noutras jornadas e eu via aquela animação toda, aquela alegria. Desta vez iria fosse onde fosse - e sendo em Lisboa já sabia que teria de participar de uma forma mais intensa". 

António e Pedro estão a preparar-se para uma semana intensa de trabalho: "Temos que contar com imprevistos"

Há já um ano que António Neves está envolvido na JMJ e, nas últimas semanas, tem feito várias formações, online e presenciais. "Temos vários módulos online, muitos vídeos, por exemplo, sobre o que é ser voluntário, o que é que significa o Papa vir a Portugal, o que é gerir uma equipa e como podemos fazê-lo. E aprendemos muitas coisas práticas - em termos de saúde, de segurança, de como acolher as pessoas e de como orientar as equipas da maneira certa, da maneira mais carinhosa. Ao estar nas formações vamos já estando a trabalhar e a entrar no espírito. Também participei num bootcamp com outros chefes de equipa e aí viu-se a Jornada a crescer, a tomar forma."

O próximo grande momento será na semana de 24 de julho. Enquanto os peregrinos estiverem espalhados pelo país nos "Dias das Dioceses", os voluntários reúnem-se em Lisboa, para uma semana de formação intensa e preparação espiritual. Num desses dias, por exemplo, terão o "gesto missionário", em que visitarão instituições de solidariedade social.

"Lidar com os imprevistos de modo sereno"

Audrey Criscille Abatel olha para o relógio do seu telefone e sorri. "Tenho agora uns minutos, podemos falar." O tempo não pára na sede da JMJ e há um cronómetro, junto ao gabinete do padre Américo Aguiar - o presidente da Fundação JMJ -, sempre a lembrar-nos disso: "A JMJ Lisboa 2023 está a chegar! Faltam 42 dias, 6 horas, 23 minutos e 37 segundos". 

"Os meus pais criaram-me como católica mas à medida que cresci tornou-se depois uma escolha pessoal", conta Audrey Criscille Abatel. Nas Filipinas trabalha habitualmente na área do "desenvolvimento da juventude" e já foi "missionária a tempo inteiro", andava pelo país a espalhar a teologia do corpo: "O Papa João Paulo II ensinou-nos que cada um de nós é uma benção e tem a sua dignidade e tem direito a ser amado". Também foi voluntária de curta duração na JMJ no Rio de Janeiro, no Brasil, em 2013.

O seu trabalho ao longo destes últimos meses tem passado por garantir que todos as dioceses do mundo estão representados na JMJ em Lisboa. "Neste momento estou a tentar que venham pessoas de toda a Ásia e Oceânia. São realidades muito diferentes, temos de ver quais são as suas dificuldades e tentamos encontrar soluções e recursos para ajudá-los. Muitos países têm realidades que não controlamos, como guerras e perseguições aos cristãos. Além disso, é uma viagem longa, dura cerca de dois dias, e é muito cara. Por isso percebemos que venham poucos. Mas esta é a beleza da Igreja, é universal e seria muito bonito que todos pudessem vir e experienciar isto e depois levar essa experiência para os seus países. Já faltam poucos países, isso deixa-nos muitos felizes. Isso, sim, tem sido um desafio."

Audrey Criscille Abatel, das Filipinas, trabalha para trazer à JMJ representantes de todo o mundo

Esta semana, por exemplo, ficaram a saber que a diocese de Chalan Kanoa, em Saipan, uma ilha das Northern Mariana Islands, no Oceano Pacífico, vai enviar 40 peregrinos. "Ficámos tão surpreendidos e felizes! Nem sequer é um país, é um território dos Estados Unidos. É mesmo muito longe, é incrível como aqueles jovens tão proativos encontraram formas de financiamento. Só uma viagem são dois mil dólares - e isso é se marcarem com antecedência, se marcarem agora é muito mais. E eles têm feito de tudo, têm tido formação espiritual e cultural, inclusivamente estão a aprender Português", conta Audrey Criscille Abatel . "Tentamos acompanhar todos os preparativos, esclarecer-lhes dúvidas, ajudar nas marcações. Para os países que têm mais dificuldades económicas, temos o Projeto Igreja das Irmãs, cujo objetivo é trazer dois peregrinos dos países mais pobres e onde há perseguições. Para alguns é mesmo difícil e há países dos quais só vem um peregrino. Mas é muito significativo. Tem sido muito bonito."

Esmeralda Sosa não tem dúvidas: "Sei que vai ser uma experiência inesquecível". "A Jornada é uma oportunidade de nos encontrarmos todos juntos num só lugar e celebrar a vida e a nossa juventude. Mas não é só um momento de festa. Também é um momento para refletir e descobrir o que quero da vida. Estamos aqui à procura de algo maior. É bom ter um momento para isso e é bom poder ouvir os outros jovens, que vêm de outras partes do mundo e que estão a viver o mesmo do que eu."

Também para António Neves a expectativa é grande. "Vou ter de dar o melhor de mim para garantir que todos na minha equipa estejam bem. Ainda vou conhecê-los e quero que todos trabalhem bem, há funções a cumprir, mas também que aproveitem da melhor maneira a experiência da Jornada."

Pedro Viana antecipa que, "como em qualquer Jornada, temos de contar com imprevistos". "É muito grande, é muita gente. O desafio será saber lidar com os imprevistos de modo sereno e saber descansar. Teremos quase que obrigar as pessoas a descansar para poderem manter a serenidade que vai ser necessária. O que é comum a todas as jornadas e que marca é ver a Igreja jovem e com muita vitalidade, que é algo que passa despercebido no dia a dia porque a nossa comunidade é muito discreta", diz Pedro Viana. "Um católico enche-se de ânimo por ver tanta gente com a mesma fé, com o mesmo amor a Jesus Cristo. E no fim saímos com muita esperança para a nossa vida pessoal. Além de todas as coisas boas que isto tem como evento - porque é de facto um evento grande, espetacular, com tantas pessoas de culturas diferentes -, o importante é a marca interior que deixa em nós."

No último domingo da JMJ há um encontro do Papa Francisco com todos os voluntários, no Passeio Marítimo de Algés. É o momento para o Papa agradecer o trabalho de todos e é também uma oportunidade para os voluntários poderem, terminadas as suas responsabilidades, terem o seu momento de paz. 

Depois, é tempo de voltar a casa. Após a Jornada, Audrey Criscille Abatel ainda fica mais uns dias em Portugal, para descansar e despedir-se. Depois de nove meses em Portugal, vai ser bom voltar às Filipinas: "Já tenho algumas saudades de casa e de nadar nas águas quentes das nossas praias".

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