Da "missão impossível" à "governamentalização". Três peritos recusam entrar na avaliação dos grandes incêndios de 2022

15 out 2022, 20:21

2022 foi o pior ano de incêndios florestais desde Pedrógão Grande. O Governo quer perceber o que correu mal, mas o processo de avaliação está a ser contestado.

A avaliação dos grandes incêndios deste ano ainda está no início e já levanta críticas: pelo menos três peritos, que estão entre os principais especialistas do país em incêndios florestais, recusaram fazer parte dos grupos de trabalho criados pelo Governo.

Em causa está o painel de peritos criado pelo Ministério da Administração Interna e pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática, mas também a chamada subcomissão das 'lições aprendidas', ambas com o objetivo de perceber aquilo que correu bem e mal nos incêndios florestais.

O painel de 30 peritos e a sub-comissão devem funcionar em paralelo e de forma autónoma, mas os peritos que recusaram entrar nesta avaliação contestam sobretudo a forma como todo o sistema de avaliação foi montado, com um papel demasiado proeminente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) diretamente tutelada pela Presidência do Conselho de Ministros.

Francisco Castro Rego, ex-presidente do Observatório Técnico Independente da Assembleia da República que nos últimos anos avaliou os incêndios florestais é um dos peritos que recusou o convite do Governo para fazer parte do novo painel de peritos que está a avaliar aquilo que aconteceu em 2022, ano com mais área ardida desde 2017. 

Duarte Caldeira, antigo membro desse mesmo Observatório e presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Proteção Civil, também declinou idêntico convite.

Este ano as chamas varreram 109 mil hectares do território português, quatro vezes mais que em 2021, e destruiram, por exemplo, um quarto do Parque Natural da Serra da Estrela . 

No e-mail de despedida que enviou aos restantes membros do painel de peritos, Francisco Castro Rego deixou uma mensagem aos restantes especialistas sublinhando que aquilo que o Governo lhes está a pedir é uma "missão impossível" tendo em conta o curto espaço de tempo (pouco mais de dois meses) para concluírem a análise.

As críticas do antigo presidente do Observatório Técnico Independente e de Duarte Caldeira vão, no entanto, mais longe. Em entrevista à TVI (do grupo da CNN Portugal), ambos contestam a falta de independência e transparência da avaliação promovida pelo Governo, não pelas outras pessoas convidadas mas sobretudo pelo processo de avaliação escolhido.

"É uma avaliação governamentalizada porque vai ser toda ela dirigida pela AGIF que depende diretamente da Presidência do Conselho de Ministros e do primeiro-ministro, em articulação com o Ministério da Administração Interna e outros ministérios", diz Duarte Caldeira.

Também Francisco Castro Rego sublinha a necessidade de se fazer uma avaliação externa e independente aos fogos de 2022.

Joaquim Leitão é outro nome convidado que recusou entrar na sub-comissão das lições aprendidas. O antigo presidente da Autoridade Nacional de Protecção Civil foi indicado pela Liga dos Bombeiros Portugueses, mas recusou por não concordar com este modelo de avaliação.

"O país andou cinco anos [desde Pedrógão Grande] a pensar que o modelo de resposta aos incêndios estava bem conseguido e percebeu-se agora que o problema não é das pessoas e sim do sistema que tem de ser repensado", refere Joaquim Leitão para quem a AGIF, enquanto ator principal desse mesmo sistema, devia estar claramente fora da avaliação que está a ser feita, sublinhando a necessidade desta avaliação ser "séria, isenta e transparente".

Contactado pela TVI, o Ministério da Administração Interna remeteu as respostas às críticas para a AGIF que por escrito garante que "os processos de análise desenvolvidos pela sub-comissão de lições aprendidas e pelo painel de cientistas convidados pelo Ministro da Administração Interna são autónomos e independentes".

"Sem qualquer dependência ou subordinação a entidades públicas ou governamentais, o grupo de cientistas nomeados pelo Ministro da Administração Interna desenvolve um processo de avaliação técnico-científica devendo apresentar ao Ministro da Administração Interna e Ministro do Ambiente e Ação Climática um relatório até 30 de novembro", indica a AGIF, num trabalho que começou a ser feito a meio de setembro.

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