Quarto em T21 a 900 euros. A menos de 300, só beliches partilhados e com frigorífico ao lado. Procurar quarto em Lisboa é isto: já não é arrendar, é “co-living”

20 set 2023, 07:00
Habitação (Manuel de Almeida/Lusa)

Anúncios escritos em inglês, quartos remodelados de luxo minimalista, em áreas centrais de Lisboa, com espaços comuns partilhados com mais de uma dezena de pessoas. Chamam esta experiência de “co-living”. É isto que a capital tem para oferecer a quem procure um quarto. Abaixo dos 500 euros, prepare-se para partilhar camaratas ou para ser aprovado nas exigências mais peculiares dos senhorios

Se pensa na verdadeira emancipação, talvez lhe venha esta ideia à cabeça: um T21 em São Sebastião da Pedreira, bem no centro de Lisboa, com uma renda de 900 euros. Era o sonho de qualquer um. Só que nos esquecemos de um pormenor: 900 euros é o valor por cada quarto.

São 900 euros para poder partilhar a vida com outras 20 pessoas, completos estranhos, na capital portuguesa. Sim, porque existem 10 casas de banho para os quartos todos. Este imóvel estava disponível na plataforma Idealista, que reúne vários anúncios de arrendamento. Mas, entretanto, foi apagado.

Não há qualquer problema, porque ele não é caso único. Também em São Sebastião da Pedreira surge uma propriedade de 20 quartos, onde cada quarto está a 490 euros por mês. Vai é ser preciso dividir a casa de banho com mais gente, porque só existem “cinco banheiros”. No anúncio destacam-se vantagens como a localização ou o circuito de videovigilância.

T-21 em Lisboa para arrendar a 900 euros... por quarto

“Co-living”: centenas de euros para viver com estranhos é fixe

Há quem lhe chame especulação. E há quem lhe chame “co-living”. Num dos anúncios, uma propriedade de 19 quartos, onde cada custa 850 euros por mês, destacam-se as vantagens desta nova ‘forma de vida’.

“O edifício inclui 19 quartos, o que significa que terás todas estas pessoas com quem te podes conectar e partilhar experiências”. Mas desengane-se quem acha que os 850 euros permitem a entrada imediata.

Há “custos de abertura do contrato” no valor de 250 euros. Só podem aceder jovens profissionais e estudantes entre os 20 e os 35 anos. E é preciso dar provas de rendimentos. Depósitos de segurança e cauções nesta escala de valores são presença assídua nestes anúncios.

A maioria deles surge associada a plataformas de alojamento. Não faltam anúncios onde se confirma que, na mesma propriedade, estão a arrendar oito, nove, 10 ou mais quartos, sempre com as áreas comuns partilhadas. A quase totalidade desta oferta traz espaços renovados, embora com decoração minimalista. Os quartos não são necessariamente espaçosos, muitas vezes não ultrapassando os 20 metros quadrados. Cama, mesinhas de cabeceira, roupeiro, uma secretária, e pouco mais. As descrições são escritas em inglês, a piscar o olho aos estrangeiros. Bem como os preços.

Detalhe de anúncio: Empresas descrevem este modelo como uma oportunidade para fazer contactos

Chegou agora a Lisboa e tem orçamento pequeno? Esta cidade não é para si

Fizemos a pesquisa no portal Idealista, onde surgiram 1644 anúncios de quartos para arrendar no concelho de Lisboa na tarde de segunda-feira. E basta fazer as contas para perceber que a oferta está longe de dar para todos os bolsos.

Praticamente um em cada três anúncios apresentaram valores acima do salário mínimo nacional, fixado nos 760 euros. Foram quase 500 anúncios nestas condições em Lisboa. O mais caro custava 3000 euros mensais – já lá vamos.

Oito em cada 10 anúncios estão numa faixa acima dos 500 euros, o que inviabiliza o acesso a muitos estudantes e trabalhadores. Se é recomendado que a taxa de esforço da habitação não ultrapasse um terço do rendimento, era preciso levar 1500 euros limpos para casa. Um cenário que em Portugal não é assim tão frequente para quem esteja em início de carreira ou a estudar.

490 euros por mês para partilhar espaços comuns com mais 19 pessoas

Viver no “quartel”

Se tem menos de 300 euros por mês e tem mesmo de viver no concelho de Lisboa, o melhor é preparar-se para este cenário: dormir num beliche num quarto partilhado. Foi essa a oferta que encontrámos quando afunilámos nos valores mais baixos. Há este anúncio em Belém, este na Alameda ou este no Areeiro.

Mas talvez, o que surpreenda mais seja o desta camarata junto à Gulbenkian, onde ter fome a meio da noite nunca será um problema. É que não precisa de andar muito: há um frigorífico no próprio quarto.

A partir dos 350 euros começam a existir alguns anúncios para quartos partilhados para duas pessoas (cada um na sua cama ou juntos na mesma) e quartos individuais, sobretudo em freguesias e bairros mais limítrofes do concelho. Mas se achava que podia respirar de alívio, o melhor é preparar-se.

Há exigências para todos os gostos e feitos: só podem entrar raparigas, só podem entrar rapazes, têm de estar empregados, dar provas de rendimentos, não fumar, gostar de animais, não ter animais…

E depois há uma senhoria que, a cobrar 500 euros por quarto na Alameda, “não aceita trabalhadores a trabalhar a partir de casa”. Afinal, um quarto é para dormir, não é para outras coisas.

Camaratas são a única alternativa acessível

Exemplos do estado das coisas

Sim, há apartamentos em Lisboa onde cada quarto pode custar acima de dois mil euros por mês. É o caso deste anúncio, na Rua Viriato, em São Sebastião da Pedreira, o mais caro a aparecer na plataforma Idealista: 3000 euros por mês. O anúncio até pode gerar algumas dúvidas com a expressão “two bedroom apartment available to rent by the month/week”. Serão os 3000 euros para todo o apartamento ou mesmo por cada quarto?

Mas essa dúvida já não se coloca quando se começa a navegar pelos classificados. Esta suite no Chiado custa 1200 euros por mês. E, se é dos que considera que o descanso não tem preço, talvez seja uma boa aposta, porque aqui “abunda o silêncio”.

Se quer “desfrutar de uma experiência única no coração de Lisboa”, também tem este quarto a 1200 euros na Baixa. O preço mantém-se para uma “suite espaçosa e ensolarada” na Estefânia.

Já se aprecia uma casa de banho com mármore de Estremoz, toalheiros com assinatura de arquiteto ou estantes embutidas em madeira de sucupira, há ofertas entre 850 e 1350 euros por mês para arrendar quarto no Areeiro. Pormenor, o luxo tem de ser partilhado com outros. Há cinco quartos. E são exigidos dois meses de fiança.

Se o orçamento mensal não atingir os mil euros, em Belém, por 950 euros por mês, abre-se a porta de um quarto num espaço partilhado com mais 13 pessoas. Mas convém é ter uma “vaquinha” para outros gastos iniciais. É preciso pagar uma taxa de admissão que pode chegar a 40% da renda, 250 euros de depósito de segurança e o último mês de renda. Nós fazemos as contas por si: precisa de ter 2500 euros só para entrar.

Anúncio de uma camarata com direito a frigorífico ao pé da cama

 

Relacionados

Economia

Mais Economia

Patrocinados