Quem segue ao leme desta tragédia?

30 nov 2022, 16:46
Migrantes resgatados nas Ilhas Canárias (Salvamento Marítimo/Twitter)

A notícia chegou-me através de uma conta das autoridades espanholas no Twitter, a mesma rede social que foi banida pelo governo nigeriano depois de ter apagado um tweet do presidente Muhammed Buhari por violação das regras de conduta. A decisão de suspender a atividade do Twitter no país é apenas o primeiro e minúsculo vislumbre da violação de direitos fundamentais na Nigéria. Em 2020, o Tribunal Penal Internacional determinou que era necessária uma investigação por crimes cometidos pelo grupo terrorista Boko Haram e também pelo uso excessivo de força das autoridades de segurança nigerianas. Em causa, suspeitas de crimes de guerra e crimes contra a Humanidade cometidos tanto pelos extremistas como pelas autoridades locais.

Não sabemos ao certo do que fugiram os jovens que fizeram esta viagem impensável: onze dias pendurados no leme de um navio assustadoramente gigante na travessia do Atlântico entre Lagos e o arquipélago espanhol das Canárias. O que sabemos é que vão todos ser deportados de volta ao horror de onde fugiram. Neste momento, não há tão-pouco garantia de que lhes tenham sido perguntado se iriam requerer proteção internacional. Estão à guarda do Estado espanhol e a aguardar que o operador deste navio cargueiro leve-os de volta para o local de onde saíram desesperadamente. Até podem não ter perguntado se pretendiam pedir asilo, mas há um silêncio impossível de ignorar: quem arrisca a fuga desta maneira é porque esgotou a expectativa de sobreviver no lugar onde nasceu.

Se o navio estivesse mais carregado, o leme acabaria submerso e estas pessoas morreriam. Se o mar estivesse mais agitado, seriam arrastados por uma onda e morreriam. Se a viagem tivesse demorado mais um pouco, desidratavam e morreriam. As condições de uma viagem irregular para a Europa revelam muito do risco que estas pessoas vivem nos países de origem, mesmo que ninguém lhes pergunte: precisam de asilo? É neste silêncio estridente que tem caído a dualidade política da União Europeia e dos Estados-membros nos últimos anos de várias crises migratórias, sobretudo desde 2015.

Na Nigéria há raptos em massa de milhares de crianças. Só entre janeiro e agosto de 2021, segundo a Save The Children International, mil menores foram raptados. A Human Rights Watch tem igualmente recolhido informação sobre mortes de civis quer por ordem de bombardeamentos do presidente Buhari, quer por atividades de grupos armados que espalham o terror e a violência sobretudo na zona norte do país. Também na zona sul, os trabalhadores humanitários das Nações Unidas suspenderam atividade depois de vários ataques dos extremistas islâmicos. A homossexualidade é considerada crime e pode resultar em pena de morte, 10 milhões de crianças não vão à escola e as raparigas muito jovens são casadas à força com homens mais velhos. Os órgãos de comunicação social estão condicionados na liberdade de informar e qualquer protesto é reprimido até sucumbir com indícios graves de tortura de manifestantes.

Um refugiado é alguém que não tem escolha senão fugir para sobreviver, que cruza uma fronteira internacional em busca de segurança noutro país, que foge de uma guerra, de violência, de conflitos ou de perseguições. Tem direito a proteção internacional quem esteja sob ameaça grave à própria vida ou cuja integridade física ou liberdade estejam em causa no país de origem. A Nigéria vive dias sombrios - há anos - sem que lhe seja dedicada especial atenção na esfera pública.

A imagem destes três jovens é desoladora. Sentados num leme, com os pés pendurados, a olhar para baixo. Têm entre 23 e 27 anos. Provavelmente nunca saberemos de que fugiram, mas saberemos que a Europa virou-lhes costas e isso é ilegal. O que diria Zelensky se três cidadãos ucranianos fossem deportados depois de uma travessia tão perigosa como esta para tentar salvar a própria vida?

Nem com a maré baixa se verá o cemitério que existe nas fronteiras marítimas da Europa, mas, ao leme, saberemos sempre quem está.

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