Iam buscar um cheque de 8€: 85 mortos, mais de 300 feridos - Iémen, o que se sabe sobre esta tragédia

20 abr 2023, 10:02

Autoridades já confirmaram que houve sobrelotação do local mas testemunhas garantem que tudo começou após disparos do exército. Famílias das vítimas mortais vão receber 1.800€ de indemnização

Roupas, sapatos, sangue: este é o cenário deixado por centenas de pessoas que se juntaram numa escola de Sana para a distribuição de cheques no valor de cerca de oito euros. Um evento de cariz solidário mas que acabou da pior forma: 85 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas na sequência de uma debandada ocorrida no local.

“Mulheres e crianças estão entre os mortos”, confirmou à agência AFP um dos responsáveis pelas operações de socorro, ainda que em condição de anonimato, uma vez que não estava autorizado a falar com a imprensa. Vídeos partilhados pela televisão Al Masirah, detida pelos rebeldes Houthis, que controlam a capital do Iémen, mostram o cenário após a tragédia: dezenas de sapatos, roupas ou outros pertences ficaram no local ao abandono. A acompanhá-los apenas sangue.

Outros vídeos do local mostram um grande ajuntamento de pessoas em pânico. Muitos tentam trepar por cima de outros, levando a que várias das vítimas tenham morrido sufocadas. O exército ainda gritou para que a população que tentava sair do local se acalmasse, mas não resultou, acabando com centenas de pessoas presas numa pequena rua que vai dar às traseiras da escola.

O chefe do Comité Revolucionário Supremo dos rebeldes Houthis confirmou que a "sobrelotação" provocou o caos no local. Mohamed Ali al-Houthi explicou que, assim que as portas abriram, uma grande multidão correu para uma pequena escada que ia dar ao pátio onde estavam a ser dados os cheques. É essa escada que se vê na imagem no início deste artigo.

Segundo a agência AP também há relatos de testemunhas que falam em tiros, podendo ser essa outra explicação para o que efetivamente aconteceu. A agência refere que duas testemunhas, identificadas como Abdel-Rahman Ahmed e Yahia Mohsen, contaram que as autoridades dispararam para o ar para tentar controlar a multidão. Um dos tiros terá acertado nos fios elétricos, provocando uma explosão que causou o pânico, começando aí a debandada.

As atenções passam agora para os hospitais de Sana, onde milhares de pessoas tentam visitar os feridos ou procurar familiares que estão desaparecidos. Perante a gravidade da situação, os rebeldes Houthis já formaram uma comissão de investigação, sendo que três pessoas foram detidas na sequência do caso.

Mais tarde, o Ministério do Interior - controlado pelos rebeldes - confirmou que os detidos eram pessoas ligadas à organização do evento. O porta-voz do Ministério, Brig Abdel-Khaleq al -Aghri, descreveu o incidente como "trágico", culpando a "distribuição aleatória" de fundos, que não terá sido coordenada com as autoridades. Os Houthis anunciaram ainda que as famílias das pessoas que morreram vão receber cerca de 1.800 euros de indemnização, um valor que desce para os 365 euros no caso dos feridos.

Esta é uma nova tragédia num dos países mais pobres do mundo, o segundo mais pobre fora de África, apenas atrás do Afeganistão. No Iémen, o salário mínimo não ultrapassa os 76 euros, o que significa que o cheque que estava a ser entregue naquela escola valia quase 25% de um salário.

O chefe do Comité Revolucionário Supremo culpa precisamente a coligação internacional, apontando o dedo especificamente à Arábia Saudita, aos Emirados Árabes Unidos e aos Estados Unidos pelo que aconteceu. "A debandada foi uma tragédia dolorosa, uma nova tragédia num quadro sombrio, causado principalmente pela agressão de Estados Unidos, Reino Unido, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e seus aliados. Responsabilizamos os países da agressão pelo que aconteceu e pela amarga realidade que vive o povo iemenita", afirmou Mohamed Ali al-Houthi, através da rede social Twitter.

O Iémen está em guerra civil há nove anos, num conflito que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera uma das piores tragédias humanitárias em todo o mundo. O conflito, iniciado em 2014, surgiu depois de os rebeldes Houthis, que são apoiados pelo Irão, terem capturado a cidade de Sana. A Arábia Saudita formou uma coligação internacional, que conta com os Estados Unidos, apoiando de imediato o governo internacionalmente reconhecido. Ao todo, mais de 150 mil pessoas terão morrido na guerra.

Em paralelo, cerca de dois terços da população do país vive em condições de pobreza, de acordo com a ONU. Isso inclui funcionários do governo apontado pelos Houthis que não são pagos há anos. Num total de quase 22 milhões de pessoas, mais de 14 milhões precisam de assistência humanitária imediata.

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