Empresários queixam-se de “longos atrasos” no apoio do IEFP à criação de novos projetos

ECO - Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
28 nov 2023, 09:03
IEFP

Chegou a ser prometida decisão do IEFP em 45 dias em relação às candidaturas ao programa Empreende XXI. Mas há empresários que estão há vários meses sem resposta. Governo já admitiu atrasos.

A promessa era simples. As pessoas inscritas no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) que estivessem interessadas em criar projetos empresariais podiam contar com um novo apoio, o Empreende XXI. E a resposta às candidaturas chegaria no prazo máximo de 45 dias. Mas vários meses depois, há ainda quem esteja à espera de um sinal de vida do IEFP, o que coloca em causa a viabilidade dos projetos e o sustento dos candidatos. Ao ECO, o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, já tinha admitido que o processo está a decorrer de forma menos célere do que o desejável.

Há muito que os automóveis clássicos eram um dos amores de Ricardo (nome fictício). Mas foi só quando viu o Governo anunciar o Empreende XXI que este português formado em engenharia eletrónica decidiu transformar esse gosto num negócio.

A 21 de junho — dois dias antes de as candidaturas fecharem — avançou com o pedido de apoio ao IEFP, propondo a criação de uma empresa de produtos eletrónicos para automóveis clássicos. “É aplicar a tecnologia atual aos automóveis clássicos, nomeadamente a eletrificação de muitas componentes e melhorias em termos de segurança e conforto”, conta ao ECO.

A indicação de que em mês e meio teria resposta fez Ricardo atirar-se de cabeça: despediu-se “a contar com os prazos prometidos”. Mas os tais 45 dias esgotaram-se sem que tivesse sido sequer chamado para entrevista.

Importa explicar que as candidaturas ao Empreende XXI são sujeitas a várias fases de análise. Primeiro, passam pelas mãos das chamadas entidades de acompanhamento, isto é, entidades escolhidas para apoiar o IEFP na análise das candidaturas, nomeadamente no que diz respeito à viabilidade financeira dos projetos. Essas entidades dão um parecer e só depois as candidaturas chegam ao IEFP.

No caso de Ricardo, há três semanas conseguiu, por fim, chegar à fala com a entidade de acompanhamento que estava a tratar do seu processo, mas informaram-no de que esta iria cancelar o contrato com o IEFP. Entretanto, foi-lhe atribuída outra entidade de acompanhamento, relata.

E esta semana, cinco meses e meio após ter apresentado a sua ideia ao IEFP, terá a primeira entrevista. O plano inicial, avança, era abrir atividade em setembro, mas os atrasos no apoio levaram-no a atirar o arranque do negócio para o início do próximo ano.

Garante que, mesmo que o IEFP continue sem dar resposta, não conseguirá atrasar mais esse início, uma vez que já está “há vários meses sem salário“. “Não posso ficar parado“, sublinha. “Foi a minha primeira vez a concorrer a algo deste género. Julgava que podia correr melhor“, atira o candidato, que ainda tem esperança de receber um “sim” do IEFP.

Em declarações ao ECO, o secretário do Estado do Trabalho assegurou que o Governo conta que todas as candidaturas tenham uma proposta de decisão até ao final do ano.

O processo decorreu de forma menos célere do que inicialmente prevíamos, porque, apesar da portaria definir um prazo de análise que foi largamente superado, tivemos um processo novo para o IEFP.

Miguel Fontes

Secretário de Estado do Trabalho

Mas há centenas de pessoas como Ricardo ainda à espera de resposta do IEFP. Aliás, das 1.965 candidaturas recebidas, só 111 foram aprovadas até ao momento, adiantou Miguel Fontes ao ECO.

Dessas quase duas mil candidaturas, 559 estão ainda nas entidades de acompanhamento: 78 estão a aguardar esclarecimentos, 444 estão a ser analisadas e 37 estão em reanálise, em função de esclarecimentos, entretanto, dados.

Por outro lado, das 1.406 candidaturas que já chegaram às mãos do IEFP, a maioria ainda está em análise: como referido, 111 já receberam “luz verde” e 204 foram indeferidas, o que significa que 1.901 estão a ser avaliadas, ainda que em todos os casos o tal prazo máximo de 45 dias já tenha sido esgotado.

Ao ECO, o secretário de Estado do Trabalho reconheceu, assim, que o processo está a decorrer “de forma menos célere do que inicialmente previsto”. “Isto porque, apesar de a portaria definir um prazo de análise — que foi largamente superado –, tivemos um processo novo para o IEFP“, justificou.

Miguel Fontes salientou ainda que o facto de este ser “um processo muito atomizado [face ao recurso às tais entidades de acompanhamento] coloca um problema de coerência de critérios“. Daí que as candidaturas tenham tido mesmo “de ser revisitadas”, adiantou o responsável.

“O IEFP, quando percebeu que havia muita discrepância de critérios entre as entidades de acompanhamento, teve de garantir que isso não acontecia e voltar a olhar com outros cuidado e reunir com entidades de acompanhamento para reforçar a grelha de critérios”, detalha Miguel Fontes. Admite que os promotores estão “um pouco impacientes”, o que considera “perfeitamente normal face ao tempo decorrido”.

Meses e meses às escuras

Pior do que Ricardo está Teresa, que, apesar de ter submetido a candidatura em maio, até hoje não recebeu qualquer sinal do IEFP. Não foi chamada para entrevista, nem lhe indicaram se seriam precisos mais dados. “Estamos às escuras”, afirma.

Bancária há 27 anos, Teresa decidiu juntar-se a um amigo de longa data para criar um projeto de turismo, que passava por disponibilizar viaturas elétricas e um roteiro personalizado a quem quisesse explorar o interior de Portugal.

O amigo, sócio maioritário deste nova empresa, está desempregado e até já recebeu algumas oportunidades de regresso ao mercado de trabalho, mas tem recusado essas vagas com esperança que o IEFP se decida sobre esta candidatura e porque um dos requisitos do Empreende XXI é o candidato estar inscrito no instituto.

“A situação não é fácil. Não fomos entrevistados por ninguém. Achava que a candidatura iria para o IEFP de Castelo Branco, mas não é assim. Não há como contactar ninguém“, detalha a bancária, que até agora não recebeu qualquer explicação para este atraso.

Como já tinha sinalizado a um stand automóvel as viaturas que iria utilizar, tem capitais próprios já investidos neste projeto, que está em “banho-maria” enquanto o IEFP não chega a uma conclusão.

Dois “sim” levam a um “não”?

Por outro lado, há quem tenha recebido já resposta do IEFP, mas tenha sido surpreendido (pela negativa). É o caso de Sérgio, que pediu apoio para a criação de um projeto de turismo com o filho, que passa pela disponibilização de autocaravanas a quem queira conhecer o interior do país.

Conta que o filho está a estudar, mas, não satisfeito com a área à qual se tem dedicado, inscreveu-se no IEFP “há algum tempo”. Quando as candidaturas ao Empreende XXI abriram (a 3 de abril), pai e filho já tinham “tudo estruturado”.

Ao contrário de Ricardo e de Teresa, foram chamados para entrevista ainda no verão. Entre junho e julho, foram ouvidos duas vezes pela entidade de acompanhamento e uma vez pelo IEFP de Castelo Branco. “Sabemos que ambos os relatórios foram favoráveis“, garante.

Mas em outubro o IEFP (desta vez, de Arganil) comunicou o indeferimento da candidatura. Contestaram e, novamente, o pedido foi chumbado. Agora estão a avaliar os próximos passos. “Pedimos reunião para perceber como é que, com dois pareceres positivos, se chega a uma decisão negativa. Ainda não recebemos pedido de reunião”, sublinha Sérgio, que adianta que nunca lhe explicaram porque é que foi entrevistado pelo IEFP de Castelo Branco, mas recebeu a decisão do IEFP de Arganil.

Inovação é ou não fator de exclusão?

Miguel Fontes, secretário de Estado do Trabalho (Paula Nunes/ECO)

Ao ECO, o secretário de Estado do Trabalho explicou que este é um programa com uma “taxa de exclusão alta“, porque a lógica é ter uma “grande seletividade“. Não por razões financeiras, assegurou — a dotação total é de 50 milhões de euros, dos quais cerca de 7,3 milhões de euros já estão comprometidos –, mas para que haja “rigor e boa afetação de recursos públicos“.

“Toda a gente acha que pode criar o seu próprio projeto empresarial. Se não ancorarmos na lógica de viabilidade económico-financeira e na lógica de serem projetos que concorram de forma significativa para a inovação, há uma grelha de análise que faz com que muitos projetos sejam indeferidos. Isto é normal e tem de ser devidamente explicado”, enfatizou Miguel Fontes.

Ora, no regulamento do Empreende XXI, a inovação não aparece nos requisitos dos projetos. Mas prevê-se uma majoração do apoio para os projetos que tenham esse caráter. E isso está já a gerar críticas entre os candidatos.

“Não é requisito para aprovação dos projetos que os mesmos sejam inovadores. Aliás, não faria qualquer sentido que a medida apenas se destinasse a apoiar projetos inovadores, uma vez que as portarias que regulam a medida discriminam de forma positiva os projetos inovadores, através da atribuição de uma majoração de 15% ao incentivo não reembolsável”, observa Jorge Pinto, consultor de empresas.

Jorge tem acompanhado várias candidaturas ao Empreende XXI e relata que, em meados de agosto, o IEFP terá dado orientações às entidades de acompanhamento para terem a inovação como um fator na análise dos projetos.

“Com esta orientação, o IEFP pretendia que apenas projetos inovadores fossem deferidos, eliminando, assim, grande parte das candidaturas. Na mesma altura, o IEFP solicitou às entidades de acompanhamento a reanálise da maior parte das candidaturas com parecer favorável. A maior parte dos pareceres favoráveis foram mantidos. Perante esta situação o IEFP começou a emitir decisões de indeferimento“, declara.

No caso de Sérgio e do filho, perante o referido indeferimento, o projeto das autocaravanas fica agora sob ameaça. “Uma coisa seria avançar com duas autocaravanas novas. Outra é avançar com duas usadas. A rentabilidade fica prejudicada“, declara Sérgio. “Mas estamos a pensar se podemos avançar de outra maneira“, remata.

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