Os líderes da União Europeia estão a considerar a possibilidade de utilizar cerca de 2,7 mil milhões de euros por ano em lucros inesperados gerados por ativos financeiros russos congelados para ajudar a financiar o esforço de guerra da Ucrânia.
A Comissão Europeia confirmou que a proposta esteve em cima da mesa numa cimeira de chefes de governo da UE esta quinta-feira, mas é provável que seja difícil conseguir a unanimidade necessária.
A última proposta vai mais longe do que um plano anterior da UE - elaborado no final de 2023 e acordado em princípio no mês passado - para usar os pagamentos de juros e outros lucros acumulados em contas em Bruxelas para ajudar a reconstruir a Ucrânia, de acordo com um alto funcionário da UE.
O chanceler alemão Olaf Scholz disse estar confiante de que os líderes europeus concordarão com a nova iniciativa.
"Em primeiro lugar e acima de tudo [esses lucros devem] ser utilizados para adquirir as armas e munições de que a Ucrânia necessita para a sua defesa", referiu Scholz aos jornalistas à chegada para as conversações.
Uma "maioria crescente" de países europeus está agora a "pedir" que esses lucros sejam utilizados para o Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, explicou aos jornalistas um alto funcionário da UE na terça-feira. O mecanismo foi lançado em 2021 para financiar a defesa e as medidas militares da UE a nível mundial. Ao contrário do orçamento geral da UE, pode ser utilizado para comprar armas.
A pressão sobre os Estados da UE para que façam mais para apoiar militarmente a Ucrânia aumentou nos últimos meses, uma vez que o fluxo de ajuda dos Estados Unidos estagnou e a Rússia fez progressos no campo de batalha.
No mês passado, o Senado norte-americano aprovou um projeto de lei suplementar que permitiria desbloquear 60 mil milhões de dólares (cerca de 55 mil milhões de euros) de ajuda militar à Ucrânia, mas o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, recusou-se a submetê-lo a votação.
"Em dezembro, [o plano da UE] tinha muito que ver com a reconstrução e o apoio financeiro ao governo [ucraniano] para sobreviver. Agora estamos numa situação ainda mais terrível, pelo que a entrega de armas é ainda mais importante", acrescentou o responsável.
Mas a mudança de enfoque para o apoio direto às forças armadas ucranianas, em vez de utilizar os fundos para ajudar a reconstruir o país, será difícil de aceitar para os Estados-Membros neutros da UE, como a Irlanda e a Áustria.
O chanceler austríaco Karl Nehammer disse aos jornalistas que "tem de haver uma garantia de que o dinheiro, que aprovámos, não é gasto em armas e munições".
Fazer a Rússia pagar
Após a invasão total da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, os países ocidentais congelaram quase metade das reservas externas de Moscovo - cerca de 300 mil milhões de euros. Desses, perto de 200 mil milhões de euros estão na UE, principalmente na Euroclear, uma instituição financeira que mantém os ativos seguros para bancos, bolsas e investidores.
A Euroclear está a acumular grandes quantidades de dinheiro devido aos pagamentos associados aos ativos russos congelados. Estes pagamentos incluem, por exemplo, os juros pagos sobre as obrigações, conhecidos como cupões, ou as receitas geradas pelos títulos que vencem e são reinvestidos.
No mês passado, o grupo disse que tinha conseguido 5,2 mil milhões de euros só em juros sobre os rendimentos gerados pelos ativos russos sancionados desde que foram congelados pelos países da UE e do G7 em 2022.
A proposta da Comissão Europeia prevê a aplicação de uma taxa especial para cobrar os juros sobre os ativos russos congelados. De acordo com o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, as receitas geradas por estes ativos imobilizados serão de cerca de três mil milhões de euros por ano.
"Espero que possamos chegar a um acordo em breve e transformar as notas em armas... os soldados não lutam com notas", reiterou Borrell aos jornalistas em Bruxelas. "Precisam de armas físicas, precisam de instrumentos físicos para defender o seu povo".
A UE e os seus aliados estão determinados a fazer com que a Rússia pague uma parte da colossal fatura da reconstrução da Ucrânia, que os números oficiais publicados pela Comissão Europeia em fevereiro estimam em 447 mil milhões de euros para a próxima década.
As autoridades ucranianas estimam que o país necessitará de cerca de 13 mil milhões de euros só este ano para reconstruir as infraestruturas energéticas e de transportes, bem como a habitação, entre outras prioridades.
Separadamente, a UE acordou, na segunda-feira, um aumento de cinco mil milhões de euros do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, que será integrado num Fundo de Assistência à Ucrânia, que também apoiará as necessidades militares do país.