Surovikin desapareceu mesmo ou nem por isso? As informações contraditórias sobre o paradeiro do cruel general russo que saberia do plano de Prigozhin

29 jun 2023, 09:47

Conhecido como o "General Armagedão" pela sua brutalidade, o antigo comandante da guerra na Ucrânia pode ter caído em desgraça na Rússia

De comandante das tropas russas na Ucrânia e importante general do exército a inimigo do Kremlin? Substituído do cargo que ocupava em janeiro, não se sabe do paradeiro do general Sergei Surovikin desde sábado, dia da rebelião do Grupo Wagner. O The Moscow Times refere mesmo que ele terá sido detido pelas forças russas, encontrando-se no centro de detenção de Lefortovo, em Moscovo.

Tudo porque o militar, que ainda aparece nas referências das Forças Armadas russas como comandante das Forças Aeroespaciais do exército russo, terá sabido da rebelião do Grupo Wagner antes de ela ocorrer, segundo o The New York Times, havendo até relatos de que apoiaria a insurreição de Yevgeny Prigozhin.

Segundo a publicação russa, a detenção decorreu "no contexto da situação com Prigozhin", com uma das fontes a alegar que o general, que já chegou a chefiar a "operação militar especial", terá "escolhido o lado" do Grupo Wagner durante a rebelião. A informação da detenção de Surovikin começou a circular na quarta-feira em várias páginas de Telegram com ligações à Rússia. De acordo com os bloggers militares russos, o general foi detido no passado domingo.

Responsáveis do exército norte-americano referiram à agência Reuters que Surovikin tinha empatia pelos planos de Prigozhin, ainda que não tenham conseguido confirmar que houve um apoio declarado. Em paralelo, um adjunto do general terá sido despedido, avança o jornalista Alexei Venediktov, antigo diretor da rádio Ekho Moskvy. O coronel-general Andriy Yudin será a mais recente vítima da limpeza no exército russo. Aquele mesmo jornalista deu conta de que Surovikin não contacta a família há três dias. Uma informação contrariada já esta quinta-feira pela própria filha do general, que garantiu ao portal Baza que o pai se encontra bem e não foi detido.

Oficialmente, a história é outra: na última vez que foi visto, no sábado, Surovikin, que também ainda é o vice-comandante russo na guerra na Ucrânia, gravou um vídeo em que apelava a Prigozhin que terminasse a rebelião. Um vídeo que levantou algumas dúvidas, com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla original) a admitir a existência de coação. Na sua atualização mais recente sobre o conflito, aquele think tank norte-americano diz que “não é claro o que terá levado Surovikin a pedir a Prigozhin que pusesse fim à rebelião apenas algumas horas após o seu início, embora seja possível que o tenha feito sob coação e não por apoio à liderança militar russa”.

"Lutámos convosco, arriscámos, ganhámos juntos. Somos do mesmo sangue, somos guerreiros. Peço que parem", disse, no vídeo gravado depois do início daquilo a que Prigozhin chamou "marcha pela justiça". Declarações que parecem ainda mais estranhas depois das informações de que o general terá sabido de antemão da rebelião.

Sobre a notícia do The New York Times, e na única reação até ao momento, a presidência russa disse apenas que vão surgir muitos rumores depois da rebelião do Grupo Wagner, acrescentando que esse era apenas um dos primeiros. Já esta quinta-feira, na habitual conferência de imprensa diária, o porta-voz do Kremlin optou por não responder às questões sobre Surovikin, dizendo apenas que Vladimir Putin confia no ministro da Defesa e no chefe das Forças Armadas.

O ISW refere que, caso se confirme a detenção de Surovikin, a Rússia poderá utilizar o general para justificar a fraca resposta à rebelião, que percorreu centenas de quilómetros dentro da Rússia, tendo ficado a pouco mais de 200 quilómetros de Moscovo.

A teoria de que Surovikin poderia apoiar a rebelião de Prigozhin ganha força por se saber que ambos os homens são próximos, numa relação que se estreitou desde que o general foi despromovido na cadeia de comando da guerra na Ucrânia.

Desde então que ambos se foram posicionando contra o atual comandante da guerra, Valery Gerasimov, que também é chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Rússia. O ISW lembra que Surovikin é um dos generais que se posicionam numa linha antagonista do atual comandante, sabendo-se que Gerasimov era uma das cabeças que Prigozhin queria ver rolar, ao lado do ministro da Defesa, Sergei Shoigu.

Cruel, implacável: o "General Armagedão"

Sergei Surovikin é um veterano da guerra civil no Tajiquistão na década de 1990, da segunda guerra na Chechénia e da intervenção russa na Síria lançada em 2015. Subiu ao mais alto posto da guerra na Ucrânia depois do ataque que destruiu a ponte de Kerch, que ligava a Rússia à península da Crimeia.

Nascido na cidade de Novosibirsk, na Sibéria, começou a sua carreira militar no Afeganistão, no final dos anos 1980, ainda durante a União Soviética, cujo aproximar do fim trouxe um dos primeiros relatos que testemunha a brutalidade do militar, que ficou conhecido como "General Armagedão". Escreve a BBC que, em 1991, Surovikin deu ordem para uma coluna de veículos atropelar um conjunto de manifestantes que pediam o fim da ditadura.

Presente nas várias campanhas militares da Rússia, grande parte delas com Vladimir Putin como presidente, Surovikin atacou ou mandou atacar escolas, hospitais, casas e ruas de forma totalmente indiscriminada. Foi devido ao rasto de brutalidade que deixou em cada um dos sítios por onde passou que se tornou conhecido.

Quando o Ministério da Defesa da Rússia anunciou o nome do novo comandante, Max Seddon, chefe da delegação moscovita do jornal Financial Times, escreveu no Twitter que Surovikin é conhecido por ser "corrupto e brutalmente violento", mesmo para os padrões do exército russo.

O seu nome consta num relatório realizado em 2020 pela Human Rights Watch, no qual é dito que a "defesa" dos interesses russos na Síria envolveu dezenas de ataques aéreos e terrestres a objetos e infraestruturas civis como "casas, escolas, instalações de saúde e mercados - lugares onde as pessoas vivem, trabalham e estudam". Chegou mesmo a ser acusado de levar a cabo ataques químicos, havendo vários relatos de que a Rússia utilizou fósforo branco na Síria, o que é proibido pelas convenções internacionais.

Durante o seu tempo na Síria, o militar, agora com 56 anos, foi agraciado com o título de Herói da Federação Russa.

Em fevereiro de 2022, Surovikin foi sancionado pela União Europeia na sua qualidade de chefe das Forças Aeroespaciais "por apoiar e implementar ativamente ações e políticas que minam e ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência, bem como a estabilidade ou a segurança da Ucrânia".

Agora pode surgir uma outra sanção, desta vez na sua própria casa.

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