O petróleo russo não está sancionado, mas de qualquer modo ninguém quer tocar-lhe

CNN , Matt Egan, CNN Business
6 mar 2022, 11:59
Petroleiros mais poluentes (Foto: Ojas Narappanawar/Pexels)

Preços de petróleo e gás já estavam em alta antes da invasão. Depois, os mercados dispararam. Petróleo russo não está (ainda?) incluído nas sanções, mas na prática já está a ser ostracizado

A guerra na Ucrânia está no auge. O mercado petrolífero está a entrar em pânico.

O petróleo russo não foi atingido diretamente pelas sanções esmagadoras do Ocidente a Moscovo – até agora, pelo menos. Na verdade, Estados Unidos e Europa esforçaram-se ao máximo para evitar atingir os combustíveis fósseis da Rússia,

É cada vez mais claro que os volumes [de petróleo] russos estão a ser ostracizados. Natasha Kaneva– JP Morgan

 

Mas o mercado não arrisca quando se trata de petróleo russo. Comerciantes, transportadores marítimos, companhias de seguros e bancos não querem tocar na questão, por receio de entrarem em conflito com as sanções ocidentais.

Isto significa que uma quantidade considerável de petróleo russo foi efetivamente marginalizada – precisamente o que o Ocidente não queria que acontecesse. Os preços do petróleo e da gasolina dispararam.

"As sanções levaram a uma proibição de facto do petróleo russo", afirmou à CNN Andy Lipow, presidente da empresa de consultoria Lipow Oil Associates.

Embora o Ocidente tenha excluído o sector da energia das sanções esmagadoras impostas à Rússia, as penalizações impostas aos bancos, aos indivíduos e ao banco central da Rússia criaram um campo minado para a indústria energética navegar. E há uma preocupação – em parte provocada por comentários da Casa Branca, esta semana – que o petróleo russo acabe por ser sancionado na mesma.

"Como saber se o petróleo que está a transportar não é afetado por ser propriedade de alguém que foi alvo de sanções?", questionou Lipow. "Sabem como resolver esse problema? Não o comprem."

O crude Brent, a referência mundial, subiu acima dos 115 dólares por barril na quinta-feira, devido aos receios de um choque na oferta. Gráfico: Tal Yellin, CNN

"Em falta no mercado"

O abastecimento de petróleo não estava a acompanhar a procura muito antes da invasão russa da Ucrânia, na semana passada. O mercado não estava em posição de perder nenhum barril da Rússia, o segundo produtor mundial de petróleo bruto no ano passado, mas foi exatamente isso que aconteceu.

Estima-se que 4,3 milhões de barris de petróleo russo por dia estejam "a faltar no mercado porque os compradores ocidentais estão a recusar-se a comprá-lo", afirmou Natasha Kaneva, diretora de global commodities do JPMorgan, a Alison Kosik, ao Business Markets Now, da CNN, na quarta-feira.

"É cada vez mais claro que os volumes russos [de petróleo] estão a ser ostracizados", afirmou Kaneva. "Estamos a enfrentar uma escassez, neste momento."

O gás aproxima-se rapidamente dos 4 dólares

Essa escassez fez disparar os preços.

O petróleo aumentou mais de 20% ainda antes de a Rússia ter invadido a Ucrânia. O petróleo bruto dos EUA subiu aos 116,57 dólares por barril, na quinta-feira de manhã – o nível mais alto desde setembro de 2008 – antes de recuar. Brent, a referência mundial, quase atingiu os 120 dólares por barril, antes de o preço cair.

Os preços da gasolina também estão a subir rapidamente. A média nacional para a gasolina normal atingiu os 3,73 dólares por galão na quinta-feira, segundo a AAA, com uma subida de 7 cêntimos numa semana e 19 cêntimos num mês.

E porque os preços da gasolina dependem dos preços do petróleo, é provável que aumentem ainda mais nos próximos dias.

O choque do preço do petróleo também vai fazer aumentar o custo do combustível de aviação, dos transportes e dos inúmeros produtos à base de petróleo. Tudo isto irá exacerbar a inflação, que já atingiu o nível mais alto em 40 anos.

Bancos, petroleiros e comerciantes afastam-se

Os analistas da indústria apontam para a proibição de facto do petróleo russo como um catalisador central por detrás do último pico de preços.

"Está a limitar o fornecimento, sem dúvida – numa altura em que o fornecimento não deve ser limitado," afirmou Tom Kloza, diretor global de análise energética do Oil Price Information Service.

Um dos maiores problemas é que as refinarias recusam comprar petróleo russo. Lipow disse que as refinarias nos Estados Unidos, Finlândia, Suécia e em outros países estão a evitar os barris russos.

A mesma situação está a acontecer com as empresas de comércio de energia. Por exemplo, Lipow disse que uma empresa ofereceu uma carga de petróleo bruto russo para venda – com um enorme desconto de 18,60 dólares abaixo do Brent, em vez do ligeiro desconto normalmente oferecido antes da invasão. Não houve nenhum comprador.

Ao mesmo tempo, muitos bancos estão a recusar-se a fornecer o financiamento típico envolvido na compra de petróleo. Lipow afirmou que os bancos, incluindo o Crédit Suisse, Société Générale, ING, Rabobank e Banco da China, estão a recusar-se a estender o crédito a quem quer financiar a compra de petróleo russo.

Alguns petroleiros estão até a recusar-se a descarregar seja o que for nos portos russos ou a transportar petróleo russo. O Reino Unido, o Canadá e outros países baniram os petroleiros russos.

"Sem compradores, sem crédito e sem petroleiros, não há petróleo russo e aumentam os preços da gasolina e do diesel," escreveu Lipow, na quinta-feira, num memorando aos clientes.

Vão ou não vão?

O rápido afastamento do petróleo russo – apesar do facto de não terem sofrido sanções diretamente – apanhou desprevenidos algumas pessoas em Wall Street e em Washington.

"Sempre houve uma possibilidade de que a incerteza das sanções levasse ao excesso de zelo. Mas isso aconteceu com o petróleo russo, para além das expectativas de muitos," afirmou Jason Bordoff, que serviu como responsável pela energia na Casa Branca de Obama.

É possível que os compradores de petróleo russo possam ressurgir se o Ocidente clarificar a sua posição nas sanções. Isso ajudaria a aliviar a escassez de abastecimento que assola os mercados.

"Inicialmente, quando as sanções são divulgadas, ninguém sabe o que significam", afirmou Bordoff, diretor e fundador do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia. "Algumas das vendas de petróleo russo podem voltar, se as pessoas ficarem mais descansadas."

No entanto, continua a existir o espetro de sanções ainda mais duras contra a Rússia, sendo o petróleo o alvo óbvio.

A Secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, disse ao New Day da CNN, na quarta-feira de manhã, que atingir as exportações de petróleo "ainda é uma hipótese em aberto."

A administração recuou mais tarde. "Não temos um interesse estratégico em reduzir o fornecimento global de energia," disse a Secretária de Imprensa adjunta Karine Jean-Pierre aos repórteres a bordo do Air Force One, na quarta-feira à tarde.

Intencionalmente ou não, os últimos dias mostram que a redução no fornecimento já aconteceu.

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