“O meu principal papel é ser ucraniana”. É atriz, contracenou com Zelensky e foi refugiada em Lisboa. Agora está no exército

19 ago 2023, 08:00
Victoria Mushtey

HISTÓRIAS CNN || Durante o mês de agosto, todos os sábados, recuperamos e revisitamos a história de pessoas que já foram notícia na CNN Portugal

Antes de a guerra começar, Victoria Mushtey ensaiava para a peça “Força de Pelotão”, que iria apresentar em Kiev. Seria um soldado - e à custa disso aprendeu a manobrar armas. Depois a guerra começou e ela, no meio de umas curtas férias em Lisboa com o marido, viu-se transformada em refugiada.

Desde aquele 24 de fevereiro de 2022 que muita coisa mudou. Victoria trabalha agora no exército do Reino Unido, nomeadamente no apoio que é dado por esta força ao conflito na Ucrânia. É a vida a tornar a ficção em realidade.

“Agora, o meu principal papel é ser ucraniana. A minha prioridade é a nossa vitória. As competências de representação podem ser usadas em diferentes contextos. O meu campo de atividade mudou radicalmente. Estou a trabalhar no exército do Reino Unido no apoio à Ucrânia”, explica, por escrito, à CNN Portugal.

Lidar hoje diariamente com a realidade que iria representar em palco, numa peça sobre o conflito no Donbass, traz novas perspetivas: “Qualquer soldado que passou pela guerra viveu experiências que os civis não conseguem imaginar. As suas histórias transformam vidas, valores e perceções de morte de uma forma irreversível”.

E qualquer tarefa que se faça, por mais diferente que pareça, enriquece sempre o trabalho de ator. “Acredito que a honra de representar um soldado deve ser conquistada, estou a trabalhar nisso”, diz Victoria. Porque não há guerra que apague uma vocação.

Victoria no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, para a entrevista com a CNN Portugal em abril de 2022

O regresso aos palcos e uma Kiev que “floresce”

Victoria começou em Lisboa, subiu para o Porto. Depois passou por Berlim e está agora em Londres. Mas foi ainda em Portugal que conseguiu trabalhar como atriz já depois do conflito. Subiu ao palco do Teatro Nacional São João, no Porto, para o espetáculo “A Minha Mãe está Doente”, com outros artistas ucranianos.

“É um drama místico sobre a guerra e a dor que estamos todos a passar. Descobrimos o tema do stress pós-traumático, o trauma coletivo e o papel da mulher em tempos de guerra”, recorda.

Desde aí, os palcos ficaram em segundo plano. “Todos os projetos que desenvolvi desde o início da guerra são sobre a Ucrânia. Não tinha esse objetivo, mas não podia ser de outra forma. Tenho-os implementado em diferentes países e em casa”, conta.

Numa das idas a Kiev, filmou um “projeto cultural e educacional sobre a identidade ucraniana”. Tem planos para apresentá-lo em vários países. Mas a casa, a capital ucraniana, é mesmo o sítio onde se sente bem, completa.

“É ótimo estar em casa. A cidade floresce e desenvolve-se, apesar dos contantes ataques. As pessoas continuam a caminhar calmamente durante os sons das sirenes, por acreditarem no poder das nossas defesas aéreas. E cultivam a sua fé. Sou constantemente surpreendida pelo modo como as pessoas na Ucrânia mantêm o seu sentido de humor e calma”, descreve.

Atriz tem regressado a Kiev várias vezes (DR)

Os sonhos de um futuro em aberto. “Vou voltar à representação”

Victoria saiu de Portugal à procura de oportunidades de carreira. A língua, por cá, era uma barreira intransponível. Depois juntaram-se as dificuldades na documentação e os custos com habitação. Na primeira conversa com a CNN Portugal, explicou como foi contracenar com Volodymyr Zelensky na série “O Servo do Povo” e como encarava existir, naquele ator-tornado-presidente, a força para lutar pela terra mãe.

Agora, o quotidiano faz-se sem grandes planos. Um dia de cada vez, até que o seu nome seja uma realidade. Victoria. “Sobre o futuro? Como dizemos ‘Se queres fazer um ucraniano rir, pergunta-lhe os seus planos’. Eu não tenho planos. Em tempos de caos, temos de ser fluidos. E estar gratos por cada dia das nossas vidas, apesar do caos e do horror que nos rodeiam”.

Mas sempre com uma certeza: “Vou voltar à representação um dia, para contar as histórias que agora não posso”.

Victoria está agora a trabalhar com o exército britânico, no apoio dado à Ucrânia

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