opinião
Economista e Professor Universitário

Economia russa: entre resiliência e incerteza 

19 fev, 15:33

Dois anos após a invasão militar da Ucrânia, a economia russa continua a ser objeto de intenso debate e de muitas incertezas. 

Até os grandes órgãos de comunicação social mundiais parecem dessintonizados. A Reuters refere que o crescimento do PIB russo assenta em gastos militares e que, por isso, mascara problemas económicos mais amplos. Ao mesmo tempo, o Financial Times vai sublinhando “a surpreendente resiliência da economia russa”.

Para já, parecer ser inquestionável a incerteza que paira na comunidade internacional em relação ao atual momento da Rússia. Para alguns, o processo em curso é de transição para uma economia livre do Ocidente e próspera daí em diante. Para outros, no seguimento das sanções e do divórcio a Oeste, a economia russa encontra-se agora em modo de sobrevivência, com a produção militar a ser preponderante.

Ainda assim, procedendo-se a uma análise assente em factos e previsões sustentadas, a economia russa parece inesperadamente sólida.

A Reuters refere que o PIB de 2023 da Rússia recuperou da contração de 2022, tendo registado um crescimento de 3,6%. Também é certo que este desempenho foi sustentado pelo aumento dos gastos militares. Comparando com UE e Zona Euro, estes blocos “cresceram” uns modestos 0,5% no ano passado.

Para 2024, O FMI espera que a economia russa cresça 2,6%. É um crescimento mais rápido do que o esperado para todas as economias do G7, e até superior aos 2,3% previstos pelo próprio Ministério da Economia da Rússia. 

Já na perspetiva dos economistas russos ouvidos pela Reuters, são dois os problemas que, daqui em diante, colocarão dificuldades sérias à economia russa. 

O primeiro dos problemas é o PIB da Rússia. Segundo a análise dos economistas auscultados pela Reuters, o crescimento do PIB russo é ilusório. O Centro de Análise Macroeconómica e Previsões de Curto Prazo da Rússia atribui ao conflito na Ucrânia mais de 60% do aumento da produção industrial russa nos últimos dois anos. Toda esta produção industrial acaba por explodir ou atingir o seu desiderato na Ucrânia. Portanto, a maior parcela do Produto Interno Bruto russo dos últimos dois anos não desencadeou benefícios para a economia civil russa. A única vantagem resultante deste processo é de curto prazo: a produção industrial vai gerando emprego.

Ainda assim, de acordo com os economistas entrevistados pela Reuters, também é no emprego que pode residir o segundo grande problema da economia russa. É verdade que o desemprego atingiu um mínimo histórico de 2,9%, mas com centenas de milhares de cidadãos russos, nos últimos dois anos, a aderir às forças armadas ou a fugir da Rússia.

Segundo a Reuters, o ano de 2022 registou a mobilização de 300 mil homens para o exército russo. Em 2023, foram recrutados mais 490 mil. Pelo menos o mesmo número, entretanto, fugiu do país para evitar ser envolvido ativamente no conflito.

Nesta fase, são muitas as empresas que se veem forçadas a trabalhar em turnos sucessivos e ininterruptos para dar resposta às encomendas do Kremlin. A utilização da capacidade de trabalho da Rússia atingiu um novo máximo histórico no último trimestre de 2023: 81%.

Com a continuação da crise militar na Ucrânia, a redução da mão de obra disponível começará a ditar as regras na Rússia, afigurando-se, necessariamente, prioridade para a indústria militar. Os setores não militares da economia russa deverão começar a sentir-se cada vez mais limitados nas suas atividades.

O consumo privado deverá ser muito penalizado. A necessidade de aumentar as importações em relação a algumas áreas de consumo será, por isso, cada vez mais pronunciada. Neste contexto específico, não restam dúvidas de que as sanções produziram efeito, pois restringiram, de forma efetiva, o acesso aos mercados internacionais. Nos curto e médio prazos, esta conjuntura vai afetar cada vez mais severamente o consumo privado na Rússia.

Finalmente, apesar de todos os argumentos utilizados, a verdade é que o atual ponto de situação da Rússia continua a gerar mais dúvidas do que certezas. Se, por um lado, os economistas russos ouvidos pela Reuters não concebem “o atual crescimento económico como duradouro ou qualitativo”, outras partes, como o Financial Times, realçam a “surpreendente resiliência da economia russa.” 

A Rússia estará, estrategicamente, a reestruturar a sua economia, orientando-a integralmente para a Ásia e para outras geografias suficientemente independentes do Ocidente. Moscovo canaliza agora 90% das exportações de petróleo para China e Índia. É preciso não esquecer que estas duas economias apresentam um potencial de crescimento praticamente ilimitado.

Por outro lado, a Rússia integra e preside ao bloco BRICS. Foi já em 2024 que assumiu a presidência do grupo. Este conjunto de países está agora muito mais forte, com a entrada de cinco novos Estados-membros também já este ano. 

A Rússia é ainda um dos membros aliados que compõem a OPEP+. Também esta organização de países apresenta agora mais poder do que nunca, com a adesão da potencia Brasil já em 2024.

A partir deste cenário, parece ser possível concluir que a Rússia está a conduzir uma estratégia de reestruturação económica devidamente planeada, orientando-se para a Ásia e para outras geografias e parcerias, como os blocos BRICS e OPEP+. O objetivo de Moscovo é substituir rapidamente toda e qualquer dependência económica do Ocidente que ainda subsista.

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