Ataques "mais frequentes e letais". Ucrânia tem uma nova "estratégia bem planeada" para estrangular a economia russa

15 mar, 07:00
Um drone MQ-9 Reaper usado pela Força Aérea norte-americana (Foto: Isaac Brekken/Getty Images)

Demoraram anos a ser desenvolvidos, são cada vez mais perigosos e os seus alvos são escolhidos criteriosamente. Com as eleições russas à porta, a Ucrânia quer sangrar a economia russa e, em simultâneo, obrigar o Kremlin a dispersar as suas forças

As sanções contra os produtos petrolíferos russos falharam. Uma “frota fantasma” e o apoio de aliados como a Índia permitiram a Moscovo contornar o garrote imposto pelo ocidente e, só em 2023, os cofres do Kremlin viram entrar 99 mil milhões de dólares da exportação destas matérias-primas. Depois de dois anos de guerra, a Ucrânia está a “implementar uma estratégia bem planeada” que “veio para ficar” para atacar a Rússia onde mais dói: na sua capacidade de financiar a guerra.

“Esta é uma nova estratégia ucraniana e só por um motivo específico acabou por ser implementada agora. Mas estes ataques vão tornar-se mais frequentes, mais poderosos e mais letais contra alvos russos”, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira.

Em menos de 48 horas, três das maiores refinarias russas foram atingidas por drones a centenas de quilómetros das fronteiras ucranianas. À CNN, uma fonte ucraniana com conhecimento dos ataques, admite que as forças especiais de Kiev estiveram por detrás desta vaga de bombardeamentos para “privar o inimigo de recursos e reduzir o fluxo de dinheiro do petróleo e de combustível".

O Ministério da Defesa russo afirma que abateu mais de 58 drones ucranianos, após várias ondas de ataques, que passaram por várias regiões do país. Segundo fontes do exército russo, os ataques atingiram pelas províncias de Moscovo, São Petersburgo, Belgorod, Kursk, Bryansk, Tula, Oryol e Ryazan.

O ataque de quarta-feira foi particularmente custoso para o Kremlin. A refinaria NORSI da Lukoil, na província de Nizhny Novgorod, foi alvo de um ataque “significativo”. Várias imagens publicadas nas redes sociais russas mostram vários drones a atingir as instalações, já em chamas de explosões anteriores. De acordo com o antigo conselheiro do Ministério da Administração Interna ucraniano Anton Gerashchenko esta não é uma refinaria qualquer. Em 2023, esta unidade produziu em média 410 mil toneladas de gasolina por mês, o que é cerca de 6% da produção total russa.

O golpe acontece numa altura particularmente sensível para a Rússia. No final de fevereiro, o Kremlin proibiu a exportação de gasolina e diesel durante seis meses, devido a um forte aumento da procura entre consumidores e agricultores e para permitir à refinaria da Lukoil fazer a manutenção do complexo que foi atingido na terça-feira. Normalmente, a estrutura demoraria cerca de dois meses a ser reparada, mas depois do ataque é possível que a estrutura fique imobilizada durante ainda mais tempo, exercendo ainda mais pressão nos preços dos combustíveis russos.

Segundo o governador da região de Rostov, Vasiliy Golubev, certas “instalações tecnológicas” da refinaria foram encerradas por tempo indefinido. Além disso, um depósito de combustível foi atingido na província de Oryol.

Estes ataques só foram possíveis graças a novos desenvolvimentos tecnológicos por parte dos ucranianos, no campo da tecnologia das aeronaves não tripuladas. Ao longo da guerra, as forças armadas ucranianas têm utilizado com vários graus de eficiência diferentes tipos de drones. O mais conhecido é o FPV, pequenos drones comerciais equipados com um explosivo que podem atingir alvos a distâncias relativamente curtas. Estes novos drones são bastante diferentes.

Capazes de transportar a bordo quase mil quilos de explosivos e equipados com a tecnologia mais avançada para resistir às armas de guerra eletrónica russa, estes novos drones conseguem viajar longas distâncias a baixas velocidades.  Essa baixa velocidade torna-os mais vulneráveis às armas antiaéreas russas. Para resolver esse problema, os ucranianos atacam os alvos com elevados números de drones, de forma a “saturar as defesas” russas. Mas existe também “um trabalho de casa” feito pelos ucranianos.

"Há um trabalho de análise das zonas de sombra, que não estão cobertas pela defesa aérea. Tudo indica que nos próximos dias a Ucrânia vai atacar alvos que são sensíveis”, defende o major-general Agostinho Costa.

Esses desenvolvimentos só foram possíveis porque, há cerca de um ano, a Ucrânia aprovou medidas para incentivar a produção e o desenvolvimento tecnológico de drones. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, traçou mesmo a meta de produção de um milhão de drones por ano, de todos os tipos. Em fevereiro do mês passado, o ministro da tecnologia ucraniano Mykhailo Fedorov, disse à Reuters o número de empresas a produzir drones de longo alcance está a crescer e espera que “milhares” destes drones sejam produzidos em 2024.

"A categoria de drones kamikaze de longo alcance está a crescer, com alcances de 300, 500, 700 e 1.000 quilómetros. Há dois anos, essa categoria não existia de todo. Lutaremos para aumentar ainda mais o financiamento ", afirmou, em jeito de prenúncio dos ataques que viriam a acontecer.

Para o major-general Isidro de Morais Pereira, esta série de ataques faz parte de uma estratégia abrangente da Ucrânia, que “complementa as sanções económicas” e perturba seriamente o equilíbrio das contas públicas russas. Apesar de as receitas da venda de produtos petrolíferos terem caído 24% em 2023, os 99 mil milhões de dólares que chegaram aos cofres do Kremlin são suficientes para manter o esforço de guerra na Ucrânia. Porém, se os ataques continuarem a ter sucesso, a economia russa pode vir a sofrer pressão sobre a sua maior fonte de rendimento.

“Estes atos prejudicam imediatamente o erário público russo. Prejudicar a economia russa e a capacidade de financiar a guerra é um dos principais objetivos ucranianos”, insiste o especialista em assuntos militares.

Apesar disso, é difícil perceber o potencial impacto que estes ataques poderão ter no fornecimento de combustíveis necessários para o funcionamento do exército russo. Estas estruturas são fundamentais para alimentar a máquina de guerra de Vladimir Putin, que consome enormes quantidades de diferentes tipos de combustíveis. No entanto, a guerra na Ucrânia continua a ser a prioridade do Kremlin, que já demonstrou estar disposto a abdicar de outros interesses para continuar a ocupar território ucraniano.

Mas estes ataques obrigam a uma dispersão de recursos militares russos. Para manter a indústria petrolífera livre de perigo, o exército russo precisa de enviar radares e sistemas de mísseis de defesa antiaérea para as imediações destas instalações. Esta possibilidade obriga a deslocar especialistas e defesas que poderiam estar a ser utilizados na linha da frente, tornando a situação um pouco mais complicada para o Kremlin.

“Isto obriga a retirar tropas da Ucrânia e a dispersar recursos. A Rússia vai sentir uma grande necessidade de defender estas refinarias com sistemas de defesa antiaérea. O que vai acontecer é que algumas das armas antiaréas na Ucrânia vão ter de ir para a Rússia”, explica Isidro de Morais Pereira.

Vários vídeos partilhados nas redes sociais mostram os drones ucranianos a sobrevoar os céus sob fogo de armas antiaéreas russas. Numa dessas publicações é possível ver um drones a atingir diretamente a torre de destilação uma unidade de produção de combustível já em chamas, em Ryazan.

O eventual impacto dos ataques nas eleições russas, que se realizam até ao próximo domingo, dia 17 de março, também pode ser tido em conta, embora não seja claro que ele se verifique. Para Agostinho Costa, este foi um dos motivos pelo qual a Ucrânia intensificou os ataques. Porém, Isidro de Morais Pereira desvaloriza esse impacto, “uma vez que as eleições já estão decidas".

“Basta recuperar as declarações de Peskov. As eleições russas já estão decididas e sabemos que Vladimir Putin vai ganhar com mais de 80% dos votos. Quando se atacam as refinarias, está-se a diminuir a capacidade de financiar a guerra. Acredito que a Ucrânia o faça com mais intensidade ainda no futuro”, defende o major-general.

 

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