As pessoas que oferecem aos refugiados as casas que tinham para arrendar

CNN , Julia Buckley
3 abr 2022, 11:00

A 24 de fevereiro, enquanto via as notícias sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, Desislava Tosheva olhava para o sofá. “Eu estava na minha sala, a pensar em todas as pessoas prestes a fugir do seu país, e em como aquelas com melhores oportunidades financeiras teriam uma maior vantagem”, diz ela.
“Estava a olhar para o meu sofá e a pensar que adoraria oferecê-lo a alguém que precisasse.”

Tosheva, de Sófia, na Bulgária, pensou que poderia haver outros a pensar o mesmo. Então, decidiu criar um grupo no Facebook chamado “Accommodation, Help & Shelter for Ukraine”, ou seja, “Alojamento, Ajuda e Abrigo para a Ucrânia”. “Pensei que não teríamos mais de 200 membros, mas isso já seria o suficiente – ajudar nem que seja uma pessoa já significa tudo para essa pessoa”, diz ela.

Mas estava errada. À data em que este artigo foi redigido, a página tinha mais de 80 000 membros. Ucranianos e potenciais anfitriões publicam o que procuram e o que podem oferecer, respetivamente, e podem combinar tudo sozinhos ou através dos administradores da página. Tosheva e os administradores da sua página já providenciaram pessoalmente alojamento para cerca de 90 refugiados. Muitos dos anfitriões estão a oferecer propriedades que costumavam arrendar no Airbnb ou noutras plataformas. Agora, as suas casas de férias - incluindo um castelo na Irlanda - estão a ser usadas para realojar aqueles que perderam tudo.

E não são os únicos. Embora a indústria das viagens tenha sido duramente atingida pela pandemia, muitas pessoas nela envolvidas, - desde aqueles que normalmente arrendam as suas propriedades a turistas até aos hoteleiros, - estão agora a ceder os alojamentos aos refugiados ucranianos. Uma cidade está até a usar a sua posição como Capital Europeia da Cultura – algo que normalmente atrai um número significativo de turistas durante o ano de vigência - para promover a cultura ucraniana. Aqui estão algumas das suas histórias.

“Neste momento, sinto-me desconfortável a viver a minha vida”

Caroline Williams oferece quartos na sua quinta, a longo prazo (Foto: Caroline Williams)

Caroline Williams oferece quartos na sua quinta, a longo prazo. Com os seus chalés de telhado de colmo, a igreja medieval e as colinas verdes à distância, incluindo o lendário Glastonbury Tor, a vila de Compton Dundon, no distrito de Somerset, atrai quem procura uma pausa no campo na zona oeste de Inglaterra. E desde que se reformou do seu trabalho como gerente de um negócio, Caroline Williams usava o Airbnb para comunicar com possíveis visitantes e arrendar quartos na sua linda quinta, além de um celeiro que fora convertido em alojamento de férias.

Mas havia algo que lhe faltava desde que se tinha reformado: "Eu procurava algo um pouco mais importante para fazer”, diz ela. Agora, está a oferecer dois quartos na sua quinta mais metade do celeiro - um apartamento independente - a refugiados. “Eu andava pelo jardim, ao sol, e não conseguia parar de pensar nas pessoas que não podiam fazer isso”, diz ela. “Neste momento, sinto-me desconfortável a viver a minha vida.”

Glastonbury Tor fica perto da casa de Caroline Williams (Foto: Adobe Stock)

Williams já se tinha inscrito para alojar trabalhadores fundamentais britânicos durante a pandemia e, desta vez, recorreu ao programa da Airbnb de refugiados da Ucrânia. Uma semana depois, o Reino Unido - que antes não permitia a entrada de refugiados ucranianos - criou um programa de patrocínio, ao qual Williams também aderiu. Também se juntou a instituições de beneficência locais, numa tentativa de se ligar aos refugiados.

A casa de férias, Bracken, estará disponível para estadias curtas e emergências. “É o meu rendimento, tenho de mantê-la aberta para as reservas normais”, diz ela. Mas os dois quartos em casa dela estão disponíveis a longo prazo. Williams acha que a localização rural seria adequada para uma família, em vez de pessoas mais jovens que venham sozinhas. “Desconheço completamente as emoções, inseguranças e medos que essas pessoas estão a sentir. Nunca estive nem perto de uma situação assim”, diz ela. “Mas sei como é quando alguém estende a mão e nos apoia, ou quando alguém é gentil e nos ajuda a sentirmo-nos seguros. É isso que eu quero fazer.”

Perguntei: “Importa-se que eu use o seu apartamento?”

Em Budapeste, Gordon Cross tem pedido aos seus clientes que lhe emprestem os apartamentos deles como abrigo para os refugiados (Foto: Gordon Cross)

Gordon Cross, um cidadão do Reino Unido que vive em Budapeste há 20 anos, diz que “a grande maioria das pessoas comuns” na Hungria está a ajudar os refugiados que atravessam a fronteira - e que as pessoas que normalmente arrendam alojamentos de férias estão a fazer o mesmo. Cross, que tem um negócio de administração de propriedades em Budapeste com mais de 100 clientes, diz que os húngaros querem garantir que “todos tenham uma cama quando chegam”.

E ele também queria fazer parte disso. Assim que os refugiados começaram a chegar, analisou o seu inventário. Oito das 100 propriedades estavam vazias - e ele entrou logo em contacto com os proprietários, perguntando se abririam os seus apartamentos aos refugiados que vinham a fugir do conflito. Todos disseram que sim.

“Eu só disse: ‘Envolvi-me nisto, importa-se que eu use o seu apartamento?’, e a maioria ofereceu imediatamente as suas propriedades”, diz ele. “Tive de conversar e convencer alguns proprietários, mas aqueles que eu conhecia muito bem não tiveram de ser convencidos, especialmente aqueles com filhos. A ideia de uma mãe e dos seus filhos a ter de deixar tudo e ir para um lugar estranho… Não era preciso convencer ninguém.” 

Um dos apartamentos era propriedade de um grupo e não de um indivíduo, e o grupo tinha acabado de fazer uma renovação cara com ideias de vender a casa. “Alguns membros do grupo disseram: 'Céus, íamos vendê-lo', e eu disse: ‘Veja as notícias'. Na semana passada, recebi uma mensagem a dizer: 'Avance.'” Outros estão preocupados com a situação a longo prazo. Um proprietário estipulou um limite de seis meses. Mas agora, Cross está mais preocupado com os refugiados do que com o seu negócio. 

“Depois de estar no terreno, as estadias prolongadas não são uma preocupação imediata. Tenho de cuidar dos meus clientes, é o meu negócio, mas neste momento quero convencer mais alguns deles a abrirem os seus apartamentos.”

“Eles precisam mais do que os turistas”

Jo Mackay está preparada para cancelar reservas nas suas vilas italianas para dar lugar a refugiados (Foto: Jo Mackay)

Foi ao ver imagens das pessoas numa estação de comboios de Berlim, com cartazes a oferecerem as suas casas aos refugiados, que Jo Mackay se virou para o marido. “Olhámos um para o outro e chegámos à mesma conclusão, ao mesmo tempo. Temos a sorte de ter duas casas que arrendamos, mas devíamos cedê-las a alguém que precisa mais delas do que os turistas.”

Mackay é proprietária da Bookings for You, uma empresa de arrendamento de casas de luxo com propriedades em Itália, em França e no Mónaco. Mas ela também tem duas propriedades próprias, no Lago Maggiore, que arrenda através da empresa. “Temos a sorte de tê-las e é a coisa certa a fazer”, diz ela. “Quando as comprámos, tínhamos de receber as rendas para pagarmos as hipotecas, mas já as temos há mais de uma década e a vida tornou-se um pouco mais fácil. Eu estava de licença de maternidade quando as comprámos e agora tenho uma empresa. Portanto, estamos numa posição em que podemos fazê-lo, e é a coisa certa a fazer.”

Já tem reservas para o verão, mas está disposta a abrir mão delas. Oferecerá aos hóspedes com reservas um upgrade gratuito para uma propriedade mais luxuosa oferecida pela empresa se os refugiados precisarem das casas dela. “Ficarei surpreendida se as pessoas não aceitarem”, diz ela. As duas propriedades próximas, ambas com três quartos, ficam nas colinas acima de Luino, na costa leste do Lago Maggiore, perto da fronteira com a Suíça. Situam-se numa pequena povoação que tem apenas outras três propriedades, com um ribeiro da montanha a descer num dos lados, pavões a vaguear pela rua do outro lado, e um vizinho com burros e vacas com badalos tilintantes.

Jo Mackay está preparada para cancelar reservas nas suas vilas italianas para dar lugar a refugiados (Foto: Adobe Stock)

Mackay espera que a tranquilidade seja adequada às famílias que precisam de recuperar. Os gerentes das propriedades, no local, ofereceram-se para ajudar os recém-chegados naquilo que fosse preciso. E por mais remoto que possa parecer um cenário idílico à beira de um lago, Mackay diz que a Lombardia, a região em que as vilas se situam, tem a maior comunidade ucraniana de Itália – portanto, ela espera encontrar famílias que as ocupem. Já entrou em contacto com instituições de beneficência locais para oferecer as duas casas e já as registou no programa do Airbnb.

Enquanto isso, além de registar também o quarto que tem vago na sua casa no Reino Unido, esta semana enviou um e-mail aos donos das propriedades que representa, perguntando se estariam preparados para fazer o mesmo. Já vários responderam, alguns oferecendo as suas próprias casas sem qualquer custo e outros pedindo apenas que sejam pagas as contas dos serviços públicos. Um dono está também a preparar outra propriedade que tem na Alemanha, na qual podem ficar 17 pessoas. “Esta guerra pode mostrar o pior da humanidade, mas também nos mostra o melhor”, diz Mackay.


“Sabemos do privilégio que temos num país seguro”

Elisa e David Ngog no Lago Balaton, na Hungria (Foto: Elisa Ngog)

Elisa e David Ngog arrendavam o seu apartamento em Budapeste há um ano quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Clientes de Gordon Cross, mudaram-se para a Hungria em 2018, quando David Ngog - jogador de futebol profissional e antigo atacante do Liverpool e do Paris Saint-Germain – foi jogar para o Budapest Honvéd. Embora eles e os dois filhos vivam agora na Grécia, quiseram manter os laços com a cidade – e daí o apartamento, que fica a uma curta distância a pé da antiga casa da família e a alguns quarteirões do Parlamento da Hungria.

"O nosso filho nasceu em Budapeste, portanto, a cidade tornou-se muito importante nas nossas vidas”, diz Elisa. “É uma cidade onde os apartamentos não costumam ter muita luz, mas encontrámos um lugar com uma varanda grande e eu adorei. Foi muito importante para nós arranjar um lugar onde as pessoas fossem felizes.” “Estas pessoas que estão a deixar a Ucrânia não estarão tranquilas, mas espero que seja um lugar descansado para viverem e fazerem uma pausa.”

O casal via as notícias desde o início da guerra. “Quando os primeiros [refugiados] partiram, pensei nisto, mas não sabia como torná-lo oficial”, conta Elisa. Mas, alguns dias depois, Cross enviou um e-mail a todos os seus clientes, perguntando se eles ofereceriam as suas propriedades. Os Ngog estavam a caminho de um café quando receberam o e-mail. Quando se sentaram com as suas bebidas, responderam-lhe afirmativamente. “Não hesitámos nem por um instante”, diz David.

O apartamento dos Ngog fica a poucos quarteirões do Parlamento húngaro (Foto: Adobe Stock)

“Sabemos do privilégio que temos por vivermos num país que é seguro. É óbvio que devemos ajudar quando temos a capacidade para fazê-lo.” Desde o e-mail de Cross, a 3 de março, os Ngog já tiveram duas famílias no apartamento, ambas por pouco tempo. “Quando o Gordon enviou um vídeo de uma menina a brincar... fiquei muito comovida”, diz Elisa. 

“Agora estão lá três crianças. Isto faz-nos sentir que contribuímos, embora não tenhamos feito nada.” Os amigos do casal, em Budapeste, também têm estado presentes para receber as famílias e levar-lhes comida, brinquedos e calçado infantil, quando necessário. Embora outros proprietários tenham estabelecido limites de tempo para a disponibilidade das casas, os Ngog oferecem o apartamento por tempo indeterminado. “Sinto-me muito grata pela vida que tenho e temos a sorte de não precisarmos [da renda] para viver”, diz Elisa. “Estamos felizes.”

“Alguns influencers estão na sua própria bolha”

Kash Bhattacharya e a companheira Sabina estavam a voltar de uma viagem de sonho à Tailândia quando a invasão começou (Foto: Kash Bhattacharya/Budget Travel)

Kash Bhattacharya estava no Aeroporto Changi de Singapura, numa escala de 10 horas de regresso de umas férias na Tailândia, quando leu as notícias sobre a Ucrânia. O blogger de viagens de Berlim, dono do site Budget Traveller, mandou uma mensagem às amigas Rosie Willan e Charlotte Hall, que administram a agência de marketing de hospitalidade do Reino Unido, Stay the Night. 

Em maio de 2020, tinham lançado o programa “Adopt a Hostel”, que incentivava os viajantes a comprarem vouchers para futuras estadias em pousadas da juventude, no momento em que a indústria das viagens sofria um duro golpe. Desta vez, pensaram que poderiam lançar uma plataforma que reunisse diferentes ofertas de alojamento para refugiados no mundo inteiro. No espaço de 24 horas, o colega de trabalho de ambos, Chris Richardson, preparou tudo.

Até ao momento, há mais de 225 anúncios em 19 países, desde famílias individuais a oferecerem as suas casas e propriedades que arrendavam, do Generator Hostel no famoso bairro de Prenzlauer Berg, em Berlim, a 20 propriedades da cadeia europeia Hotéis Penta. 

O famoso Prenzlauer Berg é um dos lugares onde os refugiados se podem estabelecer (Foto: Maja Hitij/Getty Images)

“Não sabíamos bem o que esperar, mas queríamos ver o que podíamos fazer - e tivemos uma resposta tão incrível que nos motivou ainda mais”, diz Hall.
O Hospitality for Ukraine é apenas um diretório, em vez de uma plataforma de reservas, mas Bhattacharya diz que a resposta foi esmagadora com feedback de instituições de beneficência no terreno a dizerem que a plataforma está a ajudar a alojar os refugiados, especialmente refugiados de cor, que enfrentaram dificuldades em encontrar segurança.

Hall diz que agora está em negociações com marcas maiores, incluindo a Best Western, para adicionar o seu portfólio às listas. “Algumas pessoas [influencers] parecem estar na sua própria bolha e continuam a falar sobre as suas coisas como se não houvesse uma guerra, mas quando falamos sobre influência e sobre fazer a diferença, sinto sempre que podemos fazer mais”, diz Bhattacharya, que afirma ter ficado impressionado com a reação da comunidade de viajantes.

O próximo objetivo dele? Usar a sua influência para mostrar a potenciais viajantes que os países próximos do conflito, como a Polónia, não são perigosos de visitar. “Todos esses países estão a apoiar os refugiados e precisam mais do que nunca do apoio do turismo”, diz ele. “Quando ouvimos falar de pessoas a cancelar viagens à Polónia, é triste. A melhor coisa que as pessoas podem fazer é viajar para esses lugares e conhecer os refugiados.”
“Se temos uma empresa, temos responsabilidades sociais.”

Ariel Schiff abriu os hotéis AMANO aos refugiados

Ariel Schiff abriu os hotéis AMANO aos refugiados (Foto: Ben Fuchs/AMANO Hotel Group)

Sendo um dos destinos tendência da Europa, Berlim está cheia de hotéis ousados. Entre eles estão as oito propriedades AMANO - que estão agora abertas aos refugiados, que podem ficar gratuitamente. O grupo também tem doado e enviado muitas coisas, como sabonetes, cobertores e outros artigos essenciais, para as fronteiras da Ucrânia, graças a um designer alemão-ucraniano que organizou camiões para levar bens desde o início da crise, diz o cofundador Ariel Schiff. Inicialmente, o grupo alojou cerca de 25 desses camionistas nos seus hotéis. À medida que os refugiados começaram a chegar a Berlim, as portas também se abriram para eles.

“Não há qualquer dúvida. Obviamente, temos de ajudar”, diz Schiff, ao falar sobre a razão para ter tomado esta decisão. “Não é nada de especial. Se há pessoas que precisam de ajuda, não há dúvida de que devemos ajudar. E se temos uma empresa, também temos responsabilidades sociais.” Muitos refugiados já chegaram a Berlim, e o grupo está a tentar ajudar sempre que tem disponibilidade.

Schiff diz que os berlinenses se estão a chegar à frente e a fazer voluntariado na estação de comboios (Foto: Carsten Koall/Getty Images)


“Às vezes, os voluntários ligam às 22:00 a dizer que têm três mulheres e crianças na rua. Eu ligo ao meu gerente e digo: ‘Vão a caminho três mulheres e três crianças.’ Ou então, os gerentes é que me perguntam isso e, até agora, nunca se ouviu um ‘não’. Às vezes, temos os quartos todos ocupados, mas acabamos sempre por encontrar um ou dois quartos.”

Schiff diz que os berlinenses se chegaram à frente, durante a crise. “Temos um hotel perto da estação central e é incrível a quantidade de pessoas que vão para lá ajudar. Tenho muitos funcionários que vão para lá depois do trabalho. De repente, há uma solidariedade que não via há anos. Não há nada de bom nesta guerra, mas toda a gente está preocupada e toda a gente está a pensar no que pode fazer para ajudar. Se há algo de bom, é isto.”

“É um espelho do que vivemos na Segunda Guerra Mundial”

Mindaugas Reinikis está a usar a posição de Kaunas como Capital da Cultura para se concentrar na cultura ucraniana (Foto: Martynas Plepys)

Mindaugas Reinikis está a usar a posição de Kaunas como Capital da Cultura para se concentrar na cultura ucraniana. Como uma das Capitais Europeias da Cultura de 2022, Kaunas, a segunda maior cidade da Lituânia, preparava-se para os holofotes deste ano. O tema, “Do Temporário ao Contemporâneo”, - desencadeado pelo estatuto de Kaunas como capital temporária da Lituânia, quando Vilnius foi reivindicada pela Polónia entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, - planeava abordar a difícil história da cidade.

Na Segunda Guerra Mundial, Kaunas foi ocupada pelos nazis, sendo mais tarde anexada à União Soviética, com a revolução da “Primavera de Kaunas” de 1972 a ser brutalmente reprimida. Um ano de exposições que giravam em torno da ocupação e da guerra, com participações de Marina Abramovic, William Kentridge e Yoko Ono, estavam já programadas. A invasão da Ucrânia pela Rússia foi fortemente sentida porque Kaunas já passou por isso, diz Mindaugas Reinikis, chefe de marketing e comunicação do projeto Capital da Cultura.

“O que está a acontecer agora é, de uma forma muito triste, o contexto certo”, diz ele. “É um espelho do que vivemos na Segunda Guerra Mundial - os intervenientes e as personagens estão a mudar, e as nações são um pouco diferentes, mas as atrocidades são as mesmas - é um ditador louco a tentar acabar com outras nações. Isso atualiza e dá vida ao nosso programa.” 

Desde que começou a invasão russa, a venda de bilhetes para os eventos teve um aumento de 30%. “A guerra ainda é muito recente em Kaunas. Agora somos 95% lituanos, mas antes da Segunda Guerra Mundial, Kaunas era 30% judeus”, diz Reinikis. 

Os eventos da Capital da Cultura de Kaunas confrontam o passado de ocupação através de artistas como William Kentridge (Foto: Alexander Welscher/picture-alliance/dpa/AP)


Enquanto os eventos ganham nova ressonância, o projeto coloca um novo foco na cultura ucraniana com o novo projeto, CulturEUkraine. A antiga estação de correios da cidade, uma obra-prima modernista que já era um recinto de exposições, foi decorada com as cores da bandeira da Ucrânia, com o terceiro andar transformado num espaço onde os refugiados podem criar, além de se reagruparem, e obter ajuda prática e psicológica. Haverá também um espaço para artistas residentes, quando os refugiados se sentirem capazes de criar, para que os visitantes se possam aproximar da cultura ucraniana. Já receberam pedidos de informações de companhias de teatro e artistas individuais.

A cidade já realizou um concerto no qual tocaram três músicos clássicos da Ucrânia: encontraram trabalho nas Filarmónicas de Kaunas e Vilnius. O objetivo de Reinikis é usar a explosão do turismo deste ano para manter o foco na situação e preservar a cultura ucraniana na diáspora em rápido crescimento. Espera que o estatuto de Capital da Cultura inicie um debate público sobre “que plataformas podemos oferecer”. E acrescenta: “O centro não é um jardim zoológico, mas esperamos que se torne uma incubadora e que surjam algumas iniciativas artísticas ou novos coletivos, e que possamos criar uma plataforma onde eles possam criar.”

Europa

Mais Europa

Patrocinados