As forças russas deixaram bombas, morte e destruição em Kiev. Agora está em marcha uma meticulosa operação de desminagem

CNN , Vasco Cotovio, Frederik Pleitgen, Byron Blunt e Daria Markina
16 abr 2022, 10:00
Foram colocados em toda a região de Kiev sinais de alerta para a presença de minas ou engenhos não-detonados. Fotografia: Vasco Cotovio/CNN

À medida que as forças russas foram recuando, foram deixando para trás dezenas de projéteis e bombas não-detonadas, para além das minas que colocaram para desacelerar o avanço ucraniano, para proteger a sua retirada, ou talvez apenas para arrasar ainda mais a região

Nos arredores de Kiev, o tenente-coronel Mykola Opanasenko ajoelha-se num terreno afastado para dar corda a um pequeno gerador elétrico para alimentar uma explosão.

“Fogo”, grita, antes se resguardar e apertar o gatilho. Uma fração de segundo depois, um estrondo de pôr os ouvidos a zumbir atravessa o silêncio da paisagem rural.

Esta é a sexta explosão controlada que Opanasenko, de 34 anos, e a sua unidade de desminagem levaram a cabo desde que a Rússia retirou as suas tropas da região de Kiev no início deste mês. Hoje, fizeram explodir 16 projéteis de artilharia não-detonados, cada um pesando cerca de 45 kg, numa só explosão. Têm ainda de fazer o mesmo a 30 projéteis até ao fim do dia.

A sua unidade é uma das muitas a trabalhar na região. No total, dizem já ter destruído 2,5 toneladas de munições na última semana e meia.
“Se estivermos todos vivos, então correu tudo bem”, diz Opanasenko.

À medida que as forças russas foram recuando, foram deixando para trás dezenas de projéteis e bombas não-detonadas, para além das minas que colocaram para desacelerar o avanço ucraniano, para proteger a sua retirada, ou talvez apenas para arrasar ainda mais a região.

O tenente-coronel Mykola Opanasenko prepara-se para explodir 16 projéteis de artilharia russos não-detonados. Foto: Vasco Cotovio/CNN

As minas, munições e metralhadoras enferrujadas de veículos blindados destruídos podem ser perigosas para os civis que regressam agora às suas casas, por isso, a unidade de Opanasenko vai de aldeia em aldeia, analisando os solos em busca de qualquer uma destas armas mortais que têm de ser inutilizadas.

Os avisos para a presença de minas podem ser vistos nas vilas e aldeias em redor de Kiev. As unidades como a de Opanasenko irão continuar o seu trabalho durante meses em todo o país, ao mesmo tempo que a guerra se arrasta, de acordo com os Serviços de Emergência do Estado (SEE) da Ucrânia.

“Neste momento, temos de inspecionar mais de 300 mil hectares”, disse aos jornalistas na passada quarta-feira o diretor dos SES, Serhiy Kruk.
“Deste modo, em cooperação com as Forças Armadas e a Polícia Nacional da Ucrânia, estamos a trabalhar ativamente e a fazer de tudo para que as pessoas possam regressar e retomarem as suas vidas”, disse Kruk, acrescentando que Kiev será um modelo para iniciativas similares noutras regiões.

A equipa de Opanasenko afirma que esta peça de artilharia é um componente de uma bomba de fragmentação russa, que foi encontrada numa área fortemente bombardeada nos arredores de Kiev. Foto: Vasco Cotovio/CNN

Noutro local perto da capital, Opanasenko mostra à CNN outro explosivo perigoso que encontraram num quintal. Tem a forma de um tubo, com a ponta vermelha e com seis peças em forma de barbatana na extremidade.

“É um dos componentes de uma bomba de fragmentação lançada de um avião”, diz. “Há cerca de 50 componentes destes numa bomba.”
“Esta é uma bomba de fragmentação altamente explosiva usada para matar pessoas, desenhada apenas para matar pessoas”, acrescenta Opanasenko, antes de levá-la para ser destruída.

Segundo ele, a sua unidade encontrou vários explosivos deste género na zona da capital ucraniana.

As forças russas têm sido acusadas de usar regularmente munições de fragmentação contra alvos civis na Ucrânia. No início deste mês, a Missão de Monitorização de Direitos Humanos da ONU na Ucrânia disse que recebeu denúncias credíveis de que as forças armadas russas usaram munições de fragmentação em áreas populosas em pelo menos 24 ocasiões.

Os ataques deste género “podem equivaler a crimes de guerra”, disse a diretora da ONU para os direitos humanos, Michelle Bachelet, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky também afirmou que viu essas ações como “crimes de guerra”, destinados a “matar ou mutilar o maior número possível dos nossos cidadãos.”

Durante o seu discurso quase noturno de segunda-feira - o 47.º dia desde o início da invasão - Zelensky disse que as tropas russas em retirada de zonas do norte da Ucrânia tinham deliberadamente deixado milhares de minas pelo caminho, acrescentando que não o teriam feito sem ordens explícitas das chefias russas.

Referiu que nas zonas do norte da Ucrânia de onde as tropas russas se tinham retirado, foram deixadas para trás “dezenas, se não centenas de milhares” de explosivos por detonar.

Acrescentou que as equipas estavam a trabalhar para remover estes “itens perigosos” e que os “invasores deixaram minas em todo o lado”, incluindo em casas, nas ruas e nos campos.

“Fizeram deliberadamente de tudo para garantir que o regresso àquelas zonas após a desocupação fosse o mais perigoso possível. Devido às ações do exército russo, o nosso território é hoje um dos mais contaminados com minas do mundo”, acrescentou Zelensky.

Um esforço maior

A desminagem anda de mãos dadas com outros esforços de limpeza, à medida que os residentes da região de Kiev começam a aceitar a sua nova realidade e a tentarem voltar ao que resta das suas vidas destruídas após a retirada da Rússia.

Cerca de 30 mil pessoas já regressaram à região, de acordo com as autoridades locais. Algumas empresas estão a reabrir e o tráfego está a aumentar significativamente. Alguns postos de controlo militares também foram retirados das artérias da cidade e alguns transportes públicos estão a ser retomados.

Enquanto isso, as autoridades continuam a remover detritos das ruas, incluindo as carcaças de tanques destruídos e outros veículos blindados.

Uma folha colada num carro queimado diz “cadáveres” em ucraniano, dizendo às equipas de busca onde procurar por cadáveres. Foto: Vasco Cotovio/CNN

É uma tarefa aparentemente interminável de limpeza para as autoridades públicas, especialmente aquelas encarregadas de recolher os corpos apanhados no fogo cruzado.

No cemitério principal em Irpin, um subúrbio de Kiev, foram abertas recentemente filas de sepulturas para soldados e civis.

Aqui, os funerais militares sucedem-se uns aos outros. A Rússia pode estar a reagrupar-se, a deslocar as suas forças para Leste, mas a guerra não acabou - e não há tempo a perder.

Tetyana Bliznyuk, cercada pelos camaradas do marido, observa o corpo deste a ser sepultado pouco antes do pôr-do-sol, o último funeral do dia para membros das Forças Armadas da Ucrânia.

Tetyana diz que da última vez que viu o marido, Oleksandr Lytkin, ele prometeu-lhe que voltaria logo.

“(Ele foi morto por) um morteiro”, diz, com os olhos ainda vermelhos e inchados. “Estou muito orgulhosa dele, é um herói.”

“É tão assustador! Ninguém pensou que isto fosse possível no século XXI”, diz, acrescentando que a guerra “tem de ser interrompida”.

A sua dor é partilhada por milhões à volta de Kiev, à medida que a morte e a destruição deixadas pelas forças invasoras da Rússia se vão tornando cada vez mais visíveis.

Mariya Knight e Jen Deaton da CNN contribuíram para a reportagem

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