"Se Putin tivesse ido de boa-fé para o encontro com Erdogan não teria atacado os portos durante a manhã" (e a Turquia voltou a dar uma "cambalhota" daquelas "ambíguas")

4 set 2023, 20:35
Erdogan com Putin (créditos: Getty Images)

Presidente turco foi à Rússia para tentar desbloquear a crise da exportação dos cereais ucranianos e no fim acabou assim: Putin a fazer exigências ao Ocidente (acabem com as sanções ou a Rússia não faz acordo), Erdogan a pedir à Ucrânia para ser menos exigente ("têm de suavizar as abordagens"). Não foi um mau dia para Erdogan - eis porquê

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Putin exige: ou o Ocidente retira sanções ou a Rússia não volta ao acordo de cereais. Como Erdogan reage a isto: "A Ucrânia tem de suavizar as suas abordagens"

 

As negociações com a Rússia para o acordo de cereais do Mar Negro não correram muito bem, mas, apesar disso, Recep Tayyip Erdoğan, o presidente da Turquia, tem motivos para estar satisfeito: "Erdogan quer retomar o papel de intermediador internacional, quer ser uma potência regional. E o que quis, fundamentalmente, foi criar um momento em que retoma o seu papel de líder mediador num assunto que tem implicações ao nível global. Nesse sentido, atingiu os seus objetivos", afirma Diana Soller, especialista em relações internacionais.

Apesar de Erdogan ter criado algumas expectativas na comunidade internacional sobre o que podia ser alcançado em Socchi, esta segunda-feira, "este só podia ser um encontro exploratório, já sabíamos isso", refere o major-general Isidro Morais Pereira. "Aquilo que Putin quer não está nas mãos de Erdogan nem das Nações Unidas, uma vez que as sanções foram impostas pelo ocidente alargado - União Europeia, EUA, Reino Unido, Canadá. Além disso, se Putin fosse de boa-fé para este encontro não teria atacado os portos ucranianos esta manhã", sublinha Isidro Morais Pereira.

"Não havia interesse da Rússia no acordo de cereais e essa falta de interesse mantém-se. Putin mantém o discurso de vitimização", conclui Diana Soller. Portanto, no plano prático, as negociações reduzem-se a "uma mão cheia de nada", diz o major-general.

Mas para a Turquia este pode ter sido um encontro importante. "Erdogan quer ser visto como o grande mediador da região e, desse ponto de vista, está a seguir uma política externa de equilíbrio, tentando manter as boas relações quer com a Nato, a que pertence, quer com a Federação Russa, de que é vizinho", afirma a especialista em relações internacionais Sónia Sénica. "Estamos a assistir uma tentativa de Erdogan de reavivar um acordo que foi muito importante e aproveitar o acordo cereais para dar pequenos passos para a pacificação do conflito com a Ucrânia", diz a também comentadora da CNN Portugal. Nesse sentido, este encontro, apesar de não ter sido muito frutífero, pode ter sido um passo positivo para mostrar a disponibilidade de Erdogan para servir de intermediário no conflito.

Turquia, um aliado que não é "suficientemente confiável" para o ocidente

Um acordo mediado anteriormente pela ONU e pela Turquia garantiu a exportação de cereais dos portos ucranianos mas terminou em julho, quando Moscovo argumentou que as suas próprias exportações de alimentos e fertilizantes enfrentavam obstáculos. "A Turquia tinha conseguido com as Nações Unidas o primeiro acordo de cereais e está a tentar um novo acordo porque quer ficar bem na fotografia", concorda o major-general Isidro Morais Pereira. "A Turquia tem ambição de se tornar uma potência regional. Tentou aderir à União Europeia, quer ter influência no Médio Oriente, quer ser vista como salvadora do sul global e amiga do ocidente alargado. E, por isso, a sua posição é sempre muito ambígua, está a fazer um jogo duplo. Por um lado não deixa de apoiar a Ucrânia porque pertence à Nato e porque existe na Ucrânia uma minoria de origem turca, que são os tártaros. Por outro lado tem a negócios com a Rússia, nomeadamente de armamento, e tem o gasoduto a passar lá."

Sónia Sénica sublinha que a "diplomacia turca dos cereais colide com a instrumentalização da segurança alimentar russa". No entanto, "e no plano bilateral, Rússia e Turquia continuam a ter uma ligação sólida, têm muitos interesses além da guerra - quer no que toca à Síria, quer no âmbito da politica económica". 

Diana Soller concorda: "A Turquia e a Rússia têm uma relação muito instrumental e é assim que é vista por ambos países. A Turquia dá muitas cambalhotas e muda a sua posição consoante o que é melhor para a sua democracia, está a servir os seus próprios interesses".

Esta ambiguidade faz com que a Turquia não seja, "aos olhos da política externa ocidental, um aliado suficientemente confiável", explica Isidro Pereira. Por isso, os EUA só concordaram em vender F-16 à Turquia "em troca de esta não obstaculizar a entrada da Suécia da NATO". "Erdogan pretende negócios e prestígio. Por isso, vai continuar a insistir neste acordo - não vai desistir, isto não vai ficar por aqui."

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