Ano e meio depois do início da guerra, estas empresas continuam a operar na Rússia

ECO - Parceiro CNN Portugal , Joana Abrantes Gomes
26 ago 2023, 10:07
Ruas de São Petersburgo (EPA)

Milhares de empresas estrangeiras saíram da Rússia desde fevereiro de 2022. Mas outras continuam no país, argumentando que vendem apenas "bens essenciais" ou que seriam prejudicadas pela saída.

uando a Rússia iniciou a invasão em larga escala da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, milhares de empresas estrangeiras limitaram as suas operações ou deixaram mesmo o país como forma de condenar o conflito. Um dos casos mais sonantes foi o da McDonald’s: depois de mais de três décadas em solo russo, a cadeia de restaurantes de fast food norte-americana fechou as portas dos 850 restaurantes da marca no país e vendeu o negócio a um comprador local.

No entanto, outras multinacionais, oriundas de países como Alemanha, França, Itália ou Estados Unidos, continuam em atividade na Rússia. Auchan, Nestlé e Unilever são apenas algumas das empresas cujos bens e serviços que fornecem, assim como os impostos que pagam no país, contribuem para que o Kremlin continue a levar a cabo a sua guerra em território ucraniano.

De acordo com o Leave Russia (na tradução para português, significa “Sair da Rússia”), um projeto conjunto da Kiev School of Economics e de voluntários ucranianos da área das Tecnologias de Informação que lista as empresas internacionais com presença no mercado russo, recorrendo a uma base de dados da Universidade de Yale, há mais de 1.400 companhias estrangeiras que permanecem no país.

Uma delas é a Auchan, que continua a operar cerca de 240 lojas e a empregar milhares de trabalhadores através da sua subsidiária na Rússia. Em março deste ano, a Reuters noticiava que a cadeia retalhista francesa negou alegados planos de abertura de um novo supermercado no país, afirmando que “a Auchan na Rússia trabalha de forma autónoma, sem investimentos da empresa-mãe”. Anteriormente, justificou a manutenção em território russo dizendo que cessar as suas atividades na Rússia seria uma “falência premeditada” e acrescentou que continuaria a ser leal a uma “população que não tem qualquer responsabilidade pessoal” na guerra.

No setor têxtil, a Benetton, marca italiana associada à defesa da diversidade e igualdade racial, decidiu continuar as operações na Rússia como habitualmente. Embora tenha doado roupa e apoio a refugiados ucranianos e suspendido os planos de futuros negócios no país, o grupo defende-se com as suas “relações de longa data com parceiros comerciais e locais” e “uma rede de lojas que emprega mais de 600 famílias”.

Outra empresa da indústria do vestuário que se mantém na Rússia é a Guess. Esta fabricante norte-americana está, aliás, a duplicar os seus investimentos no país, readquirindo participações no seu negócio russo a parceiros locais e, aparentemente, aumentou em mais de 20% as suas receitas após a invasão, para cerca de 49,9 milhões de dólares.

A britânica Unilever, dona de marcas como a Dove, Cif, Lipton ou Axe, comprometeu-se a não fazer mais investimentos nem a obter lucros com a sua presença na Rússia, suspendendo todas as trocas comerciais dos seus produtos e as despesas com publicidade no país. No entanto, a empresa sediada em Londres não parece ter cumprido as promessas feitas ainda em março do ano passado, já que a sua entidade local duplicou os lucros para 9,2 mil milhões de rublos (95 milhões de euros) e aumentou em 10% o investimento em publicidade para 21,7 mil milhões de rublos (224 milhões de euros) face a 2021.

“Nós entendemos porque é que pedem à Unilever para sair da Rússia”, afirmou a empresa em julho deste ano, em reação a um protesto de uma organização de solidariedade para com a Ucrânia que acusava a companhia britânica de “patrocinar” a guerra da Rússia. Porém, “para empresas como a Unilever, que têm uma presença física significativa no país, a saída não acontece de uma vez”, justificou.

Entre as empresas de bens de consumo presentes na Rússia, encontra-se também a Nestlé. A gigante suíça prometeu vender apenas “bens essenciais” no país, como por exemplo leite em pó para bebés; mas, segundo o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, as prateleiras dos supermercados russos continuam a ter alimentos para animais de estimação, chocolates, cereais ou café das várias marcas detidas pela empresa — que também já foi acusada pelo Governo ucraniano, de “patrocinar a guerra de Putin”.

Não tão surpreendente como os exemplos anteriores, por ter origem na China, um país com uma posição neutra relativamente ao conflito na Ucrânia, a retalhista de comércio eletrónico Alibaba continua a operar em território russo através da joint venture AliExpress, cujos lucros ascenderam a cerca de 160 milhões de dólares em 2022.

Por sua vez, a Cloudflare é uma das poucas empresas tecnológicas ocidentais que continuam a fornecer serviços de Tecnologias de Informação na Rússia, argumentando que a população russa merece continuar a ter acesso à internet fornecido pela Cloudflare. Em março, Matthew Prince, cofundador e diretor executivo da empresa, escreveu que “a Rússia precisa de mais acesso à internet, não de menos”. Esta posição, porém, exagera a importância da empresa norte-americana, visto que os russos dificilmente perderiam a capacidade de aceder à internet sem a Cloudflare. Embora tenha uma atividade comercial e de vendas mínima no país, tendo tomado medidas para garantir que não paga impostos ou taxas ao Governo russo, a tecnológica considera que sair da Rússia seria mais prejudicial do que benéfico.

Já a Emirates Airlines e a Etihad Airways são duas das companhias aéreas que tiraram partido do facto de as transportadores ocidentais já não poderem sobrevoar o espaço aéreo russo, passando a oferecer rotas mais curtas e mais baratas do que as que as companhias aéreas ocidentais podem agora fazer. Estes voos são possíveis porque os Emirados Árabes Unidos não implementaram sanções contra a Rússia.

Umas empresas mantêm maior presença que outras na Rússia, mas é preciso notar que se tornou mais difícil sair em definitivo do país, uma vez que o Kremlin impôs novas regras para tornar mais cara a saída de empresas de “países hostis” que aplicam sanções a Moscovo devido à guerra na Ucrânia. Em março, o Ministério das Finanças russo instituiu que os investidores estrangeiros devem doar ao Estado pelo menos 10% da venda dos seus ativos ao abandonarem o país. A Danone e a Carlsberg são exemplos de empresas que estavam a finalizar as vendas das suas operações a compradores locais quando o Presidente russo, Vladimir Putin, assinou uma ordem de nacionalização dos seus ativos locais no início de julho.

Ainda assim, a cervejeira Heineken conseguiu concluir, na sexta-feira, o acordo para vender os seus ativos e deixar a Rússia, tornando-se uma das poucas empresas de consumo a retirar-se com sucesso do país desde que o Kremlin alterou as regras. De acordo com uma nota, a cervejeira neerlandesa teve uma “perda cumulativa total esperada de 300 milhões de euros”. A Heineken estava na Federação Russa há 20 anos e este mercado representava 2% das suas vendas totais.

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