"Escuro, aterrador, claustrofóbico". Como é o interior dos túneis do Hamas

CNN , Peter Bergen
1 nov 2023, 13:00
Hamas

ENTREVISTA || "Quando se entra num destes túneis perde-se completamente o sentido de orientação. E além da claustrofobia, perde-se a noção do tempo, pode-se sentir que se está ali há duas horas e na realidade só passaram 20 minutos."

Nota do editor: Peter Bergen é analista de segurança nacional da CNN, vice-presidente da New America, professor de prática na Universidade do Estado do Arizona e apresentador do podcast da Audible "In the Room With Peter Bergen". As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade.

 

Os túneis construídos pelo Hamas em Gaza serão provavelmente um dos principais alvos da ofensiva israelita desencadeada pelo ataque terrorista de 7 de outubro no sul de Israel. Acredita-se que o Hamas aloja no subsolo um número considerável de combatentes e armas, juntamente com um número não especificado dos cerca de 239 reféns que o governo israelita diz que o Hamas fez.

Uma das especialistas neste túneis é Daphné Richemond Barak, autora de "Underground Warfare" [à letra, "Guerra Subterrânea"], um livro que, até há três semanas, interessava sobretudo aos estudantes de história militar.

Professora na Escola Lauder de Governo, Diplomacia e Estratégia da Universidade Reichman em Herzliya, Israel, ela fundou o Grupo de Trabalho Internacional sobre Guerra Subterrânea.

Daphné Richemond Barak. Foto: cortesia Daphné Richemond Barak

Durante a Guerra do Vietname, os vietcongues utilizaram extensivamente túneis para se esconderem e combaterem as tropas americanas; durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos lançaram ataques em grande escala a partir de túneis contra os alemães, como um na Batalha de Messines, na Bélgica, em 1917, que matou cerca de 10 mil soldados alemães.

Richemond Barak começou a escrever o seu livro em 2013, quando um sofisticado túnel transfronteiriço com cerca de um quilómetro e meio de comprimento e uma profundidade de até 20 metros foi escavado pelo Hamas desde a Faixa de Gaza até ao território israelita, onde foi posteriormente descoberto.

Na década que se seguiu, ela fez uma extensa investigação sobre o sistema de túneis do Hamas, bem como sobre a rede subterrânea construída pelo Hezbollah.

Será importante compreender esta última se as trocas de tiros regulares deste mês entre o grupo militante apoiado pelo Irão e Israel se intensificarem e se transformarem numa guerra total na fronteira norte de Israel com o Líbano.

Peter Bergen: Como é estar dentro de um túnel do Hamas? O é que se sente? Que cheiro tem? 
Daphné Richemond Barak:
Encontramo-nos num ambiente húmido, escuro, aterrador e claustrofóbico, onde literalmente nunca sabemos o que está ao virar da esquina.

Além disso, pode ficar muito frio à noite e é sufocante. Não há muito ar. Se vamos ficar lá durante muito tempo, precisamos de oxigénio, especialmente se formos soldados. E em alguns dos túneis, é preciso baixar-se porque não são muito altos.

Quando se entra num destes túneis muito rapidamente, perde-se completamente o sentido de orientação - de onde se veio, para onde se vai. É fácil ficar completamente desorientado e confuso rapidamente, e algumas pessoas têm grandes problemas com isso.

Além da claustrofobia, perde-se a noção do tempo, pelo que se pode sentir que se está ali há duas horas, mas na realidade só passaram 20 minutos.

Foto de arquivo de túneis de Gaza Foto Mustafa Hassona _ Anadolu

Bergen: Como é que o Hamas está a comunicar dentro destes túneis? Porque, presumivelmente, as comunicações por rádio e esse tipo de coisas não funcionam.
Richemond Barak:
Os telemóveis, claro, estão fora de questão. Isso tem implicações para o Hamas, que, para explorar esta rede de túneis, precisa de descobrir uma forma de poder comunicar entre si, mas também tem implicações para as FDI (Forças de Defesa de Israel). Se entrarem nos túneis, como é que vão manter a comunicação entre as unidades subterrâneas e também com as forças acima do solo?

Bergen: A instalação de treino em túneis que os israelitas possuem - conte-nos a história dessa instalação e como funciona.
Richemond Barak:
Depois da chamada de atenção da Operação Margem Protetora de 2014 em Gaza (a campanha de Israel contra o Hamas, que envolveu ataques aéreos e terrestres durante 50 dias), Israel começou a encarar a questão dos túneis subterrâneos como uma questão estratégica.

Os soldados israelitas entraram nos túneis do Hamas durante a Operação Margem Protetora e não estavam treinados nem equipados, e houve combate nos túneis.

Como resultado da Operação Margem Protetora, Israel tomou uma série de medidas, não só para as técnicas de deteção de túneis, mas também para treinar neste ambiente subterrâneo.

Criaram unidades de elite que são muito bem versadas em todos os aspectos da guerra subterrânea.

Além disso, deram início a uma formação básica em guerra subterrânea para os soldados, de modo a que soubessem como contornar um túnel ou neutralizar um túnel e, depois, que equipamento seria necessário se tivessem de ir lá abaixo. É preciso estar preparado para um tipo de ambiente diferente, mas também para um tipo de combate diferente.

As FDI também utilizaram simuladores em que se colocam óculos de realidade virtual, que nos levam para dentro de um túnel virtual. Mas não é a mesma coisa que estar num túnel. Para o experimentar, é preciso estar dentro de um túnel real e um dos desafios que se colocam é a tomada de decisões: O que é que se faz quando se encontra uma porta? Abres a porta? Como é que se arromba a porta?

 

Soldados israelitas realizam um exercício de treino utilizando tecnologia de campo de batalha de realidade virtual para simular túneis do Hamas numa base israelita em Petah Tikva, Israel, em 2017. Rina Castelnuovo/Bloomberg/Getty Images

Bergen: Porquê túneis?
Richemond Barak:
Porquê túneis? A escavação de túneis é um tipo de trabalho que consome muito tempo e recursos. Demora muito tempo a escavar. É preciso manter a localização dos túneis em segredo. Portanto, a questão é que há um enorme investimento. Quando entramos no túnel, este investimento atinge-nos de uma forma muito poderosa, especialmente nos túneis do Hezbollah, porque estão perto da fronteira norte de Israel, onde há rocha dura que é preciso escavar.

Os túneis neutralizam a capacidade militar de um inimigo mais sofisticado. Funcionam como um grande equalizador entre os dois lados.

Bergen: Relativamente a Gilad Shalit, o soldado israelita que foi mantido refém pelo Hamas entre 2006 e 2011. Ao ler o seu livro, apercebi-me de que os túneis desempenharam um papel importante quando ele foi capturado. Pode explicar como é que isso aconteceu?
Richemond Barak:
O que o Hamas fez foi utilizar túneis de contrabando para levar Shalit para o cativeiro, e foi uma surpresa porque até então não era para isso que esses túneis eram utilizados. E Israel ficou surpreendido e, de repente, apercebeu-se de que, espera aí, talvez devêssemos prestar mais atenção a estes túneis, porque o rapto de um soldado das FDI é considerado um acontecimento estratégico importante. Afinal de contas, Israel teve de libertar cerca de mil prisioneiros palestinianos para recuperar Shalit.

Bergen: Para os israelitas, uma das suas maiores preocupações agora deve ser certamente o facto de estes túneis poderem ser utilizados para fazer reféns outros soldados.
Richemond Barak:
Sem dúvida. Os raptos de soldados são sempre vistos em Israel como um tipo de acontecimento estratégico. Por isso, mais raptos seriam devastadores nesta fase.

Bergen: Qual será o papel dos túneis nesta guerra?
Richemond Barak:
Israel compreende que para eliminar ou destruir as capacidades militares do Hamas, esta rede subterrânea de túneis, onde o Hamas tem o seu arsenal e comando e controlo, tem de ser eliminada. Não direi totalmente eliminada porque creio que é impossível. Mas tem de ser um golpe significativo nesta capacidade, muito mais severo do que o que foi feito durante a Operação Margem Protetora.

É um terreno que o Hamas conhece tão bem, no qual manobra com facilidade, e não se perde dentro dos seus túneis. Não é muito diferente do que o ISIS fez em Mosul, no Iraque, ou em Raqqa, na Síria; esta foi a medida de último recurso do ISIS quando se tratou de combater a coligação que lutava contra o ISIS. A luta passou para a clandestinidade.

Mas para atingir o objetivo estratégico, que é eliminar a infraestrutura militar subterrânea do Hamas, a forma de o fazer não é através de uma incursão à superfície.

Bergen: Israel utiliza uma força canina dentro dos túneis?
Richemond Barak:
Sim, os cães são treinados para entrar nesse ambiente.

Bergen: E quanto aos robôs?
Richemond Barak:
O que é necessário para um robô deste tipo é a capacidade de andar em terreno húmido, porque normalmente há água no fundo de um túnel. É húmido. É preciso que sejam capazes de subir degraus ou escadarias.

Bergen: O que mais poderia funcionar?
Richemond Barak:
A água a alta pressão provocaria o colapso das estruturas dos túneis. Ataca a estrutura do túnel de uma forma muito mais significativa do que simplesmente inundá-lo com água normal. Lembre-se que o solo pode absorver alguma da água.

Agora, pode haver civis nos túneis e, muito provavelmente, pode haver reféns; tens de limpar os túneis primeiro. Se eles estiverem dentro do túnel, então é obviamente mais difícil. E eu não usaria a água de alta pressão.

Bergen: E quanto aos túneis do Hezbollah, caso a guerra se amplie?
Richemond Barak:
Para ilustrar a dificuldade de detetar os túneis, basta referir a Operação Escudo do Norte. Esta é a operação que Israel lançou em 2018 para expor os túneis transfronteiriços que o Hezbollah tinha escavado.

Isto depois de Israel ter melhorado drasticamente as suas técnicas de deteção, mas este é um tipo de terreno diferente, porque o Hezbollah tem de escavar túneis através de rocha dura, enquanto em Gaza, o solo é macio.

Foram precisas semanas semanas - e apesar de não haver hostilidades - para Israel detetar seis túneis.

Mesmo que se disponha de informações, mesmo que se tenha delimitado a área onde se suspeita que os túneis estão localizados, mesmo que se disponha dos meios mais sofisticados e disponíveis para a deteção de túneis, ainda assim será necessário um período de tempo considerável para encontrar os túneis.

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